FERNANDO ARAÚJO

“GOSTAVA DE DEIXAR UM SNS QUE FOSSE SUSTENTÁVEL PARA OS MEUS FILHOS E PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES”

O Governo nomeou Fernando Araújo como o primeiro diretor executivo do Sistema Nacional de Saúde (SNS), em Portugal. Esta nomeação teve como objetivo reforçar o papel de coordenação operacional das respostas assistenciais. Fernando Araújo foi secretário de Estado Adjunto da Saúde e presidia, desde 2019, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto. Com funções mais “técnicas”, o diretor executivo do SNS pretende “articular as unidades, tentar que trabalhem em conjunto, focadas, sempre, no interesse dos utentes”. Confirmando que o SNS está, neste momento, “frágil” e “vulnerável”, para Fernando Araújo o cargo que assumiu é, sem dúvida, “um enorme desafio”, contudo, está empenhado em fazer a sua “gestão” e a “prepará-lo para o futuro”. Quanto à questão do fecho das maternidades, o diretor executivo revela que “não é um desafio fácil”, mas que estão a trabalhar “ativamente” para “tentar evitar esses encerramentos”. Quando questionado sobre as Urgências Metropolitanas, Fernando Araújo é categórico: “já estão a avançar e já as temos em todo o país. O Porto é o caso mais conhecido, mas temos uma no Minho, em Braga, e aqui, em Lisboa, também”, conclui.

Quais são as principais funções do diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde?
A principal função do diretor executivo do SNS é articular as unidades, tentar que trabalhem em conjunto, focadas, sempre, no interesse dos utentes. Acho que a grande importância que tem é fazer com que o todo seja mais do que as partes e que, no final, o resultado seja um SNS mais forte, mais inclusivo e que traga mais coesão ao território.

Como é que se integram as suas funções com as do próprio ministro da Saúde? O que distingue os cargos de ambos?

Eu diria que as funções deste executivo do SNS são muito mais técnicas, operacionais e limitadas aos limites do próprio sistema de saúde. As do ministro são mais vastas, desde logo, porque enquadram o sistema no seu todo. E têm uma parte política, a qual ultrapassa, seguramente, esta questão.

Este modelo de CEO é uma resposta adequada para gerir melhor os recursos, que são escassos, no Serviço Nacional de Saúde?

Eu penso que sim, porque acabamos por tirar, por um lado, muita da carga burocrática legislativa que existia e ainda existe em vários níveis de decisão. Por outro lado, traz mais equidade a todo o país do ponto de vista da abordagem que se faz dos problemas.

Conseguimos, também, seguramente, fazer muito melhor essa aplicação das abordagens positivas e de bons exemplos. Temos uma capacidade de gestão única, muito técnica, não dependente de ciclos políticos. Na minha opinião, é, por isso, uma mais-valia para o SNS.

Considera que recebeu uma herança pesada?

Mais do que uma herança pesada, o SNS está neste momento frágil, está vulnerável, tem vários problemas, fruto de várias circunstâncias diferentes. E, portanto, é neste momento um enorme desafio a sua gestão e prepará-lo para o futuro.

E qual é o real estado do SNS?

Especialmente do lado dos recursos humanos, está muito vulnerável. Temos muitas vulnerabilidades e a capacidade de reter o talento, de reter os melhores profissionais, é difícil.

Neste momento, é difícil porque estamos a competir não apenas com os privados, no país, mas, de um ponto de vista mais global, com os países mais ricos, que têm mais capacidade de desafiar, de convidar, de pagar melhor, de oferecer melhores condições.

É nesse mundo mais global que nós temos que atuar e, nesse sentido, o SNS está perante um desafio enorme. Temos que tomar medidas, rapidamente, para tentar inverter esta tendência de pressão.

Quais são, atualmente, as prioridades da sua agenda?

O SNS precisa de mais planeamento, precisa planear medidas a médio e longo prazo, precisa de se reorganizar. Depois, precisa de ter uma atenção especial à vertente dos recursos humanos, que estão realmente, mais uma vez, em condições diferentes, não apenas remuneratórias. Existem outras áreas críticas, como a dimensão familiar, da investigação, da formação.

Temos também um grande desafio no âmbito da digitalização, temos verbas do PRR para fazermos uma pequena revolução no âmbito da área digital, o que pode ajudar a ter uma gestão mais eficiente e a prestarmos melhores serviços aos cidadãos.

Temos a questão dos acessos, que é seguramente, a área que os portugueses mais reclamam. Temos conseguido, em tempo útil, dar uma resposta às listas de espera.

Eu diria que há aqui uma dúzia de enormes desafios, de prioridades, mas a verdade é que o planeamento e os recursos humanos são, atualmente, aquelas áreas que eu gostaria de alterar nesta fase da evolução do SNS.

Como serenar os ânimos de quem clama por um SNS melhor? É possível reconquistar a confiança quer dos profissionais de saúde, quer dos utentes?

Sim, o objetivo é tentarmos mudar o SNS para recuperar essa confiança e aquilo que, atualmente, dá alguma credibilidade ao próprio SNS, quer para os utentes, quer para os profissionais.

O objetivo passa muito por mudar a filosofia do SNS e conseguir torná-lo mais inclusivo, mais acessível, mais seguro. E isso trará de novo confiança e mais previsibilidade.

Na sua opinião, faltam profissionais de saúde em Portugal, temos profissionais disponíveis?

Faltam-nos profissionais, a nós e em todo o mundo. Há neste momento uma competição por profissionais, que acaba por ter dimensões relevantes. Os países da Europa andam a oferecer condições para conseguirem médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros. Isto deve-se, por exemplo, ao crescimento da população, à existência de doenças crónicas mais relevantes e que precisam de mais apoio por parte dos processos de saúde.

Haverá uma lacuna global desses profissionais e, portanto, é necessário saber argumentar e vender, oferecendo melhores condições às pessoas, de modo a tentar evitar que haja, nos países, essa fuga de profissionais.

Diria que Portugal, como outros países europeus, precisa de mais profissionais nas várias áreas. Temos de baixar as médias para a área de saúde, sem colocar em causa os processos.

Depois temos também o problema da especialização, e esse é um grande problema. Depois de  formados, os mestres da medicina devem ter a capacidade de se diferenciarem numa ou noutra especialidade. Eu diria que a área da formação de recursos humanos tem de ser uma das apostas fundamentais do Estado, para conseguir dar uma resposta no futuro.

Como começar a negociar, quando existe uma grande falta de dinheiro em Portugal. O dinheiro previsto no Orçamento do Estado para a Saúde é suficiente?

Foram colocados mais mil milhões de euros no Orçamento do Estado, nós temos quase 15 mil milhões de euros dedicados à saúde, o que totaliza mais de 40% do que tínhamos há uns anos. Agora, continuamos ainda a precisar de mais coisas.

Os custos crescentes da saúde têm sido uma tendência nos vários países. Seja por definição dos medicamentos, seja pelos recursos humanos – que são mais caros –, seja por necessidade de dispositivos médicos mais diferenciados.

Eu diria que, também do nosso lado, temos que saber gastar o que temos. O que o país tem é um equilíbrio forte entre o Estado reforçar com mais dinheiro o SNS e a saúde em geral, mas, simultaneamente, o SNS tem de utilizá-lo da melhor forma possível, porque se não o fizer, não haverá resposta num futuro próximo.

É possível maiores salários para os profissionais de saúde?

Eu acho que vai ter que ser possível, caso contrário vamos perdê-los, pelo menos os melhores. Temos que fazer esse esforço, pois ele é, acima de tudo, o reconhecimento do próprio Estado. É importante valorizar as carreiras dos profissionais de saúde, em geral, e acho que tem que haver abertura para esse fim. No caso dos enfermeiros, isso já foi feito. No caso dos técnicos, também, portanto, temos de o fazer, também, agora aos médicos.

Quanto aos tempos de espera dos utentes, o que está pensado para se alterar o enorme tempo de espera a nível de urgências, consultas, cirurgias, etc.?

Os tempos de espera são aqueles desafios que temos como mais prioritários. O que estamos a fazer com os hospitais é aumentar tempos de resposta, pagando à parte aos médicos por essa produção adicional, de modo a que façam mais consultas, mais cirurgias, para darmos uma resposta adequada.

Estamos também abertos a trabalhar na questão da aquisição de serviços a privados, para que todo o sistema de saúde consiga dar essa resposta. Porque temos de recuperar uma resposta que não foi dada durante o tempo da Covid-19. Isto é, Portugal foi dos países que menos soluções teve nessa altura. Portanto, temos doentes à espera de tratamento. E depois temos uma população muito envelhecida, que precisa de mais cuidados de saúde.

Reconhece que num pós-Covid há mais idas às urgências, até como consequência de doenças que apareceram?

As pessoas agora aparecem nos hospitais com doenças mais complexas, mais graves. Isto porque, durante a pandemia, as pessoas não cuidaram das suas doenças.

Neste momento temos também mais patologia mental, quer no caso dos adolescentes quer no dos adultos. Depois há doenças do organismo que se agravaram, claramente, durante a pandemia.

Como é possível, por exemplo, fechar maternidades no interior, onde a distância é verdadeiramente um fator preponderante? Os interesses e os cuidados com as grávidas estão previstos?

Estamos a tentar, no caso dos blocos de partos, evitar, ao máximo, os encerramentos, isto porque as distâncias são muito grandes. Não é um desafio fácil, porque a abertura para ir trabalhar em locais muito distantes não é muita, não é fácil cativar os colegas médicos e de enfermagem para esse fim. Estamos a tentar trabalhar, ativamente, para tentar evitar esses encerramentos, porque isso coloca em causa o acesso da população aos cuidados de saúde.

Quais são os critérios seguidos para encerrar as maternidades? E é verdade que também serão fechadas maternidades privadas?

O  caso das maternidades privadas não é deste executivo. O  que nós defendemos é que os critérios sejam iguais. Quer dizer, quando falamos de critérios de qualidade, de segurança, têm que ser iguais tanto no privado como no social, porque estes defendem as grávidas e os recém-nascidos.

Quanto à questão do fim da manutenção ou não, dependerá do Ministério da Saúde, a nós, o que nos compete é termos uma resposta com qualidade.

Como se resolve a questão da demora na resposta dos serviços de emergência, nomeadamente no que ao INEM diz respeito. Na sua opinião, o INEM está a desempenhar um bom serviço?

O INEM tem tido problemas relevantes nessa resposta, em geral, por falta de recursos humanos. Tem feito um esforço enorme no caso dos técnicos de emergência pré-hospitalar e no caso dos médicos, para tentar captar recursos. No caso dos técnicos, tem feito concursos, formações, mas o facto é que têm saído, também, muitos técnicos para outras atividades.

Os vencimentos não são competitivos, a exigência da atividade é elevada e, portanto, o INEM tem tido dificuldade em manter os seus recursos, o que implica a falta de uma resposta em tempo útil para os utentes. Portanto, tem havido lacunas.

Temos de ter um plano alternativo, uma opção diferente, porque isso coloca em causa a capacidade de resposta.

As urgências metropolitanas vão avançar?

Já estão a avançar e já as temos em todo o país. O Porto é o caso mais conhecido, mas também as temos no Minho, em Braga, e aqui, em Lisboa. Já estão várias em funcionamento e cada uma é diferente das outras. O modelo depende muito das necessidades a que temos de dar resposta, da captação de recursos que fazemos e, depois, da forma como planeamos e organizamos as respostas.

Os modelos de Urgência Metropolitana não são uma inovação portuguesa, já existem, há muitos anos, noutros países e são soluções consistentes, robustas, que respondem aos interesses das pessoas.

Na sua opinião, qual o perfil ideal para administrar os grandes hospitais do país?

É necessário ter um conjunto variado de competências, não apenas conhecimentos de experiência do lado da saúde – que é importante –, não apenas conhecimentos de gestão, mas tem de se ter a capacidade de inspirar as pessoas, de ter projetos para chamar pessoas, e a capacidade de reter os melhores. São esses os líderes inspiradores de que estamos à procura.

Mas a concorrência existe…

A concorrência também é saudável, mas andar a passar de um  local para outro também não é bom para o SNS.

De quanto tempo necessita para que possamos ver resultados?

A resposta mais simples seria três anos, ou seja, o final do mandato. Quem achar que, no caso da saúde, consegue delinear reformas, implementá-las e ter resultados em poucos meses, é porque não é preciso fazer reformas.

Eu diria que há medidas, mais a curto prazo, que temos que implementar porque os problemas estão em cima da mesa e temos de ter soluções. Depois, há medidas que são muito mais estruturais e que demoram tempo a implementar, logo demoram tempo para ter resultados, mas são as mais consistentes. Temos de ter paciência para ver os resultados.

Que marca quer deixar na saúde em Portugal?

Gostava de deixar um SNS que fosse sustentável para os meus filhos e para as próximas gerações.

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