ENTREVISTA ANTÓNIO SARAIVA

Revista FRONTLINE

“TEM QUE HAVER CORAGEM POLÍTICA PARA CORRIGIR O PESO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA”

”Intitula-se um “arquiteto de pontes” e está orgulhoso pelo acordo de reforma laboral conseguido com o Governo na concertação social. António Saraiva, presidente da CIP, diz-se um homem que gosta de desafios e espera poder contribuir para salvar a economia nacional num momento “de emergência”. O “patrão dos patrões” lembra aos trabalhadores que é preciso mudar a atitude e critica, por exemplo, aqueles que nas empresas públicas fazem greves quando têm salários e regalia muito acima da maioria dos portugueses. Nasceu no Alentejo, mas foi entre o Castelo e Alfama que este “miúdo do Miradouro” de Santa Luzia se tornou o homem de quem os amigos hoje se orgulham. O peso da administração pública é um dos pontos que mais o preocupam no país. Para António Saraiva é preciso haver coragem política para redimensionar este “monstro”, que obriga o país a ter uma “carga fiscal em excesso” para o alimentar.

Como tem sido a experiência como presidente da CIP?

Tem sido uma experiência riquíssima. Inicialmente não queria ser presidente da CIP, mas hoje olho para trás e recordo-me dos tempos em que os meus pares me incentivaram a assumir o lugar e não estou arrependido. Inicialmente tive algum receio pela exigência, exposição e variedade de dossiers que temos que dominar, mas felizmente a CIP tem um grupo de trabalho muito bom, que me surpreendeu. A sua abnegação, o profissionalismo… há ali uma equipa de trabalho que facilita muito a minha tarefa. É desafiante, é excitante, estou contente, gusto daquilo que hoje faço. Sinto-me bem, sinto-me a colaborar, a fazer parte de um conjunto de soluções que têm que ser encontradas para a economia portuguesa. Sou um “arquiteto de pontes” e julgo que estou naquele momento em que somos “o homem e o seu tempo”. E acho que este tempo me desafia a colocar a experiência que acumulei ao longo dos anos ao serviço destes desafios para fazer parte da solução. É um desafio que me excita.

A sua experiência na Lisnave e, depois,na Luso-Italiana deu-lhe a capacidade de negociação de que precisa atualmente?

Que me é muito útil atualmente, para fazer pontes, unir margens, unir aparentemente aquilo que por vezes é quase impossível de unir, criar convergências naquilo que é divergente, numa condição de exceção como aquela em que hoje vivemos. A experiência que acumulei na rica escola que foi a Lisnave, em termos de modelo de gestão de empresa e depois nos anos em que liderei a comissão de trabalhadores – em tempos que eram de igual dificuldade, diferentes, mas com similitudes –, deu-me uma característica de negociação que hoje me é bastante útil, sem dúvida. Depois, aquela que ganhei por ter sido convidado para director comercial da Luso-Italiana. Sou de facto um “animal comercial”. Gosto do contato, de conhecer gente, conhecer novas ideias, novas experiências, viajar até ao “outro”. O “outro”, no sentido do ser humano, é muito rico. O contato que me permitiu lidar com vários clientes, de várias culturas, regiões, quer nacionais quer internacionais, deu-me uma capacidade e experiência daqual hoje recolho muitos frutos.

Tendo em conta o seu passado na UGT e sendo que já esteve “do outro lado da barricada”, o que sente quando hoje lhe chamam o “patrão dos patrões”?

Quando chamam ao presidente da CIP o “patrão dos patrões”, sabe-se lá porquê,sinto que estou a fazer o mesmo que fazia enquanto líder dos trabalhadores da Lisnave. É uma missão, é lutar por objetivos, é lutar por causas. Já quando liderei os trabalhadores da Lisnave, tentava na minha ação salvar aquela empresa, como ela veio a ser salva. Não digo que foi graças ao meu trabalho, eu fui apenas um dos muitos que o fizeram, fiz parte de uma equipa de pessoas que salvaram a empresa da ruína e da falência, que era inevitável. A Lisnave estava permanentemente em greves, paralisações, manifestações de apoio à reforma agrária e a vários setores de atividade que nada tinham a ver com ela. Porque nessa altura era assim que as coisas aconteciam. Era preciso salvar aquela empresa, porque os armadores começaram a desacreditá-la, deixaram de trazer navios a reparar, porque era um estaleiro de reparação naval, e nós, gradualmente, fomos perdendo trabalho. Os 10 mil operários que ali chegaram a existiriam perdendo os postos de trabalho nas várias restruturações que foram feitas e nada salvaria a Lisnave se não houvesse ali uma alteração de attitude por parte dos trabalhadores, de fazerem parte da solução. O primeiro contrato social que se fez neste país, fi-lo na Lisnave, em 1984. Orgulho-me de ter sido um dos arquitetos desse acordo social, naquele caldo político que se vivia, onde os sindicatos afetos à CGTP-Intersindical dominavam largamente – num universo de 8 mil trabalhadores, não haveria mais de mil pessoas afetas à UGT. Ganhar a comissão de trabalhadores foi uma missão quase impossível, mas que se realizou. Nos dois anos em que a liderei, fiz uma assembleia-geral de trabalhadores que me era hostil e fiz aprovar, nessa assembleia, o contrato social que os sindicatos da CGTP não queriam assinar. Enfim… as várias horas de discussão, de argumentação e persistência levaram ao acordo, e com o acordo, salvava-se a empresa. Por isso, era uma missão salvar a Lisnave, e participei com muito gosto e abnegação nesse desafio. Estou hoje, enquanto líder patronal, a tentar contribuir para salvar a economia nacional, para tentar criar mais postos de trabalho, para lutar contra o desemprego, para gerar crescimento económico. E o acordo para o trabalho que agora assinamos tem um pouco a ver com isso: gerar crescimento para a nossa economia, criar fatores de competitividade para as nossas empresas e com isso criar emprego para o país ou, no mínimo, tamponar este crescente aumento do desemprego, que tem efeitos sociais complicados e que todos, sem exceção, temos que contribuir para travar.

O que dizem os seus amigos desses tempos sobre a sua posição atual?

Embora um ou outro se encontre um pouco mais influenciado por opções políticas, a grande maioria compreende perfeitamente, elogia o meu papel, respeita a minha posição. Ainda hoje participo em almoços e/ou jantares com colegas da Lisnave, que tenho desde esse tempo. E todos os meses janto com os miúdos do meu bairro. Nasci no Alentejo, mas vim aos 6 anos para Lisboa e vivi até aos 21 na zona do Miradouro de Santa Luzia, entre o Castelo e Alfama. Ainda hoje, todos os meses, nos reunimos 30 e tal adultos, os miúdos do Miradouro. No segundo jantar depois de ter sido eleito presidente da CIP, emocionei-me porque me surpreenderam com a oferta de uma placa onde, de uma maneira elogiosa pelos dizeres que contém, me distinguiam pelo que eu tinha feito, por onde eu tinha chegado. Orgulham-se deste amigo como eu me orgulho deles. (…)

Agradecimento ao Hotel Tiara Lisboa