“A GRANDE MARCA QUE EU GOSTARIA DE DEIXAR NESTE MINISTÉRIO É TER FORÇAS E SERVIÇOS DE SEGURANÇA MAIS BEM EQUIPADOS E, SOBRETUDO, MAIS BEM DIRECIONADOS PARA A SUA MISSÃO”
Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna, nasceu em Coimbra, em 1967. Doutorada em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade do Sarreland, Alemanha, pós-graduada em Direito Europeu, pelo Instituto de Estudos Europeus da Universidade do Sarre (1994) e licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1991), a ministra tem como principais áreas de investigação o Direito da União Europeia, o Direito de Imigração e Asilo, a Cooperação Policial e Judiciária, a Segurança Interna e o Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça. Para Constança Urbano de Sousa, a pasta que tutela é “muito pesada” pelos enormes desafios que apresenta e que dizem respeito à Segurança e à Proteção Civil. “Todos os dias este ministério é desafiado, desde as mais pequenas ocorrências até às grandes catástrofes, tudo está na área de responsabilidade do Ministério da Administração Interna”, sublinha a ministra. Com resultados “de excelência”, para Constança Urbano de Sousa um dos grandes desafios do seu mandato é “manter o nosso país como um país seguro”. Outro dos desafios passa por implementar nas forças e serviços de segurança “medidas de modernização e de desmaterialização”, para que possamos ter “uma melhor utilização dos nossos recursos humanos e materiais” e, sobretudo, de modo a “concentrar as forças e serviços de segurança naquela que é a sua missão principal, a segurança interna”, refere a ministra. Quanto à questão dos incêndios, e uma vez que nos aproximamos a passos largos da fase Charlie, a mais crítica, Constança Urbano de Sousa refere que teremos quase 10 mil operacionais, 48 meios aéreos e 236 postos de vigia. A grande novidade, este ano, é a “atuação das Forças Armadas”, nomeadamente “do Exército, mas também dos Fuzileiros”. Serão mais de 1360 militares devidamente formados e equipados que vão garantir operações “não só de vigilância”, mas também “operações de rescaldo”, conclui a ministra.
Quais são os principais desafios da pasta que tutela?
Esta é uma pasta muito pesada, por conta dos enormes desafios que apresenta e que tem que ver com a Segurança, com a Proteção Civil, ou seja, todos os dias este ministério é desafiado, desde as mais pequenas ocorrências até às grandes catástrofes, tudo está na área de responsabilidade do Ministério da Administração Interna. Um dos grandes desafios é, sem dúvida, manter o nosso país como um país seguro – temos tido resultados de excelência. Conseguimos, na última década, diminuir, substancialmente, a criminalidade geral em Portugal. Em 2016, registou-se uma descida na ordem dos 7% na criminalidade geral, e em mais de 11% na criminalidade violenta e grave. No ano passado, tivemos, do ponto de vista das estatísticas da criminalidade, excelentes resultados que certificam que Portugal é um país seguro. O esforço, diário, das nossas polícias está aqui perfeitamente percetível. O que pretendemos é manter as condições de trabalho e de dignidade do exercício da profissão para estes homens e mulheres que, diariamente, trabalham para mantermos este label de “Portugal, país seguro”.
Que ministério encontrou quando chegou?
Encontrei um ministério que sofreu algumas alterações, fruto de algumas medidas, como a excessiva concentração de serviços na secretaria-geral e também diversos diplomas que não foram aprovados, como o estatuto da GNR, que tive que retomar. Além de termos, ao longo dos últimos anos, sofrido cortes salariais, o que gera sempre insatisfação. Mas fruto de um enorme esforço conseguimos a reposição salarial, aplicar uma nova tabela salarial na PSP, onde também estamos agora a trabalhar na regulamentação do estatuto, e na concretização do novo estatuto dos militares da GNR.
Que balanço faz do seu mandato?
O balanço que eu faço é positivo, não só a nível dos resultados operacionais, mas de uma série de problemas que já vinham do passado e que conseguimos resolver, como, por exemplo, o regime de acesso às pensões por parte dos militares da GNR e das polícias em geral, e essa foi uma grande vitória.
Que alterações pretende implementar até ao fim do seu mandato?
Estou a trabalhar numa lei orgânica para a GNR e noutra para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mas o grande desafio que, na minha opinião, temos de implementar nas forças e serviços de segurança são as medidas de modernização e de desmaterialização, de forma a termos uma melhor utilização dos nossos recursos humanos e materiais e, sobretudo, de modo a concentrar as forças e serviços de segurança naquela que é a sua missão principal, a segurança interna.
Quanto ao tema dos refugiados, considera que o que tem sido feito, a nível europeu, tem sido suficiente?
Ao nível europeu houve diversas medidas que foram implementadas, mas ao nível das medidas de solidariedade, naturalmente que existe falta de uma resposta verdadeiramente europeia, e mesmo aquelas medidas que foram tomadas, nem todos os Estados-membros as estão a cumprir – não é o caso de Portugal que desde a primeira hora se disponibilizou e sempre foi um defensor dessas medidas e tem estado a cumpri-las.
Qual o papel de Portugal nesta matéria? O que pode ainda ser feito pelo nosso país?
Neste momento, continuamos o nosso esforço de recolocação de refugiados que se encontram na Grécia e na Itália – que são, sobretudo, medidas de solidariedade para com esses países que estão na linha da frente –, como estamos a fazer um esforço grande na área da reinstalação, que é outra das formas de proteção dos refugiados, além de termos, nos últimos dois anos, aumentado, muito substancialmente, o número de pedidos de asilo de pessoas que chegam ao nosso país e aqui solicitam, de forma espontânea, proteção internacional. Esses números subiram muito significativamente, o que é um enorme desafio, não só ao nível administrativo, do processamento desses pedidos, mas também ao nível do acolhimento, para proporcionar a essas pessoas condições condignas de acolhimento para que possam refazer as suas vidas no nosso país.
Os atos terroristas na Europa parecem querer dar a conhecer novos contornos. Qual o papel da União Europeia no combate ao terrorismo? O que é que ainda não foi feito?
Hoje, o terrorismo, sobretudo de matriz jihadista, é uma ameaça global que afeta todos os Estados e nenhum está imune a esta ameaça. Como ameaça transnacional que é, necessita, necessariamente, de uma resposta transnacional, pois nenhum Estado isolado tem o poder de combater esta ameaça. Daí que, ao nível da União Europeia, seja muito importante uma estratégia de luta contra o terrorismo que passa pela prevenção e combate, o que exige fomentar a troca de informação entre os serviços policiais.
O crescente “medo” que se instala, devido ao terrorismo, nos diferentes países europeus, não pode, na sua opinião, pôr em causa a liberdade democrática na Europa?
Temos, sobretudo, que evitar cair numa tentação excessivamente securitária que ponha em causa a liberdade como valor fundamental da nossa civilização europeia, mas temos que tomar medidas preventivas para que todos possamos continuar a desfrutar dessa liberdade.
Perante a atual realidade, o Espaço Schengen continua, na sua opinião, a ser um projeto viável?
O Espaço Schengen é o corolário de toda a integração europeia económica e política, e não podemos abrir mão do mesmo, pois, enquanto cidadãos europeus, faz parte dos nossos direitos a liberdade de circulação neste espaço.
Anunciou uma proposta de lei orgânica e um novo regime de avaliação para a GNR. De que se trata? Que alterações podemos esperar?
Esta lei tenta adequar toda a estrutura orgânica da GNR à sua principal missão, que é a segurança interna, e, portanto, ela não necessita de nenhuma revolução, mas de ajustamentos, para que seja uma força de segurança moderna e ao serviço dos cidadãos. O regime de avaliação hoje é inevitável. Não podemos conceber serviços e carreiras que não estejam sujeitas a uma avaliação do seu desempenho. Temos de dotar a GNR de um sistema de avaliação.
Sente que as forças de segurança não dispõem das melhores condições para desempenhar as suas funções? O que vai ser alterado com o investimento de 454 milhões de euros até 2021?
O valor poderá ainda ser superior porque os imóveis do Estado podem ser alienados no mercado e as receitas reverterão para o investimento em infraestruturas nas forças e serviços de segurança. A Lei de Programação vai permitir programar o investimento, para que este vá além de uma legislatura, baseado em regras claras de prioridades e, sobretudo, permite dotar, até 2021, as nossas forças e serviços de segurança de instrumentos essenciais para o seu desempenho. Considero esta uma das grandes vitórias deste primeiro ano de mandato.
Existem imóveis que podem ser vendidos?
Vendidos ou concessionados, e todos esses valores vão reverter sempre para as nossas forças e serviços de segurança, nos próximos cinco anos. Um exemplo disto é o Quartel da Graça. Queremos com esta lei minorar, em muito, os problemas com que as nossas forças de segurança se deparam.
Quais os principais objetivos do novo Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária (PENSE 2020)?
Temos dois grandes objetivos. Um deles, a redução do número de sinistros mortais por habitante, ou seja, diminuir as mortes na estrada. Queremos, até 2020, fazer uma redução para 41 mortos por milhão de habitantes, o que se revela uma diminuição de cerca de 56% face ao valor de 2010. Mas também queremos diminuir o número de feridos graves, em acidentes de viação. Isso passa muito por implementar diversas medidas de prevenção rodoviária, o que tem a ver com a mudança de mentalidade das pessoas e o seu comportamento na estrada. Em muitos dos acidentes mais gravosos as causas são sempre as mesmas: excesso de velocidade, álcool ou condução distraída pelo telemóvel. Temos de melhorar muito estes aspetos. Isto vai ser possível através de dois tipos de medidas: na área mais educacional ou preventiva, mas também na área da fiscalização e sancionamento desse tipo de condutas, que põe em risco não só a vida das pessoas que vão ao volante, mas de todas as que circulam na estrada. Depois existem alguns fatores que nos preocupam, como, por exemplo, a sinistralidade com tratores – que fazem vítimas mortais por esmagamento – e os atropelamentos, a segurança pedonal. Estes são dois fenómenos que nos preocupam e que temos de acompanhar. Dentro do PENSE 2020 temos também um plano de acompanhamento do envelhecimento dos condutores. A verdade é que, fruto da nossa evolução demográfica, na próxima década, o número de pessoas com idade avançada vai aumentar exponencialmente e, portanto, temos que também ter em atenção esse segmento. Outra medida que também me parece importante é termos um especial olhar sobre a segurança da nossa própria rede viária e melhorar não só a sinalética, mas também a fiscalização da segurança da nossa rede rodoviária.
No rescaldo da visita do Papa Francisco a Portugal, que balanço faz da enorme operação de segurança que foi montada no nosso país? Passámos com distinção?
Passámos seguramente com muita distinção. Esta operação foi de enorme complexidade, envolveu uma multiplicidade de atores na área da segurança e também do safety (segurança no sentido amplo), pois tivemos de montar todo um sistema de prestação de socorro, em situação de emergência, devido à enorme concentração de pessoas naquele espaço. Uma vez que existia a possibilidade de uma ameaça latente, tentámos reduzir, ao mínimo possível, a oportunidade para que algo corresse mal. Foi um trabalho conjunto, coordenado pela secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, em que houve vários atores, mas é de inteira justiça reconhecer que quem, por ser territorialmente competente, esteve mais empenhado em termos de efetivo, em termos das inúmeras operações, foi a Guarda Nacional Republicana, que velou pelo acompanhamento de todos os peregrinos ao longo de mais de 10 dias, com a operação Peregrinação Segura; zelou pela vigilância das nossas fronteiras, entre os postos de fronteira; e em Fátima, com um efetivo com várias valências, assegurou a circulação rodoviária e a segurança do recinto. Sentiu-se segurança, sem ser demasiado intimidador. Houve um enorme empenhamento de todos os profissionais, GNR, PSP, Polícia Judiciária, SEF, de todos os intervenientes da Proteção Civil. Todos estão de parabéns.
Estamos a entrar numa fase crítica no que aos incêndios diz respeito. Para este ano, quais as principais medidas do dispositivo de combate a incêndios?
Estamos na fase Bravo, que é a segunda mais crítica, e que irá até ao dia 30 de junho, com 6600 operacionais empenhados e 1500 viaturas. Na fase Charlie, que vai começar no dia 1 de julho, naturalmente atingiremos a potência máxima deste dispositivo, com quase 10 mil operacionais, 48 meios aéreos e 236 postos de vigia. Este ano temos várias medidas, além de optarmos – nas zonas onde existe um grande risco de incêndio, mas menos cobertura da capacidade instalada – por pré-posicionar reforços, para podermos investir num ataque inicial mais forte, pois é no ataque inicial que se resolve com sucesso a maior parte das ocorrências. Vamos ter, pela primeira vez, uma enorme atuação das Forças Armadas, nomeadamente do Exército, mas também dos Fuzileiros – em menor número por causa da sua menor dimensão –, com mais de 1360 militares devidamente formados e equipados para operações não só de vigilância, que são muito dissuasoras, mas para operações de rescaldo, para evitar reacendimentos. Não é necessário que este tipo de tarefas seja feito pelos bombeiros, pois eles são os combatentes. Pela primeira vez, vamos ter este envolvimento mais bem estruturado, e penso que será um bom auxiliar. Teremos também, este ano, uma melhor coordenação dos meios aéreos, com um helicóptero de coordenação, que vai operar a partir do ar.
Vamos ter mais meios aéreos à disposição?
Não, os meios aéreos vão ser os mesmos que no ano passado, 48 meios aéreos. O que vamos ter é, talvez, uma melhor coordenação e um emprego mais efetivo desses meios aéreos. Estes meios são importantes para combater os incêndios, mas o combate faz-se em terra, com “infantaria” no terreno, na floresta.
Que marca quer deixar neste ministério?
A grande marca que eu gostaria de deixar neste ministério é ter forças e serviços de segurança mais bem equipados e, sobretudo, mais bem direcionados para a sua missão principal, que é a segurança interna. Ou seja, pretendo que existam serviços de segurança mais modernos e mais eficazes, sem que exista tanto desperdício de recursos, como atualmente acontece, nas nossas forças e serviços de segurança, que devem apenas estar concentrados na sua missão principal. Esta é uma missão que se consegue alcançar através da desmaterialização, da modernização e da gestão dos recursos humanos e materiais. Tudo isto para consolidar a nossa marca, que é: Portugal, país seguro.