CARLOS ZORRINHO

“A COLIGAÇÃO EM FUNÇÕES AFUNDOU O PAÍS COM UMA RECEITA DE AUSTERIDADE PELA  AUSTERIDADE

 

O líder parlamentar da bancada do PS, Carlos Zorrinho, em entrevista à FRONTLINE, afirmou que estamos perante “uma crise de enorme gravidade”, que já atingiu “os alicerces da confiança e da mobilização dos portugueses”. Na sua opinião, “o Governo focou todos os objetivos da sua governação no controlo do deficit público”, e para isso contou com “o apoio de uma maioria alargada na Assembleia da República e com o esforço e o sacrifício solidário dos portugueses”. Porém, o Governo escolheu “um caminho errado para atingir as metas”, e hoje, tal como conclui, “o país empobreceu, o desemprego disparou, a economia está asfixiada e o controlo do deficit não foi conseguido”. Para Carlos Zorrinho, “o centro do Governo não é o Conselho de Ministros, mas antes uma ‘troika interna’ centrada no Ministério das Finanças, por onde tudo passa e sem a qual nada se decide”. Perante esta situação, “os outros ministérios vão-se limitando a cumprir as ordens das Finanças”, sublinha. Neste momento, e tal como salienta o líder parlamentar da bancada do PS, “Portugal precisa de visão e estabilidade”, e as crises políticas são sempre algo a evitar. Assim, se a queda/demissão do Governo se viesse a confirmar, seria “um péssimo sinal”. Mesmo assim, o PS está a construir “uma alternativa que implica uma mudança de paradigma e uma regeneração da forma de fazer política e de fomentar a cidadania e a participação”.

 

Na qualidade de líder parlamentar da bancada do PS, que comentário faz à atual crise económica, política e social em que Portugal está mergulhado?

É uma crise de enorme gravidade porque atingiu já os alicerces da confiança e da mobilização dos portugueses, sem os quais é impossível inverter o ciclo negativo que o nosso país está a atravessar. Portugal, sendo uma economia aberta, foi fortemente afetado pela crise das dívidas soberanas. Uma estranha e oportunista coligação de oposições aproveitou esse momento difícil (que deveria ter sido de unidade nacional) para derrubar o Governo em funções e provocar eleições. Depois disso o PSD e Pedro Passos Coelho venceram as eleições antecipadas com promessas de não aumento de impostos e de redução do esforço pedido aos portugueses. Essas promessas foram abandonadas logo que os vencedores foram empossados em coligação com o CDS. A partir daí uma agenda ideológica obsessiva de empobrecimento foi posta em prática. Portugal abandonou a aposta na qualificação social, económica e territorial, e o tecido económico e social foi dizimado. A nossa atitude na União Europeia passou a ser de subserviência absoluta aos interesses da senhora Merkel, que usa e abusa do pretenso “sucesso” do caso português para adiar as reformas necessárias na União Europeia em geral e no seio do Eurogrupo em particular. A coligação em funções afundou o país com uma receita de austeridade pela austeridade e ignorou os sucessivos avisos que o Partido Socialista foi fazendo. O espetro duma espiral recessiva tornou-se realidade. É no meio desse turbilhão que estamos, no momento em que respondo a esta entrevista.

 

Afirmou recentemente que “o PSD procura desviar as atenções dos portugueses do falhanço que tem sido a sua governação”. A que se refere em concreto? Em que é que, na sua opinião, o Governo falhou?

O Governo focou todos os objetivos da sua governação no controlo do deficit público. O controlo do deficit orçamental é importante para cumprir as metas do memorando assinado com a troika. O Governo contou com o apoio de uma maioria alargada na Assembleia da República e com o esforço e o sacrifício solidário dos portugueses. O Governo escolheu, no entanto, um caminho errado para atingir as metas. Não se centrou numa reorientação e controlo da qualidade da despesa para dinamizar o crescimento e o emprego, mas antes aproveitou para impor uma agenda errada de desvalorização fiscal, esmagamento da procura interna e de competição externa pela precariedade e pelos baixos salários.O resultado está hoje à vista. O país empobreceu, o desemprego disparou, a economia está asfixiada e o controlo do deficit não foi conseguido. É hoje evidente que o Governo falhou. Tem obrigação de aprender com os erros e arrepiar caminho. Insistir nesta receita será puro fanatismo ideológico e experimentalismo intolerável.

 

O que quer dizer quando afirma que “o Governo deixou de governar para passar a fazer oposição partidária”? O Governo está a desempenhar mal as suas funções ou, por outro lado, deixou simplesmente de governar?

Todos já percebemos que o centro do Governo não é o Conselho de Ministros, mas antes uma “troika interna” centrada no Ministério das Finanças, por onde tudo passa e sem a qual nada se decide.

É sintomático que uma decisão tão importante como o modelo de eventual privatização da RTP tenha sido anunciada por um pilar dessa “troika”. Neste contexto, os outros ministérios vão-se limitando a cumprir as ordens das Finanças. É aflitivo ver personalidades conceituadas, que exercem cargos fundamentais na Educação, na Saúde ou na Segurança Social, a serem meros operadores da tesoura das Finanças. Os ministros mais técnicos silenciam-se. Os outros, para fazer prova de vida, tendem a fazer discursos de oposição à oposição, já que a narrativa própria não lhes é permitida. 

 

Na sua opinião, a coligação PSD/CDS-PP foi um fracasso? Porquê?

Os episódios decorrentes do anúncio e do recuo na aplicação de novas regras na Taxa Social Única (TSU) revelaram publicamente o que já parecia evidente a quem lida diariamente com o processo de decisão política. A coligação PSD/CDS-PP é um negócio de partilha de poder e não tem uma visão ou um projeto para Portugal. Quero no entanto deixar claro que a coligação tem legitimidade política para governar. Não desejo o seu fracasso. A experiência já vivida não foi boa, mas desejo para o futuro que a avaliação dos erros cometidos permita à coligação, com mais ou menos Conselhos Coordenadores, estar à altura dos desafios que Portugal enfrenta.

 

Mas teria sido possível atingir as metas do Memorando seguindo outro caminho?

Um ano a ouvir falar e a sofrer as consequências das decisões das Finanças, da aplicação de modelos e taxas, da execução de cortes e ajustamentos, fez de cada português um potencial especialista em economia, ou pelo menos no jogo de expetativas e apostas em que ela se parece ter transformado. A economia global do século XXI tem uma componente virtual muito forte e não pode ser estancada em fronteiras territoriais, mas o facto de termos que lidar com novas variáveis e condicionantes económicas não nos deve fazer esquecer das coisas simples e básicas que dão estrutura à ciência económica. A economia estuda a afetação de recursos escassos a fins alternativos, ou seja, tem uma forte base tangível em que a gestão da oferta e da procura e o ajustamento das suas dinâmicas é um processo essencial. O trabalho e o capital combinam-se para gerar riqueza. Essa riqueza remunera os recursos e determina a sua afetação e distribuição. As boas políticas públicas devem facilitar a otimização do uso dos recursos e introduzir fatores de moderação e regulação, como a sustentabilidade económica (manutenção do potencial produtivo) social (nível de equidade) e ambiental (preservação do acesso aos recursos e da qualidade de vida). É por este motivo que uma economia saudável tem que gerar crescimento e emprego. As empresas e as instituições não criam diretamente empregos. Contratam pessoas para satisfazer necessidades. Se essas necessidades não existirem ou quem as tem não as puder pagar, os empregos tornam-se virtuais e a recessão inevitável.O equilíbrio das contas públicas em Portugal dificilmente poderia ser feito sem uma contração da procura interna (sobretudo pública), compensada dentro do possível por um acréscimo das exportações (procura externa). Estas duas variáveis económicas tinham que ter sido geridas em malha fina e com grande sensibilidade. Infelizmente isso não aconteceu. Não aconteceu porque a economia foi (voluntariamente?) esquecida e empurrada para debaixo do tapete (ou engavetada na Horta Seca). O ajustamento foi feito pela via financeira, assumindo o empobrecimento brutal do país, a asfixia da sua economia e a destruição do rendimento das famílias. Vítor Gaspar pode saber muito de finanças, mas não sabe ou não quer saber o que é a economia, e quem sabe, aparentemente, não teve poder para lhe explicar. Sim, havia e há outro caminho.

 

E quanto ao desempenho dos ministros, concorda com a afirmação de que “fazem falta cabelos brancos neste Governo”? Porquê?

O bom senso e a capacidade política não se medem em mais ou menos cabelos brancos, mas a prática tem evidenciado que o Governo está desequilibrado na sua orgânica e tem evidentes erros de casting.  Para um observador atento, o centro do Governo parece frágil e sente-se um certo deslumbramento pelo acesso ao poder. Concordo que um pouco mais de tarimba política no elenco governamental, sobretudo de personalidades com “memória” política e ideológica, poderia minimizar o aventureirismo experimentalista que tem inspirado as grandes opções da governação.  

 

A queda/demissão do Governo é uma solução?

O Governo tem uma maioria clara na Assembleia da República. As crises políticas nunca são desejáveis. Será um péssimo sinal se a queda/demissão do Governo se vier a revelar a melhor solução antes do final da legislatura.

 

De que precisa Portugal neste momento?

Portugal precisa de visão e estabilidade. A estabilidade por si só é um valor incompleto. A estabilidade na mediocridade ou na ausência de soluções torna-se foco de estagnação e de desesperança. Por isso é importante recuperar uma perspetiva ambiciosa de posicionamento económico e político de Portugal no mundo.

Um país de média dimensão, bem relacionado, multicultural e com uma localização geoestratégica privilegiada deve assumir-se não como uma periferia irrelevante da União Europeia, mas antes como uma ponte entre potências regionais, fazendo da rede e da combinação criativa uma fonte de criação de riqueza. É um logro pensar que Portugal poderá competir com base em baixos salários pela simples razão de que a nossa eficiência e produtividade na replicação jamais será comparável à de outros povos com um quadro cultural diferente. Os portugueses são criadores, inventores, inovadores. Ou valorizamos isso cá dentro ou, como aconteceu noutros momentos da nossa história, partiremos para a diáspora. Já houve quem neste Governo considerasse a emigração em massa uma solução. Eu não me resigno a esse caminho.

 

Alguma vez imaginou que a situação do país chegasse a um ponto tão delicado? 

Em boa verdade não antevi que o egoísmo europeu pudesse pôr em causa, como está a colocar, a matriz essencial de solidariedade que presidiu ao aprofundamento da União Europeia e à criação da União Monetária. Portugal teve a dupla infelicidade de enfrentar essa quebra de solidariedade europeia, tendo em funções um Governo que não luta contra as imposições externas, mas antes usa as dificuldades para moldar o país de acordo com a sua matriz ideológica.No entanto, confesso que já estive mais pessimista. Há bons sinais que nos chegam das instituições europeias. Quando o Governo português ficar a falar sozinho no plano nacional, e sobretudo no plano europeu, como aconteceu com o não apoio ao importante reforço do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), ninguém lá fora ou cá dentro lhe vai dar ouvidos. Há outro caminho, e mais cedo ou mais tarde por ele voltaremos a confiar e a acreditar. 

 

Na oposição e perante o atual cenário, quais são as prioridades?

O Partido Socialista tem pautado toda a sua ação pela conjugação de duas ideias fortes: responsabilidade e alternativa. Do maior partido da oposição com a história e a obra realizada ao longo de décadas pelo PS, os portugueses esperam responsabilidade, e o PS tem sido absolutamente responsável, só não podendo evitar que a deriva ideológica obsessiva do Governo tenha levado o PSD e o CDS-PP a afastarem-se cada vez mais do PS e das soluções necessárias para o país. Foi em nome da responsabilidade que nos abstivemos na votação do OE para 2012. O Governo teve todas as condições nacionais e internacionais para atingir as metas da consolidação orçamental sem flagelar as famílias e a economia. Infelizmente, escolheu outra política que se tem vindo a revelar desastrosa. Face ao falhanço do Governo, a formulação da alternativa ganhou uma especial urgência, sem que no entanto possa ser apresentada de forma precipitada. Os portugueses já mostraram que não querem mais alternância nem mais do mesmo. O novo ciclo não pode ser uma mera rotação política, ainda que inspirada em diferentes valores. O PS está a construir uma alternativa que implica uma mudança de paradigma e uma regeneração da forma de fazer política e de fomentar a cidadania e a participação.A relação entre os partidos e a sociedade é uma das questões chave da democracia e,  em Portugal, ela ganha particular acuidade com o clamor de descontentamento que os portugueses têm demonstrado em relação à governação. É fundamental que partidos políticos e movimentos sociais assumam a sua complementaridade. Para o PS, dar voz institucional ao sentimento das pessoas e proporcionar a sua participação ativa no desenho das soluções é uma prioridade forte.

 

Portugal e os portugueses aguentam mais austeridade?

Esta pergunta não pode ser respondida de forma global. Muitos portugueses já não aguentam a austeridade que têm. Outros poderão fazer mais sacrifícios, mas a questão essencial é saber se a partir dum determinado limite a austeridade é parte da solução ou parte do problema. Da análise do comportamento das variáveis macroeconómicas, conclui-se facilmente que para além de provocar um sofrimento escusado, a austeridade excessiva esmaga a procura, destrói emprego e não contribui para resolver os problemas estruturais da nossa economia.

 

Como analisa o papel do Presidente da República nesta conjuntura. Está de acordo com a sua postura?

O Presidente da República tem um papel institucional fundamental que se torna determinante em momentos de crise económica e social, com reflexos na estabilidade política. Nem sempre tenho concordado com o timing e o tom da intervenção do Presidente da República, mas respeito a sua magistratura. No plano do modelo económico para enfrentar a crise, os seus contributos e avisos têm sido muito assertivos no último ano, embora pouco escutados pelo Governo, o que é pena.

 

O quem tem a dizer àqueles que acusam o PS de “deriva de radicalismo político” e de “fugir” às suas responsabilidades?

Radicais são aqueles que fazem do povo português uma cobaia para experimentalismos académicos. O PS assume a responsabilidade de, respeitando os compromissos assumidos, propor as melhores soluções para o país, que têm uma dimensão nacional, mas também uma dimensão local e uma dimensão europeia. O Governo, além de falhar no seu patamar de governação, tem vindo a asfixiar o poder local e a minimizar a participação do país nos fóruns de decisão europeus e globais. É um Governo merceeiro, apenas preocupado com os negócios de curto prazo e nem sempre com as prioridades que mais interessam à comunidade. Se alguém foge às suas responsabilidades é a coligação PSD/CDS-PP. Qualquer leitura rápida do seu programa eleitoral, e mesmo do programa de governo, evidencia o logro que é a governação quotidiana.

 

Votar contra o Orçamento do Estado para 2013, tal como já foi anunciado por António José Seguro, é uma solução ou, pelo contrário, é uma obrigação para com os portugueses? Será este o início para uma mudança de estratégia por parte do Governo?

É uma obrigação. Este é o tempo de dizer basta. Já todos, exceto o Governo (ou parte dele), perceberam que a austeridade, custe o que custar, não é solução para Portugal. Como disse antes, não tem sido o PS a afastar-se da linha de responsabilidade em que se posicionou na oposição. Tem sido o Governo que tem vindo a extremar as suas posições até ao intolerável. O PS avisou várias vezes do risco de, como afirmou António José Seguro, ser ultrapassada a linha que separa a dignidade da imoralidade. Na TSU o Governo ultrapassou essa linha e foi obrigado a recuar pela indignação popular e pela oposição firme do PS e dos parceiros sociais.Noutros domínios também deveria arrepiar caminho, mas não arrisco prever qual o limite da teimosia que inspira o primeiro-ministro e os seus conselheiros financeiros mais próximos na sua saga pelo empobrecimento (dito competitivo) do país.

 

A taxa de desemprego em Portugal é realmente assustadora e preocupante. O que há a fazer para alterar esta tendência?

Como disse antes, nenhuma empresa cria emprego se não tiver mercado, e nenhuma instituição o deve criar se não tiver uma necessidade socialmente reconhecida a que tem que dar resposta. Só com uma política que favoreça o crescimento e introduza financiamento na economia, através do crédito seletivo e do rendimento disponível, é possível voltar a criar sustentadamente emprego de qualidade. Esta constatação não é incompatível com o controlo do deficit. As políticas de crescimento devem potenciar a procura interna e as exportações. No plano competitivo estas duas prioridades complementam-se e são pilares dum ciclo de resposta pelo valor acrescentado, alternativo ao modelo de baixos salários e baixo nível de consumo preconizado pelo Governo.

 

A redução da TSU contribuirá, tal como o Governo quer fazer crer aos portugueses, para uma diminuição da taxa de desemprego?

Todos os estudos mostram que não, ou que se houvesse um contributo, ele seria meramente residual. De facto, apenas 10% do emprego em Portugal é criado pelas empresas exportadoras, e nessas o fator salarial é apenas 20% da formação do custo de produção. Nas restantes empresas, a aplicação do modelo Passos/Gaspar para a TSU, agora abandonado, pode dar uma ajuda de tesouraria, mas esmaga a procura. Dá com uma mão e tira com a outra. Ficamos todos mais pobres e não ganhamos nada com isso. É uma peça liminar da estratégia de empobrecimento do país, que felizmente a oposição, os parceiros sociais e os cidadãos impediram que se concretizasse. Mas importa ficar atento porque o Governo não desistiu de nos empobrecer. Importa ainda esclarecer que a modificação proposta para a TSU não tinha uma ligação direta com o controlo do deficit, mas antes com a criação de condições mais competitivas para as empresas. Não é por isso legítimo substituir a TSU por novos impostos. Ela deve ser substituída por medidas de apoio à atividade económica e empresarial e não por mais austeridade. 

 

Considera possível que, em termos de serviços, exista uma diminuição nos preços depois da aplicação desta medida?

Os níveis de concorrência nos serviços mais importantes em Portugal não é muito elevado, pelo que o reflexo nos preços finais de medidas de redução dos custos não é imediato e depende da política comercial de cada operador. As políticas públicas que reduzam custos operacionais aos operadores que não estão sujeitos a concorrência externa, em meu entender, devem ser, sempre que possível, acompanhadas de acordos ou pactos com o Governo para garantir a devolução aos contribuintes daquilo que tiver sido originado pelo seu esforço.  Mas um Governo que apresentou a TSU sem antes reunir com os parceiros sociais, o que é inaceitável, dificilmente teria a sensibilidade para fazer uma otimização negocial e uma validação prévia dos seus efeitos com os diversos agentes de mercado.

O fracasso precoce desta medida deve constituir uma lição para a futura ação do Governo.

 

Já não é tempo de vermos alguns cortes na despesa do Estado? Ou os sacrifícios têm de ficar unicamente do lado dos contribuintes? Onde é necessário cortar em primeiro lugar?

O Governo foi muito ágil, embora não eficiente, a reduzir a orgânica do Alto Governo, mas não conseguiu eliminar em profundidade as estruturas excessivas da máquina administrativa e focar o serviço público na qualidade das prestações. Importa no entanto salientar que o deficit é um balanço entre receita e despesa. O corte da despesa pública é sobretudo eficiente se tiver reflexos no incremento do investimento e da despesa privada que gera direta ou indiretamente receita pública.

A execução orçamental tem demonstrado que a principal derrapagem é da receita originada pela dinâmica económica. Quanto mais essa dinâmica for asfixiada, maiores serão as dificuldades de sustentação da nossa economia.

 

Enquanto líder parlamentar da bancada do PS, quais são os maiores atrativos da função que representa?

Presidir a uma bancada parlamentar que representa a alternativa e a esperança de um futuro melhor para Portugal, é uma enorme responsabilidade e um grande privilégio. Tenho procurado criar condições favoráveis para que as propostas políticas do PS sejam robustas e para que os deputados possam exercer em plenitude o seu mandato de representação. Por outro lado, tenho também procurado potenciar a valorização coletiva do trabalho político e ajudar a consolidar o projeto do PS como o projeto desejável para o país, afirmando em simultâneo o seu secretário-geral como o primeiro-ministro do novo ciclo da governação em Portugal. Tenho dado a estas funções o melhor de mim próprio, com a forte convicção de que aquilo que defendo é também o melhor para o meu país. Para isso conto com uma bancada de grande qualidade técnica e política e com uma direção e uma equipa de coordenadores setoriais e regionais com grande preparação. Tenho também contado com grande solidariedade e apoio de António José Seguro, que me formulou o convite para me candidatar à presidência do Grupo Parlamentar, e dos órgãos nacionais, distritais e locais do partido, bem como de muitos cidadãos, militantes ou não do partido, que através de contacto direto ou das redes sociais me ajudam diariamente com as suas críticas e sugestões. Presidir a uma bancada parlamentar é um exercício único de compreensão sistémica dos desafios que se colocam ao país no contexto da nova economia global. Tenho a honra de ocupar uma função que grandes personalidades já desempenharam. Estar à altura da confiança que em mim foi depositada é um desafio difícil mas estimulante.

 

E as maiores dificuldades?

Mais do que uma dificuldade, o mais frustrante na liderança de uma bancada que, representando a alternativa, se confronta com uma maioria absoluta inflexível e dogmática, é ver cair democraticamente projetos e resoluções que constituiriam soluções positivas e construtivas para as dificuldades que o país atravessa. Por outro lado, também não é fácil manter sempre com firmeza o princípio de não propor ou votar nada na oposição que não pudéssemos concretizar se fôssemos Governo. É complicado não apoiar medidas justas mas inviáveis no atual quadro económico com que nos confrontamos. Também neste desafio de tenacidade e credibilidade tenho contado com uma enorme compreensão e solidariedade da esmagadora maioria da bancada. 

 

Qual o seu maior receio para um futuro próximo?

Portugal é uma nação milenar, com uma história muito rica e cheia de momentos difíceis que sempre fomos capazes de ultrapassar. Eu tive a sorte de pertencer a uma geração que cresceu com a liberdade e que teve enormes oportunidades para se realizar e procurar ser feliz. O meu maior receio é que um conjunto de equívocos e de infelicidades circunstanciais retirem à geração dos meus filhos as condições que a minha geração beneficiou. A geração que cresceu com abril tem um enorme desafio imediato. Temos que ser capazes de convergir no essencial, para não entregarmos aos nossos filhos um país menos próspero e atrativo do que aquele que recebemos. É uma tarefa ciclópica, mas que considero absolutamente primordial.