“Queremos estar ao lado do poder político, queremos ajudar os políticos a decidir melhor”
Carlos Mineiro Aires é o atual bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE). Ciente da qualidade do ensino da Engenharia em Portugal, afirmou, em entrevista à FRONTLINE, que temos “escolas de excelência”. Analisando a emigração de jovens engenheiros com positivismo, Mineiro Aires sublinha que estes profissionais, quando voltam, vêm “mais ricos em termos de conhecimentos e de aprendizagens”. Empenhado em “adequar a OE aos novos tempos”, o bastonário ressalva que é necessário dar a entender aos jovens que “a Ordem é muito útil para os seus desígnios e para as suas ambições”. Para Mineiro Aires, a OE não termina o seu papel no aconselhamento e apoio aos engenheiros, tendo também um papel de responsabilidade social “elevadíssimo”. Tal como afirma, “a Ordem gosta de aconselhar e de ser informada sobre o que se está a passar”, pretendendo ser também “um parceiro dos governos no sentido de ajudar a pensar e a fazer melhor”.
Como analisa o atual estado do ensino da Engenharia no nosso país e da própria profissão?
O ensino da Engenharia no nosso país é excelente, ao contrário do que muitas pessoas querem fazer crer. Acho que temos escolas de excelência, curiosamente algumas delas desconhecidas – refiro-me a politécnicos –, que ensinam áreas diferentes das restantes e com grande qualidade. No que respeita ao ensino da Engenharia, não devemos ter grandes preocupações. Aliás, vejo com preocupação algumas opiniões que sugerem que se deve ajustar o ensino à procura. Se um país decide desinvestir na Educação, então algo não estará bem. Haverá áreas em que se poderá pensar assim, mas, na área da Engenharia, desinvestir na educação e na formação do engenheiro é completamente absurdo e impensável. Os engenheiros são a alavanca da economia, são quem alimenta a economia. No futuro, prevemos que haja uma recuperação da nossa economia e uma revitalização da mesma, e obviamente que os engenheiros terão aí um papel fundamental. Quanto à empregabilidade, há efetivamente uma especialidade que foi particularmente afetada com a crise, porque estava habituada a um paradigma de emprego que era pleno, falo da Engenharia Civil. Foi necessário fazer a adaptação a uma situação nova e muitas pessoas foram obrigadas a ir para fora. Hoje, estão um pouco por todo o mundo, à semelhança do que está a acontecer com engenheiros de outras áreas. Não podemos esquecer que para nós era vulgar encontrar um austríaco, um alemão, um holandês, um francês, um irlandês, etc., em qualquer parte do mundo, era normal encontrarmos pessoas de várias nacionalidades, contudo, portugueses não havia. Agora também nós já estamos pelo mundo fora, como outros também já estavam. E, curiosamente, com uma capacidade de adaptação e com uma aceitação invulgares. Excluindo a Engenharia Civil, nas outras especialidades, em geral, não há problemas de emprego em Portugal. Muitas há, inclusivamente, em que os níveis de empregabilidade são de 100%.
Na sua opinião, os engenheiros ficam preparados para o exercício da profissão com três anos de formação, conforme o processo de Bolonha?
Obviamente que uma pessoa com três anos de formação não pode ter a mesma qualificação que alguém com cinco anos. É um paradigma novo e temos de nos saber adaptar a ele. Aliás, a OE passou também a admitir os licenciados com três anos, a par dos mestres, isto porque, antigamente, só admitia os licenciados com cinco anos, pré-Bolonha. Bolonha introduziu alterações várias ao nível das formações académicas e a Ordem dos Engenheiros teve, obviamente, que se adaptar à realidade portuguesa e europeia, até porque estes licenciados têm direito a entrar na vida profissional tal como os outros. Terá é de haver uma formação complementar, ao longo da vida, para que possam adquirir mais conhecimentos. Desde que tenham uma base sólida, poderão, na minha opinião, evoluir e progredir em termos de conhecimento na área da Engenharia. Aliás, é propósito da Ordem incentivá-los a prosseguir os seus estudos académicos, de modo a poderem ambicionar aceder a níveis mais elevados de qualificações profissionais.
Sabemos que, nos acordos internacionais firmados, só são admitidos engenheiros com cinco anos de formação… Como respondem a esta imposição?
Há uma razão evidente: nos países em que não existe processo de Bolonha, a formação superior em Engenharia é de quatro ou cinco anos. Logo, não poderemos pedir reciprocidade para formações que em Portugal registam apenas três. Estes profissionais, neste contexto, e para estes países, não podem ser incluídos nos acordos internacionais que possamos estabelecer com organizações congéneres da OE. Não se trata de exclusão, mas de uma impossibilidade, pois teremos que acordar, com as partes envolvidas, as mesmas condições.
Formamos bons engenheiros para os termos ao serviço em Portugal ou, pelo contrário, formamos bons engenheiros para os “exportarmos”?
Para as duas coisas. Estamos a formar bons engenheiros para Portugal, mas também estamos a preparar bons engenheiros que vão para fora e que levam uma boa imagem do país e ajudam a criar o bom nome de Portugal no exterior. Estamos também a formar pessoas que têm outra disponibilidade para sair, mas que podem voltar e, quando tal acontecer, regressarão mais ricos em termos de conhecimentos e de aprendizagens.
O nosso país oferece boas condições aos engenheiros que se formam?
Oferecemos as condições suficientes. Não podemos esquecer que Portugal ainda não saiu da crise em que mergulhou. Permanecemos com uma economia profundamente débil, incipiente até, em termos mundiais, e ou damos a volta por cima, ou vamos continuar a ser um protetorado da União Europeia ou do Fundo Monetário Internacional e passamos a vida a recorrer a financiamentos externos para equilibrar a nossa balança. É óbvio que, neste contexto, se queremos mudar a economia, se queremos tornar-nos produtores de bens e serviços com valor e transacionáveis, só há uma forma de o fazer: é com engenharia, com inovação, com empreendedorismo, com investigação e, claro, fazendo a ponte com as novas tecnologias.
Quais são as principais preocupações e dificuldades do bastonário?
As principais preocupações que o bastonário tem focalizam-se, sobretudo, na adequação da OE aos novos tempos. Temos que saber atrair os jovens, uma vez que existe uma baixa adesão e participação de membros jovens. É preciso dar-lhes a entender que a Ordem é muito útil para os seus desígnios e para as suas ambições. Contudo, há também que envolver os nossos membros – espelho desta realidade é a fraca participação nas eleições. A OE tem de ser cada vez mais apelativa. Somos uma Ordem com muita atividade e com uma forte vocação para a formação contínua e para os jovens. Somos uma Ordem aberta à sociedade, e é nesta perspetiva que sentimos necessidade de mudar, de mostrar à comunidade da imprescindibilidade da profissão de engenheiro, pois pode ajudar a mudar o país. Todas as manhãs – quando nos levantamos, abrimos as janelas e dispomos de água e luz – não nos lembramos de que isto só é possível graças à engenharia. Desenvolvemos a nossa atividade na sombra, e talvez por isso passamos tão despercebidos, mas é necessário enaltecer a importância que nós, engenheiros, temos no quotidiano, na sociedade e na economia.
Neste mandato, que iniciativas se propõe cumprir?
Temos um vasto programa eleitoral, bastante ambicioso, focado basicamente na profissão. Somos uma associação profissional com várias preocupações na profissão. A questão da internacionalização não é, necessariamente, uma fatalidade, até pode ser um ponto forte, mas necessitamos estabelecer uma rede de ligação e uma rede de intercomunicação com os nossos membros que estão lá fora, para criar presença, isto por um lado. Por outro, aumentar a participação dos jovens e dos nossos membros. Devemos ainda aumentar a exposição da OE e a visibilidade da mesma perante a sociedade, mas para isso precisamos que o poder político reconheça a importância que os engenheiros têm e que podem ter. A OE não é reivindicativa, não tem uma postura sindicalista, estamos cá para ajudar a pensar melhor, a decidir melhor, a resolver os assuntos. Queremos estar ao lado do poder político, queremos ajudar os políticos a decidir melhor, mas também esperamos que nos tratem com o respeito que ultimamente não tem existido, em alguns aspetos.
Afirmou que o seu principal objetivo era “contribuir para o desenvolvimento económico do país”. De que forma está a pensar concretizar este propósito?
A contribuição que um bastonário pode dar nesse aspeto é modesta. Agora, enquanto representante de mais de 47 mil engenheiros, que se encontram inscritos na OE, e mais do dobro de profissionais de engenharia que não estão inscritos, é fácil fazer passar essa mensagem internamente. Para além disso, é fácil também transmitir uma mensagem de orgulho na profissão. Se os engenheiros se sentirem envolvidos e sob uma liderança política forte, num projeto nacional comum, acompanham e vão empenhar-se de uma forma total. O importante é afirmarmos e fazermos ver que os engenheiros estão cá para ajudar o país, para ajudar a renovar a economia, para ajudar a inovar, no fundo, para termos um Portugal melhor.
A OE tem como papel acordar a sociedade para os problemas existentes a nível de infraestruturas e outras questões estruturais ou, pelo contrário, deve apenas preocupar-se com a profissão de engenheiro?
A OE tem um papel de responsabilidade na sociedade, elevadíssimo. Temos de ser interventivos, temos como obrigação – uma vez que somos engenheiros e técnicos especialistas em determinados assuntos – de alertar e intervir. E eu recordo que, se por vezes nos dessem ouvidos, não aconteciam situações que têm acontecido. Portanto, é bom que, a montante, a Ordem possa ser mais ouvida de modo a evitar muitos problemas. A Ordem gosta de aconselhar e de ser informada sobre o que se está a passar, isto porque os engenheiros têm uma formação muito distinta do resto da sociedade, estamos muito despertos para aquilo que é o risco, para aquilo que pode pôr em perigo os nossos concidadãos e para as necessidades que persistem, em termos de obras públicas, vigilância, conservação ou manutenção. Um caso paradigmático são as obras em Lisboa. Não nos opomos às obras, aliás, motivámos uma reunião, onde fomos esclarecidos e os nossos contributos foram incorporados. Hoje, a única crítica que fazemos a estas obras é a conjugação de diversos trabalhos ao mesmo tempo, o que pode dar origem a constrangimentos no trânsito.
Todas as obras levadas a cabo na cidade eram absolutamente necessárias? Estará a autarquia apenas a “mostrar serviço”?
Eu diria que há um mix. Queremos ter uma Lisboa mais bonita, mais apelativa, e certamente que muitas destas obras vão contribuir para melhorar a parte estética da cidade, mas não vão servir para melhorar o fluxo de trânsito, porque elas próprias são feitas para o reduzir. Agora, obviamente que haverá da parte do executivo autárquico uma vontade de mostrar serviço e de melhorar a cidade. Mas é normal, é justo.
A OE é uma parceira do Governo? Como justifica?
Não, não é uma parceira. Temos sido tratados como se fôssemos parceiros sociais, mas não somos. Nós somos uma ordem profissional, que assegura a regulação de uma profissão importantíssima e imprescindível, que nos foi delegada pelo Estado. Nós substituímos o Estado ao regularmos a profissão, com um pormenor, até hoje nunca recebemos um cêntimo para o fazer. O trabalho do Estado é feito à custa das quotas dos nossos associados. Isto não quer dizer que nós sejamos uma espécie de vigilantes do Governo, não somos. Somos, com certeza, um parceiro naquilo que seja para colaborar, para ajudar a pensar e a decidir. Confesso que, como bastonário, até acho melhores os governos que integram engenheiros do que aqueles que não o fazem, uma vez que têm uma outra postura e uma forma diferente de pensar e de agir. Nós seremos sempre um parceiro dos governos no sentido de ajudar a pensar e a fazer melhor. Estamos cá para ajudar o país. Por vezes, o que sentimos é que os políticos só se lembram das ordens profissionais quando se deparam com problemas e necessitam da voz dos especialistas para tranquilizarem a sociedade. Este é um aspeto em que o país deve muito às ordens.
Considera que o “Plano de Dinamização de Investimentos de Proximidade” poderá ser um balão de oxigénio para o debilitado setor da construção civil e obras públicas?
Quem tiver a veleidade de pensar que o setor das obras públicas vai voltar a ter a vitalidade que tinha há 10 anos, está errado. Existe, atualmente, uma forte aposta na reabilitação urbana, quando não faltam ofertas de habitação. Mas existem problemas interessantes que têm a ver com a reabilitação urbana e com a renovação das habitações existentes. As cidades foram desertificadas, há cidades-fantasma à noite, há que fazer voltar as pessoas à cidade, há que fazer com que as cidades se tornem bonitas e bem conservadas, como acontece lá fora. Esta é uma aposta válida porque dá emprego, cria novas oportunidades e valoriza o património.
O investimento global previsto de 450 milhões de euros deverá, na sua opinião, ser utilizado em que focos?
Escolas públicas, centros de saúde, reabilitação de monumentos… Os municípios também devem ter uma palavra, pois estes programas devem ser adequados às necessidades regionais e locais. É importante que se analise as necessidades e que não se façam gastos supérfluos. Acho que o valor peca por ser baixo, mas certamente que poderá será ajustado.
Que contributo pode a OE dar à questão dos prédios devolutos nas cidades?
Nesse campo não somos propriamente um parceiro económico, mas podemos alertar e dar uma ajuda, despertar as consciências para essa situação, mas isso é basicamente um problema económico. Grande parte desses prédios ou tem proprietários idosos ou resultam de heranças, algumas delas litigiosas. Aqui, as autarquias deveriam ter um papel mediador para tentar identificar a situação e resolvê-la, pois cada situação é um caso. Penso que estamos no bom caminho e que as câmaras municipais podem dar um bom contributo. É óbvio que nas cidades maiores os problemas serão maiores, mas penso que podemos, paulatinamente, ir atacando os problemas um por um, de forma a ir embelezando e fechando zonas onde esses problemas existem.
Na sua opinião existe uma estratégia nacional para as Obras Públicas? O que lhe parece que está errado na visão do Governo em relação a esta área?
Portugal não tem uma estratégia nacional para as Obras Públicas, e não a tem há muitos anos. Infelizmente, este é um dos problemas do nosso país. E esta realidade não é válida apenas para as Obras Públicas. Não há planeamento, não há pacto de regime e as coisas navegam um pouco ao sabor dos ventos, consoante os partidos e as ideologias políticas que vão ocupando o Governo. Esta é uma das situações que nós apontamos como sendo algo bastante negativo. Curiosamente, existem planos que estão a ser cumpridos. Um é o Plano Rodoviário, aprovado, salvo erro, em 1984. As pessoas queixam-se de que há autoestradas em demasia e duplicadas, mas a verdade é que está a ser cumprido um plano que foi aprovado. Se foi bem ou mal aprovado, já é outro assunto. Os planos mais ligados ao ambiente, nomeadamente o PENSAAR – água e saneamento – ou o PERSU – dos resíduos sólidos e urbanos –, têm sido cumpridos à risca, agora há outros aspetos sobre os quais é necessário pensarmos um pouco mais. Devemos aprovar planos baseados em acordos e, periodicamente, avaliar se esses planos carecem de ajustamentos.
Este ano vão celebrar-se os 80 anos da OE e entrou em vigor um novo estatuto. O que mudou?
Os novos estatutos, no fundo, complicaram um pouco a vida às ordens, contrariamente ao que era suposto, uma vez que o objetivo era harmonizá-los, mas acabaram por ficar diferenciados uns dos outros. No caso da OE, existem aspetos importantes. O primeiro, sem dúvida nenhuma, é o facto de termos passado para uma tutela administrativa, que neste caso é o ministro ligado às Obras Públicas, ou seja, das Infraestruturas e Planeamento, que tem de homologar alguns dos regulamentos da Ordem, coisa que antes não acontecia, uma vez que há um órgão soberano, que é a Assembleia de Representantes da OE. Esta alteração vai obrigar-nos a adequar e ajustar os regulamentos e depois levá-los à homologação da tutela. Outra questão, que para mim é a mais grave, é o facto de não permitir à OE criar novos colégios de especialidade. A Ordem tem 12 colégios e nós explicámos, até à exaustão, que hoje não faz sentido não poder criar novos colégios, uma vez que o mundo está em constante mudança, e em qualquer momento surgirão novas engenharias – a última que surgiu foi a Biomédica – e não temos onde alocar estes engenheiros, pois não existe nenhum colégio com a especificidade que eles merecem. Esta questão é muito grave, pois corta pela raiz a capacidade de a OE se poder organizar, de forma a poder acomodar os seus engenheiros e especialidades. De referir que o estatuto tem mais um ou outro aspeto que também não se justificaria, mas não é por isso que os engenheiros vão deixar de poder trabalhar, porque nós sempre tivemos engenho.
Quais foram os principais objetivos da criação da Plataforma de Mobilidade?
Esta foi uma plataforma a que a Ordem aderiu e que é muito virtuosa. O que esteve subjacente à sua criação foi exatamente a necessidade de criar condições de comunicação, quer de oferta quer de procura de emprego, a nível global. Para que funcione da melhor forma, a plataforma tem de ser alimentada por parcerias internas e externas. No portal da OE também há uma página dedicada à empregabilidade que tem uma procura grande. A OE é visitada por muitos países da Europa que vêm cá fazer recrutamento de engenheiros, sendo que o maior empregador dos portugueses é o Reino Unido, seguido de países como Dinamarca, Noruega, Alemanha e Bélgica.
Existe alguma razão para serem esses os países que mais portugueses empregam?
São os países que mais precisam de engenheiros e os que mais conhecem o produto que querem, e não é por acaso que vêm a Portugal. Vêm buscar pessoas com competências e bem formadas, que têm uma linguagem comum. Esperamos que este cenário não se altere, porque dá grandes oportunidades aos nossos jovens engenheiros, mas seria preferível que fosse uma decisão por opção.
Qual pretende que seja o seu legado?
Organização, modernização, a melhoria da situação atual da engenharia em Portugal, e a tranquilidade de quem fez o melhor em prol dos outros.