CARLOS MARTINS

“ESTAMOS A FAZER AQUILO QUE DE MELHOR SE FAZ EM TODO O MUNDO”

 Carlos Martins é licenciado em Engenharia Civil e mestre em Planeamento Regional e Urbano, pela Universidade Técnica de Lisboa. Da sua trajetória académica, destacam-se as funções de professor especialista em Engenharia Sanitária, no Instituto Politécnico de Lisboa, e professor adjunto no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, entre 1991 e 2020. Foi presidente da European Union of National Associations of Water Suppliers and Waste Water Services (EurEau) em 2005-2006 e passou pelo Governo, como secretário de Estado do Ambiente, entre 2015 e 2019.

Com um longo percurso no setor da água, é desde abril de 2023 presidente do Conselho de Administração da EPAL, desafio que assumiu motivado em acrescentar valor à empresa: “Há sempre espaço em todas as organizações para encontrar e mobilizar vontades para um trabalho cada vez mais qualificado. Estamos num setor muito exigente, a questão das alterações climáticas levanta grandes desafios.”

Questionado sobre a evolução do setor da água em Portugal, quando comparado com outros, admite que o mesmo se modernizou muito, tecnologicamente: “hoje a maioria das entidades gestoras portuguesas já tem uma grande performance e uma grande integração tecnológica”, acrescentando que “estamos a fazer aquilo que de melhor se faz em todo o mundo, sendo até pioneiros em alguns casos”.

Já sobre as lacunas identificadas, Carlos Martins aponta a questão da renovação das redes como preocupante: “Fomos capazes de construir milhares e milhares de quilómetros de redes de água e de saneamento, mas passados estes anos, é muito importante manter essas infraestruturas a funcionar, é preciso fazer manutenção qualificada”.

A finalizar, o presidente do Conselho de Administração da EPAL não quis deixar de reconhecer os recursos humanos da empresa como “uma equipa muito motivada, muito forte em termos técnicos e muito empenhada com os novos desafios”.

ACEITOU AGORA O DESAFIO DE ASSUMIR A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL. QUAIS AS SUAS EXPETATIVAS?

Os grandes desafios, de alguma forma, podem-se caracterizar por três grandes projetos. Um primeiro, que é manter todo um histórico que coloca a EPAL como uma referência, quer a nível nacional quer internacional, no setor, e continuar a prestar um serviço de elevada qualidade, com muita eficiência, com um grande nível de inovação, nomeadamente em áreas que hoje são muito relevantes, como a questão da eficiência hídrica, controlo de perdas, a eficiência energética, caminhando para a neutralidade carbónica, e também praticando tarifas adequadas àquilo que é o contexto nacional.

Um segundo grande desafio coloca-se ao nível organizacional. Para além de tentarmos otimizar os meios à disposição – hoje vivemos no setor alguma dificuldade em manter quadros qualificados –, tentaremos promover políticas de recursos humanos que atraiam técnicos altamente qualificados, prosseguir a formação contínua e reter os nossos especialistas mais qualificados.

Um terceiro grande desafio tem a ver com o nosso relacionamento com os municípios. Em primeiro lugar, com o município da cidade de Lisboa, que está na génese da criação da atual EPAL, mas também com os cerca de 100 municípios com quem estabelecemos relações, quer fornecendo água a toda a Área Metropolitana de Lisboa que se estende depois pelo Oeste, quer nas responsabilidades no domínio da água e do saneamento que temos com as Águas do Vale do Tejo, que têm um grande território nas nossas Beiras e no Alentejo. De alguma maneira, procuramos que o conhecimento e saber da EPAL seja difundido pelo território nacional.

As expetativas de quem assume um desafio desta natureza são sempre bastante elevadas. Primeiro, porque há toda uma história de mais de 150 anos que releva que vou encontrar aqui, com certeza, grandes desafios ao nível organizacional, ao nível daquilo que são as necessidades de investimento, mas também a expetativa de encontrar quadros muito qualificados, muito competentes e muito disponíveis para prosseguir o desafio da empresa, assegurar que os êxitos do passado se materializem em êxitos no futuro.

O QUE O LEVOU A ACEITAR ESTE DESAFIO?

Foi a vontade de, numa empresa com estas características, tentar ainda fazer alguma melhoria. Há sempre espaço em todas as organizações para novos desafios, para encontrar e mobilizar vontades para um trabalho cada vez mais qualificado. Estamos num setor muito exigente, a questão das alterações climáticas levanta grandes desafios quer ao nível da quantidade quer da qualidade de água que temos de fornecer, e só isso já seria um desafio imenso para o futuro.

COMO CARACTERIZA O SETOR DA ÁGUA EM PORTUGAL?

Portugal teve uma trajetória de grande sucesso nos últimos 30 anos, não poderemos esquecer que atingimos praticamente a universalização do serviço. Mais de 99% dos portugueses têm água de qualidade em sua casa. Em termos de qualidade, as situações melhoraram imenso, passaram de cerca de 50% de água com garantia de qualidade para mais de 99,5% com a mesma garantia. Podemos beber água da torneira em todo o nosso país. E isso é um valor a que muitas vezes não damos um grande significado, mas no contexto internacional é algo de raro e algo que nos qualifica muito. Nas águas residuais, que estão muito associadas também ao ciclo urbano da água, a trajetória foi ainda maior, passámos de cerca de 30 a 35% de população com tratamento para os cerca de 90%. Isso traduz-se nas mais de 360 bandeiras azuis que temos nas nossas praias, traduz-se na qualidade das águas balneares, das águas dos nossos rios. Eu diria que é de facto um trabalho que nos deve orgulhar, porque se somos reconhecidos internacionalmente, muitas vezes, aqui no nosso país, acabamos por não valorizar todo um trabalho que já vem de trás, mas que depois da criação das Águas de Portugal acabou por ganhar uma dinâmica nova e felizmente, agora, o que importa mais é manter essa qualidade para o futuro.

QUANDO COMPARADO COM OUTROS SETORES, COMO A ENERGIA, OS RESÍDUOS OU AS FLORESTAS, COMO TEM SIDO A EVOLUÇÃO DO SETOR DA ÁGUA EM PORTUGAL?

O setor modernizou-se muito, tecnologicamente. Não escondo que ainda há grandes oportunidades no que diz respeito à digitalização de processos, que essa digitalização aproxime mais os clientes destes serviços públicos. Mas no essencial, o que importa dizer é que hoje a maioria das entidades gestoras portuguesas já tem uma grande performance e uma grande integração tecnológica. Portanto, estamos a fazer aquilo que de melhor se faz em todo o mundo, sendo até pioneiros em alguns casos.

QUAIS AS PRINCIPAIS LACUNAS DO SETOR DA ÁGUA?

As principais lacunas encontramo-las geralmente nas entidades gestoras de pequenos ou muito pequenos municípios, que, independentemente da grande vontade que têm de fazer bem, têm dificuldade em encontrar quadros qualificados, de mobilizar investimento para o setor. E algumas destas questões acabam por depois determinar perdas elevadas nalguns sistemas. Felizmente são muito pequenos e, por isso, em termos da sua expressão nacional, acabam por ser mitigados, mas têm de ser resolvidos no futuro.

Diria também que uma outra questão, essa talvez de natureza mais preocupante, é a da renovação das redes. Ou seja, nós fomos capazes de construir milhares e milhares de quilómetros de redes de água e de saneamento, mas passados estes anos, é muito importante manter essas infraestruturas a funcionar, é preciso fazer manutenção qualificada, é preciso fazer substituição das redes que atingem o final da sua vida útil. E aí Portugal, de uma maneira geral, está ainda com indicadores relativamente insuficientes, e esse talvez seja o maior desafio que vamos ter de enfrentar na próxima década.

QUAL TEM SIDO A EVOLUÇÃO DO SETOR EM LISBOA, QUANDO COMPARADO COM OUTRAS CIDADES DE PORTUGAL?

No caso de Lisboa e particularmente da EPAL, como disse, é uma empresa reconhecida por um certo pioneirismo que acaba por ser traduzido na circunstância de ter aqui um conjunto de inovações, de liderança setorial. No entanto, como já referi, talvez o maior desafio que vamos encontrar aqui é a renovação de redes, sobretudo as redes de grande diâmetro da cidade de Lisboa, que evidenciam, pela idade que têm, pelos problemas que vão recorrentemente acontecendo, a necessidade de uma profunda renovação. O ciclo de investimentos nos próximos 3/4 anos vai ter de ser decisivo para ultrapassar alguns problemas que estão identificados, mas que agora têm de encontrar as devidas respostas.

QUE AVALIAÇÃO FAZ DO PLANO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA (PRR)?

O PRR no setor da água, dos serviços de abastecimento de água e saneamento, não é um programa que traga, digamos, forte investimento ao setor. Ainda assim, destacava três questões: a questão do Algarve, onde o PRR mobilizou fundos significativos para a central de dessalinização, para a eficiência hídrica, para uma nova toma de água no Guadiana, um conjunto de obras que vai dar maior resiliência a uma área territorial muito significativa para a economia nacional. Por outro lado, destacaria duas áreas onde ainda é possível mobilizar alguns recursos, nomeadamente para a eficiência hídrica – controlo de perdas de água nos sistemas – e para a digitalização de processos e modernização tecnológica.

Estas são as três linhas. Admito que no caso do Algarve, as coisas vão correndo de acordo com aquilo que eram as expetativas, mas as entidades gestoras – talvez às vezes por incapacidade de apresentar candidaturas – não têm tirado partido, sobretudo na digitalização e na eficiência hídrica, daquilo que eventualmente poderia ser a expetativa inicial.

Nós acreditamos mais que o Portugal 2030 possa, esse sim, orientar fundos para complementar alguns desafios que ainda estão por resolver, e espero que esses sejam vencidos com eficiência, nomeadamente através da criação de entidades que ultrapassem a escala municipal e, de alguma maneira, potenciem que no futuro tenhamos menos entidades gestoras, mas entidades gestoras mais robustas, mais qualificadas e com capacidade técnica e financeira para enfrentar os desafios futuros.

OS INVESTIMENTOS NO SETOR TÊM SIDO, NA SUA OPINIÃO, BEM GERIDOS?

O setor da água, desse ponto de vista, é um setor muito escrutinado. Os fundos europeus têm sido bem utilizados, e é isso que permite dizer que tivemos um caminho de sucesso. A tal universalização do serviço de água, os 90% de águas residuais com tratamento adequado e a qualidade da água decorrem de que eles foram bem aplicados.

A criação das empresas regionais, nomeadamente algumas na esfera do Grupo Águas de Portugal, permitiu otimizar esses investimentos, dando sustentabilidade económica, financeira e técnica.

QUAL SERÁ A EVOLUÇÃO DO CUSTO/PREÇO DA ÁGUA NA PRÓXIMA DÉCADA? A QUE SE DEVE?

Eu diria que essa questão tem de ter duas dimensões. Há um conjunto de entidades em Portugal que nos últimos anos, cientes desse caminho necessário para a sustentabilidade, foram introduzindo as correções tarifárias necessárias à cobertura dos custos, assegurando que no futuro geram proveitos capazes de promover os investimentos necessários de manutenção, conservação e renovação de redes. Infelizmente, não escondo que há ainda um número significativo de entidades gestoras, sobretudo de muito pequena dimensão, onde, por razões diversas, às vezes de natureza até muito válida – socioeconómica, territorial – entendem que não devem agravar as suas tarifas. É um tema que necessariamente, no futuro, vai ter alguma correção. Portanto, admito que vamos ter um conjunto de entidades onde o crescimento das tarifas acompanhará a inflação sem perturbação, e haverá, sobretudo naqueles municípios que estão há muitos anos sem atualizar devidamente as tarifas, algum momento em que vão ter de as corrigir. Não sei se vai ser na próxima década, mas o que o regulador e a legislação nacional e europeia convergem é que devem, pelo menos, ser recuperados os custos destes serviços como uma medida para garantir um futuro sustentável. Quando não se geram proveitos, depois não se podem gerir adequadamente as infraestruturas.

NA SUA OPINIÃO ESTE É, COMO MUITOS DIZEM, UM SETOR ENVELHECIDO QUE NECESSITA DE SANGUE NOVO? QUAIS TÊM SIDO AS RESPOSTAS DA EPAL?

A EPAL teve aqui alguns programas de trainees com a captação de jovens das universidades. Esse programa, por razões de contexto, ultimamente não tem vindo a funcionar, mas foi uma lufada de ar fresco e trouxe gente muito qualificada. Importante era conseguirmos retê-los.

O mercado de trabalho de hoje, sobretudo na área técnico-profissional, dificulta que se consiga recrutar jovens, como canalizadores, eletricistas, eletromecânicos, mecânicos. Ou seja, há todo um trabalho a fazer, sobretudo nas carreiras muito técnicas onde o mercado privado hoje oferece algumas oportunidades e nós temos muita dificuldade em recrutar.

Queremos promover medidas de retenção, temo-lo feito de uma maneira regular através da Academia das Águas Livres, que é a nossa academia para a formação profissional, com cursos que levam as pessoas não só a manterem-se atualizadas, mas também a terem os instrumentos que lhes permitam progredir na sua carreira profissional. É uma academia aberta, naturalmente, em primeiro lugar aos trabalhadores da EPAL, estando igualmente aberta a todos os trabalhadores do Grupo Águas de Portugal e a todas as entidades gestoras, nacionais e internacionais. Ainda agora está a decorrer um evento na Academia com pessoas da Costa do Marfim, sendo recorrente a participação de profissionais do setor dos países de expressão portuguesa. É algo que queremos ainda melhorar, alargar e prosseguir, porque precisamos de jovens cada vez mais qualificados a entrar para o setor.

O SETOR DA ÁGUA TEM SABIDO ACOMPANHAR OS AVANÇOS QUE SE REGISTAM NA TECNOLOGIA E NA DIGITALIZAÇÃO? O QUE TEM SIDO FEITO? O QUE ESPERA AINDA ALCANÇAR?

A situação é muito díspar. Diria que estas nossas mais de 200 entidades gestoras no continente têm situações de partida, a esse nível, muito diversas. Costumo dizer que 30% das nossas entidades gestoras são altamente qualificadas. Felizmente, elas servem mais de 80% dos portugueses. Mas já não tenho uma ideia tão otimista relativamente às restantes. E não tenho porque efetivamente muitas delas até fazem alguns investimentos nestes domínios mais tecnológicos, mas depois, às vezes por incapacidade de recrutar técnicos para operarem com esses sistemas mais sofisticados, acabam por ser projetos que não encontram nem potenciam tudo aquilo que poderia ser uma mudança de performance global. Nessa matéria, julgo que ainda temos muito, mesmo muito, a fazer. Portugal tem essas duas velocidades, tem entidades gestoras que considero com o melhor desempenho a nível internacional e estão ao nível do que melhor se faz em qualquer parte do mundo, mas temos ainda um conjunto de pequenas entidades gestoras que, por limitações, mais do que por falta de vontade, ainda não conseguem fazer essa gestão da forma que hoje já se exigiria.

JÁ EM 1992 SE FALAVA DE ESCASSEZ DE ÁGUA. O QUE MUDOU DESDE ENTÃO? QUE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS FORAM FEITAS?

A água é a matéria-prima e um bem que queremos levar a casa das pessoas para garantir bons níveis de qualidade de vida. Mas também é um recurso que se está a tornar escasso. Efetivamente é conhecido que algumas bacias, sobretudo aquelas que são as principais, que partilhamos com Espanha – cerca de 50% dos nossos rios em termos de caudal e volume de água são bacias internacionais – têm evidenciado uma redução significativa dos seus caudais. Poderíamos dizer que isso estaria associado apenas a consumos maiores, em Espanha, etc., mas a verdade é que a precipitação se tem reduzido em quase 20% nos últimos 30 anos. Isto quer dizer que temos menos disponibilidade hídrica, independentemente das questões do uso.

Os cenários climáticos apontam que essa tendência tenderá ainda a agravar-se. Isso leva-nos a pensar que temos de ser mais eficientes. E daí a importância do controlo de perdas, a importância da educação dos cidadãos para um uso mais adequado da sua água, das medidas que estão a ser tomadas para a reutilização de águas residuais depois de tratadas em usos que são compatíveis.

Há aqui uma nova leitura dos cidadãos em geral e dos atores sociais, no sentido de encararem a água no seu verdadeiro papel de elemento essencial à vida, essencial à atividade económica, quer seja na via do setor primário e da agricultura, quer seja na via mais ligada à indústria, sendo esse conjunto de vontades que nos vai ajudar a ultrapassar esta redução da disponibilidade. Temos de atuar em todas as frentes, na frente de planear melhor as atividades em termos territoriais e adequá-las, porque estamos a falar de um fenómeno que tem alguns aspetos de microrregião.

Estas questões não se podem entender de uma forma, assim, generalizada. Além dessa atuação na área de planeamento, temos de atuar na eficiência hídrica, quer na agricultura, quer na indústria, quer nos sistemas públicos de distribuição de água. E na consciência dos cidadãos do valor da água, não só do valor que muitas vezes nós pagamos nas nossas faturas, mas sobretudo do valor ambiental que a água representa. Há um aspeto comportamental que não tem sido relevado, mas que é muito importante também: levar os cidadãos, sobretudo os jovens, que serão os consumidores do futuro, a pensar que alguns dos seus hábitos de consumo introduzem aqui uma componente significativa na água. Quando eu compro um simples polo de que não preciso, ou que é excedentário, estou a consumir 800 litros de água, ou quando estou a comprar um par de sapatos, são 500 ou 600 litros, se não precisar deles. Ou seja, a água está intrínseca, sendo um elemento ligado a todo um outro conjunto de consumíveis na nossa vida do dia a dia que muitas vezes não avaliamos, talvez devido à falta dessa sensibilidade. Necessitamos ter consciência de que poderíamos ser um pouco mais amigos do ambiente. Muitas vezes vemos a água como apenas a que nos chega à torneira de casa, mas ela chega-nos muitas vezes por outras vias que ainda não estamos a valorizar, nomeadamente o desperdício alimentar, que anda na casa dos 30%, e qualquer produto alimentar que nos chega a casa tem milhares e milhares de litros de água associados.

ENTÃO, CONCRETAMENTE, COMO É QUE AVALIA A PREOCUPAÇÃO DESSES JOVENS CONSUMIDORES COM O SETOR DA ÁGUA?

Hoje é admitida uma postura de franjas muito significativas da nossa juventude em alterar alguns hábitos de consumo. Felizmente temos uma população jovem com uma formação e capacitação muito significativa, houve grandes avanços nesse domínio e isso acaba por acompanhar um maior nível de consciência. Começa-se a notar em alguns segmentos uma sensibilidade diferente para as questões ambientais, nomeadamente as ligadas à alimentação, aos hábitos de consumo, à economia circular. Não posso dizer que seja algo que esteja já completamente generalizado, mas é algo que começa a fazer um caminho. E já se encontra muito disseminada na sociedade essa ideia da água como algo pelo qual temos de ter maior respeito, maior cuidado, tratar melhor.

CONSIDERA, ENTÃO, QUE DEVERIA HAVER UMA MAIOR SENSIBILIZAÇÃO DOS JOVENS RELATIVAMENTE AO AMBIENTE. COMO DEVERÁ SER ARTICULADA?

Ela decorre da necessidade de o irmos fazendo nos vários graus de ensino, e isso está a acontecer de alguma maneira, embora possa ainda ser reforçado. Felizmente, em Portugal, já temos uma tradição de educação ambiental forte. Quando inquirimos as pessoas individualmente sobre um conjunto de valores ambientais, que não só a água, respondem muito favoravelmente a todos eles. Todos são apologistas da reciclagem, do uso eficiente de água, de gerir melhor os resíduos, ter as cidades mais limpas. A questão não está tanto, hoje, sobre a ideia dos valores – esses, eu penso que a nossa sociedade tem tratado e passado bem –, o problema é ao nível dos comportamentos, é quando nós conseguimos passar valores para comportamentos. Aí as coisas já não são tão diretas, ou seja, é fácil encontrar uma pessoa a dizer que é a favor da reciclagem, mas depois só um terço, por exemplo, dos portugueses faz reciclagem de A a Z. Depois, outro terço já só faz parcialmente, e outro terço não faz nada. Estas são as medidas que depois, na prática, se verificam. Diria que na nossa população em geral, há quase que uma intrínseca interiorização dos valores ambientais. Já não tenho a mesma sensibilidade naquilo que são os comportamentos ambientais: é natural que uma pessoa ache mal deitar uma beata para o passeio, mas mesmo agora, que essa atitude até é penalizada pela lei, a verdade é que quando andamos no passeio encontramos muitas beatas, o que quer dizer que houve muita gente que ainda não respeitou sequer o direito dos outros, nem interiorizou o seu comportamento como necessário para um mundo melhor. Há aqui uma dinâmica de associar valores a comportamentos, e isso leva o seu tempo. Os comportamentos é que, em última análise, determinam as medidas que são efetivas para levar isto a bom porto. Mas eu sou um otimista e acredito muito que toda esta nova geração é muito mais comprometida com o planeta.

QUAL A ANTEVISÃO QUE FAZ DO FUTURO DA EPAL?

A EPAL, seguramente, manter-se-á na liderança do setor em Portugal. Acredito que o seu nível de atividade vai ser alargado em termos territoriais, vai mobilizar muitos dos seus ativos para medidas de modernização. Admito também que venha a ter maiores responsabilidades no futuro, porque, sendo um bom exemplo que já serviu de referência há 30 anos atrás para criar as empresas regionais do Grupo Águas de Portugal e que foi a âncora da criação do grupo, julgo que lhe pode estar reservado ainda um papel mais significativo no futuro, nomeadamente o papel central de passar as boas práticas para o setor, quer através da Academia das Águas Livres, quer através de outras interfaces e de outros relacionamentos que já têm com os cerca de 100 municípios, que se irão reforçar no futuro. É esta ideia de que a partir de uma boa experiência, esta se possa ir consolidando, alargando, influenciando o restante setor, pelo que estamos perante uma empresa que pode de alguma maneira vir a ser, e continuar a ser uma referência que as outras entidades gostam, de alguma maneira, de vir a igualar. E essa forma de estar levará a que o setor venha a melhorar. A EPAL funciona duplamente: por um lado, resolver bem aquilo que são os seus problemas, mas ao mesmo tempo ser uma entidade de referência para o restante país, para o restante setor em Portugal.

QUE MARCA QUER DEIXAR NA EPAL E, TAMBÉM, NESTE SETOR?

Eu ficaria muito satisfeito se por um lado houvesse aqui um regresso a uma grande confiança naquilo que é a infraestrutura, o que obriga a uma grande renovação de redes e infraestruturas. Uma segunda atividade, através da criação de instalações e, ao mesmo tempo, dessa nova unidade que nós designamos Campus da Água, para que possamos definir melhor a nossa organização. Atuar em melhores condições de trabalho e associar isso a uma melhor organização, com medidas que permitam otimizar. Finalmente, a terceira é a de que a relação com os municípios que hoje são servidos pela EPAL venha a ser robustecida, quer do ponto de vista organizacional, quer dos níveis de serviço que conseguimos assegurar em todo este vasto território que serve 3 milhões de portugueses, quase 1/3 da população portuguesa.

Tudo isto só será possível com as competências técnicas e os recursos humanos da EPAL, que têm sido ao longo dos anos uma escola. Queria deixar uma palavra de que todo o trabalho da EPAL é resultado de muitos que por aqui passaram e que deram o seu melhor, mas também quero, no dia de hoje, reconhecer aqui uma equipa muito motivada, muito forte em termos técnicos e muito empenhada com os novos desafios. É com eles que espero levar esse trabalho para diante, eles são o principal ativo, o principal capital da EPAL, que neste momento não poderia deixar de enaltecer.

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