“ENTENDI QUE TINHA CONDIÇÕES PARA DAR O MEU CONTRIBUTO AO SNS E EM CONCRETO A UMA CASA QUE FICOU NO MEU CORAÇÃO”
O regresso de Carlos das Neves Martins à presidência do Conselho de Administração da agora Unidade Local de Saúde de Santa Maria é marcado por um misto de tranquilidade e motivação. Em entrevista à FRONTLINE, expressou que a sua vasta experiência no setor da Saúde, desde 1993, e o conhecimento profundo da Unidade Local de Saúde (ULS) lhe proporcionam uma base sólida de confiança. “Desde o dia 1 de fevereiro, o sentimento predominante é de tranquilidade e motivação. Tranquilidade pela experiência acumulada e motivação pela capacidade instalada que temos nos nossos hospitais e centros de saúde”, afirmou.
A tranquilidade de Carlos das Neves Martins é alicerçada na sua familiaridade com a instituição, tendo anteriormente ocupado cargos de liderança dentro da mesma. Esta experiência é complementada pela confiança nas capacidades excecionais do capital humano da ULS.
Carlos das Neves Martins defende a nova organização dos cuidados de saúde que deu origem às Unidades Locais de Saúde, destacando as vantagens para os cidadãos. “As ULS são uma ferramenta que proporciona uma gestão mais integrada e eficaz dos doentes entre as diferentes instituições de saúde”, argumentou.
Para os próximos três anos, a visão estratégica de Carlos das Neves Martins para a ULS de Santa Maria foca-se na inovação, tanto tecnológica quanto na cultura de gestão. Entre os projetos destacados estão a aquisição de tecnologia de ponta e o desenvolvimento de parcerias internacionais, designadamente na área da Oncologia. “A inovação é a prioridade da nossa estratégia, para estarmos na vanguarda tecnológica e proporcionar os melhores cuidados aos nossos doentes”, concluiu.
Regressa à presidência do conselho de Santa Maria. Qual o sentimento que experimenta?
Tenho dito, desde o dia 1 de fevereiro, que aquilo que preside em termos de sentimento, ou sentimentos, é tranquilidade e motivação. Tranquilidade, porque não só tenho experiência no setor da Saúde, onde estou desde 1993, mas também porque conheço bem parte da ULS (Unidade Local de Saúde), a parte hospitalar, dado que estive cá seis anos. E a motivação tem a ver com a capacidade que a instituição tem como ULS, ou seja, a capacidade instalada (numa linguagem mais de gestão) que temos nos dois hospitais – Hospital Universitário de Santa Maria, Hospital Pulido Valente – e na rede de centros de saúde, desde aqui até Mafra. E quando falamos de capacidade instalada, falamos daquilo que é determinante, que é o capital humano. Temos um capital humano de excelência. Temos instituições que todos os dias fazem milagres, promovem inovação, dão motivos de felicidade aos cidadãos que a nós confiam a sua vida e a sua qualidade de vida. Por isso afirmo que, para além da tranquilidade, há a motivação de fazermos mais e melhor em cada dia que passa, e sentir uma instituição em que há todo um capital humano que tem essa ambição de servir o país, servir o SNS, servir a sua casa, em prol dos portugueses e centrando a sua atenção nos doentes que estão à nossa responsabilidade diariamente e que são milhares.
Como surgiu o convite para ocupar o cargo de presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Santa Maria?
O convite surgiu nos últimos dias de 2023, já passado algum tempo de a minha antecessora, Ana Paula Martins, atual ministra da Saúde, ter anunciado a sua saída de funções. Fui apanhado de surpresa, porque sempre tive uma excelente relação com o Prof. Fernando Araújo, seja como médico, como secretário de Estado, como presidente do São João, e mais ultimamente como diretor executivo. Somos pessoas que sentem e vivem o SNS e que com alguma regularidade falávamos. Para mim o encontro combinado seria mais uma conversa de final de ano sobre algumas questões do SNS. Claro que Santa Maria seria um dos temas e pensei, muito sinceramente, que me queria pedir algumas sugestões para o futuro da instituição, até porque, como disse, havia um Conselho de Administração para formar, e a 1 de janeiro, o desafio ULS.
O convite foi feito e, numa fração de segundo em que o coração falou mais alto do que a razão, aceitei. Entendi que tinha condições para dar o meu contributo ao SNS e em concreto a uma casa que ficou no meu coração, que ficou, como eu costumo dizer, no meu ADN.
Houve alguma fração de segundo em que teve dúvidas, ou aceitou prontamente o cargo?
Aceitei prontamente, e só depois é que disse à família. Quando foi tornado público, o que também foi quase instantâneo – se não foi no mesmo dia, foi no dia a seguir –, comecei a receber chamadas de amigos, porque não tinha dito nada a ninguém, exceto a uma pessoa, a minha antecessora. Estranharam a minha opção. Estava a fazer coisas de que gosto na área internacional, com uma agenda gerível, sem grandes dores de cabeça, e as pessoas ficaram surpreendidas por duas razões: primeiro por voltar ao SNS, ao setor público, e depois por voltar a Santa Maria, já que também não é normal alguém voltar ao sítio onde já esteve. Há quem diga que não devemos voltar ao sítio onde fomos felizes. Eu prefiro antes outro ditado popular, que é “o bom filho a casa torna”. Considero-me um bom filho da casa, que a ela voltou.
Concorda com esta nova organização dos cuidados de saúde que deu origem às Unidades Locais de Saúde? Quais os benefícios e desvantagens?
Acho que é o momento de recordar uma outra grande reforma com o mesmo alcance, que foi decidida em 1993. Até dezembro desse ano, existiam distritos organizados por sub-regiões de Saúde, e os hospitais eram algo à parte, dependiam de Lisboa. Ou seja, hospitais para um lado e centros de saúde para o outro. E o Governo de então decidiu fazer uma reforma de descentralização, desconcentração, criando cinco Regiões de Saúde com Conselhos de Administração (CA), que tutelava os conselhos de administração dos hospitais e os diretores dos centros de saúde. Presidi ao primeiro Conselho de Administração da Região do Algarve, em 1994, pelo que esta não é uma realidade nova para mim. Esse período da minha vida correu muito bem, com resultados fantásticos do ponto de vista pessoal e profissional, e do ponto de vista da própria região. Foi o meu primeiro cargo no Serviço Nacional de Saúde. Portanto, eu comecei a minha carreira como estou, no SNS, ou seja a gerir hospitais e centros de saúde.
É uma realidade que tem muitas vantagens do ponto de vista organizacional, mas aqui a preocupação não são as vantagens da organização, mas sim a vantagem que o cidadão retira deste modelo. As ULS são uma ferramenta de gestão, e nós aqui, desde fevereiro que temos essa visão. Depois, temos um pilar que é o Hospital Universitário, outro pilar que é o Hospital Pulido Valente e outro pilar que são os Cuidados de Saúde Primários, e ainda temos um de que se fala pouco, que é o Centro de Diagnóstico Pneumológico Ribeiro Sanches, que foi integrado na nossa ULS. E a ULS não eliminou o Hospital Santa Maria, o Hospital Pulido Valente, enquanto instituições, não apagou a história, não apagou a cultura, muito pelo contrário. O que sempre temos dito é que temos a responsabilidade de respeitar a cultura, respeitar a história e construir um futuro diferente, alicerçando esse futuro nas capacidades instaladas de cada um destes pilares. Há uma gestão vertical destes quatro pilares, articulando a sua capacidade instalada. A única gestão que é horizontal é a gestão dos doentes. Os doentes têm que circular dentro deste perímetro e entre estas instituições sem qualquer constrangimento no acesso.
Qual é a visão estratégica da Unidade Local de Saúde de Santa Maria para os próximos anos?
Bom, nós temos um plano de desenvolvimento operacional com uma visão a três anos. Foi construído e aprovado por quem nos antecedeu, e não tivemos nenhuma intenção de fazer alterações, nem temos previsto no nosso horizonte fazer qualquer tipo de alteração a curto prazo.
A primeira prioridade da nossa estratégia é a inovação: a inovação da cultura de gestão, a inovação tecnológica do ponto de vista dos sistemas de informação, do ponto de vista do equipamento, sobretudo do equipamento pesado, equipamento diferenciado. Por exemplo, adquirimos o primeiro robô da Península Ibérica para a farmácia, quando só existiam, à data da aquisição, três no mundo. Estamos a desenvolver, em parceria com uma multinacional e com mais dois hospitais, a nível mundial, uma tecnologia na área da Oncologia que dará origem a um equipamento que será o primeiro, a nível mundial, que estará na Península Ibérica. Seremos um dos dois hospitais a beneficiar dessa tecnologia.
Fazemos coisas de estado de arte no limite máximo, e o limite máximo é ter desenvolvimento técnico e tecnológico. Temos equipamento de ponta em que somos únicos no país, ou somos únicos na Península Ibérica, ou somos dos poucos na Europa. E depois, temos o nosso dia a dia, com a preocupação diária de conseguir que, em proximidade, o cidadão tenha respostas na sua unidade de saúde familiar, na sua unidade de saúde de cuidados primários, nas unidades de cuidados comunitários, tenha acesso fácil ao hospital, não necessitando de ir à urgência.
Eu diria que o dia alterna entre questões de perímetro internacional e questões de base muito local, de freguesia, e essa diversidade na gestão é estimulante. Há quem pense que é uma complicação ser ULS para o hospital universitário como Santa Maria, que é o maior hospital universitário do país – eu diria o melhor, respeitando imenso o excelente trabalho dos restantes –, mas toda esta complementaridade é que dá riqueza à função deste modelo organizacional.
Quais são os principais desafios de Santa Maria?
Nós temos muitos desafios, felizmente. Obviamente que o dia é feito de decisões, umas que são mais estruturantes, outras mais estruturais. Obviamente que temos objetivos, mensais, trimestrais, semestrais e anuais, e temos esteconjunto de objetivos partilhados. Primamos pela gestão participativa, os nossos dirigentes intermédios participam nas decisões, na definição e até no cronograma dos investimentos ou das alterações de paradigmas estratégicos. Por exemplo, aproveitando estes meses de verão, temos como objetivo trabalhar o novo modelo organizacional. Estamos a ultimar um projeto de regulamento interno muito moderno, com uma visão europeia. Aliás, inspira-se muito em dois ou três hospitais de referência da Europa e dois de referência nacional. Esse é um objetivo que poderá ser apontado como algo administrativo, mas em boa verdade é que, se não tivermos a devida organização, comprometemos o nosso desenvolvimento e crescimento. As casas constroem-se pela fundação, se não tivermos boas fundações, o nosso crescimento e desenvolvimento poderão ficar afetados. Por outro lado, isto também significa que já estamos com uma velocidade de cruzeiro e uma tranquilidade, em termos do nosso quotidiano, que nos permite parar algum tempo para nos dedicarmos a esta organização, àquilo a que se chama a regulamentação interna da casa, que será muito importante para o nosso crescimento e desenvolvimento sustentado.
De que forma a tecnologia está a ser incorporada para melhorar os serviços e a eficiência operacional do hospital?
A tecnologia é extremamente importante. Por um lado, porque quanto melhor, mais atualizada e mais diferenciada for, melhor é o diagnóstico, melhor é a intervenção – nós temos equipamento de intervenção, não temos só de diagnóstico. Posso referir, a este respeito, que recentemente fechámos o processo de aquisição do nosso primeiro robô cirúrgico.Agora, obviamente que terá de ser instalado e haverá um processo de formação, um processo de organização, mas contamos estar na reta final do ano a utilizar o robô de forma prática, ou seja, com os doentes a serem intervencionados com o nosso robô e termos equipas completamente treinadas em várias especialidades para essa utilização.
O robô cirúrgico, queremos ter mais um ou dois, faz parte da nossa visão de inovação e da estratégia de mudança competitiva, É também a forma de termos um Centro de Cirurgia Digital e Robótica, uma alavanca para a nossa diferenciação organizacional.
Todo o investimento que fazemos em tecnologia de ponta, em tecnologia diferenciada, em tecnologia que é ímpar no país, ou na Península Ibérica, ou mesmo na Europa, não tem a ver com a questão de afirmarmos “nós temos isto, os outros não têm”. Muito pelo contrário, a nossa lógica é que tudo aquilo que nós temos está o serviço do país. Aliás, 80% dos nossos doentes encontram-se fora da nossa área de influência, portanto, somos um hospital de resposta nacional e internacional.
Pretendemos também encontrar ferramentas para que os nossos profissionais continuem a crescer do ponto de vista do desenvolvimento técnico, e assim conseguirmos também vincular cada vez mais jovens profissionais à nossa ULS, neste caso concreto, aos nossos dois hospitais – e conseguirmos inclusive que alguns regressem, como profissionais, a estes hospitais.
A tecnologia deve estar sempre ao serviço do doente, deve estar integrada numa estratégia de diferenciação e formação dos nossos profissionais, de vinculação e atração de novos profissionais. Mas a tecnologia tem muitos dados, e esses dados são essenciais para a gestão, para termos uma gestão cada vez mais moderna, mais eficaz, que nos permita tomar decisões por antecipação e não por reação, essencialmente na gestão moderna que estamos a construir.
Quais os projetos de inovação em que a ULS está envolvida neste momento?
Em termos de estruturas, o maior investimento que temos neste momento em curso é a nova maternidade, que será a melhor e a maior do país, e isso deixa-nos orgulhosos, como é evidente.
Mas não me vou reduzir à questão dos grandes investimentos e dos muitos metros quadrados. Por vezes o detalhe faz a diferença. Estivemos ainda há pouco junto à nova base da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação), que é um edifício pequeno, mas foi importantíssimo, em termos de operacionalidade. Esta nova localização, fora da urgência, num edifício que está junto à saída do hospital, permite, ao minuto, a saída das viaturas e que tem autonomia em termos funcionais, porque está destacado um espaço próprio das equipas da VMER. Foi extremamente importante para os nossos tripulantes de VMER, mas sobretudo muito importante para a sua operacionalidade. Dito de outra forma, nós privilegiamos muito o duplo bem-estar. Não há bem-estar dos nossos doentes se os nossos profissionais não tiverem bem-estar, e o inverso também é verdadeiro. Temos feito algumas apostas, e esta da deslocalização e da autonomização da base da nossa VMER, que fez 20 anos – foi no dia do seu aniversário que foi inaugurada –, teve em atenção o bem-estar dos seus profissionais.
Voltando à questão dos projetos de inovação, dos projetos que têm a ver com o olharmos para o futuro e construirmos um futuro diferente, ele está a ser construído todos os dias, ou com grandes obras, como a maternidade, ou com obras tão pequenas em termos de metros quadrados, como é a base da VMER, ou outras obras que estamos neste momento a projetar e que irão arrancar ao longo da reta final do ano e no próximo ano.
Não vou elencar, por ser extenso, as obras de requalificação e de ampliação de vários serviços dos dois hospitais, mas destaco a reforma do edifício CIDT (Centro Integrado de Diagnóstico e Terapêutica) no Hospital Pulido Valente, como exemplo de ambição inovadora e estratégica para o SNS, que não só para a ULS. E não devo deixar de referir que nos Cuidados de Saúde Primários vamos requalificar o Centro de Saúde de Sete Rios e construir um novo edifício em Benfica para relocalizar as duas USF atuais.
De que forma é que o hospital Santa Maria está a garantir a sustentabilidade financeira face aos desafios económicos do setor da Saúde?
Aí também temos boas notícias. Nesta área da gestão, leia-se Saúde, temos que ter sempre ponderação, uma análise com alguma cautela, porque as coisas podem mudar de um dia para o outro – se há setor com dinâmica é o setor da Saúde. Nós traçámos uma estratégia, que está a resultar, ou seja, ao fim destes cinco meses crescemos na atividade cirúrgica. Aliás, crescemos em todas as linhas de atividade na área hospitalar. Todos os meses temos estado a crescer, numa curva de crescimento que tem a ver com a curva de aprendizagem de estarmos em ambiente de ULS. Mas a curva de crescimento da área hospitalar, que é a mais relevante do ponto de vista de dimensão, tem sido uma curva de crescimento sustentável.
Do lado dos cuidados de saúde primários, dos centros de saúde, a curva não é bem uma curva, temos uma atividade meio flat, mas que tem a ver com um conjunto de situações, como o período de transição para a ULS ter sido mais longo e, quanto a capital humano, termos um conjunto de médicos que se reformaram. Só mais à frente é que poderemos ter alguns resultados de decisões que temos estado a tomar, mas acredito que a qualidade e motivação do nosso capital humano vai alavancar resultados muito positivos no 2.º semestre.
Na área hospitalar foi um bocadinho mais fácil, porque é uma máquina com uma capacidade diária de resposta que tem a sua dinâmica própria. O que teremos de fazer é obviamente encontrar a correção do rumo e encontrar novos rumos para que as coisas corram melhor do que no dia anterior. Nesse aspeto, temos, em síntese, do ponto de vista da atividade, um crescimento sustentado nestes últimos meses. Do ponto de vista do desempenho económico-financeiro, estamos a melhorar o EBITDA, estamos a melhorar o resultado líquido. Porque estamos a crescer sustentadamente entre os 20 e os 25% das receitas, e estamos a crescer na despesa a um ritmo entre os 14 e os 16%, ou seja, a nossa curva de crescimento da receita está acima da curva de crescimento da despesa. Se tivemos financiamento extraordinário? Não. Se fizemos cortes em recursos humanos, em fármacos? Não cortámos rigorosamente nada, estamos a procurar todos os dias ter eficiência de gestão. Discutimos economicamente o comportamento financeiro das grandes áreas do hospital. Discutimos no sentido de colocar números em cima da mesa e fazê-lo com os dirigentes intermédios da situação. E como é que podemos melhorar? Quais são os caminhos? Não estamos a fechar camas, não estamos a fechar espaços, não estamos a não renovar contratos, não deixamos de contratar, não cortamos administrativamente nenhuma das áreas de despesa, temos feito uma gestão muito rigorosa ao dia, com avaliação semanal em conselho de administração, com indicadores partilhados com toda a instituição.
A estratégia, onde incluímos a economia social, está a resultar e as nossas previsões apontam para um fantástico semestre, nalguns casos, como por exemplo as cirurgias.
Quais são os indicadores-chave de desempenho utilizados para monitorizar e melhorar a qualidade?
Essa é outra das partes aliciantes da gestão da saúde. É que a bateria de indicadores é muito grande. Em regra, olho para 20/25 indicadores de atividade, mas eles são muito mais, e partilhamos com a instituição uma bateria de seis indicadores, sendo que qualquer dirigente da instituição tem acesso aos indicadores completos. O RADEF (Relatório Analítico de Desempenho Económico-Financeiro) é um documento que enviamos para os nossos acionistas da Saúde e Finanças, mas os nossos dirigentes intermédios, nos vários níveis, têm acesso ao desempenho da casa, a todos os indicadores. Têm depois acesso a um dashboard mais sucinto, mas que tem a ver com as suas áreas de responsabilidade.
Nós, enquanto conselho, o que partilhamos com a instituição, e publicamente, são indicadores-chave, para que qualquer cidadão possa olhar para aquilo a que chamamos infografia e perceba como é que a instituição está. Tem sempre o comparador com o período homólogo e, portanto, é possível perceber se este ano estamos melhor ou pior do que no ano passado, nos indicadores que definimos. Os nossos indicadores são complexos, são uma bateria grande, que temos agrupados por grandes áreas. E é por aí que costumamos analisar, sendo que mergulhamos depois para ver como é que se chegou àquele número, ou seja, fazemos fine tunning para tomarmos decisões.
Qual é a abordagem do hospital para recrutar, desenvolver e reter talentos na área da saúde?
Estamos a introduzir um conjunto de mudanças na área do capital humano, desde logo vamos ter um departamento de pessoas e bem-estar. Regra geral, é um serviço de gestão integrada do capital humano que terá naturalmente uma direção de recursos humanos, mas vamos introduzir, e isso é inovador, uma unidade de recrutamento constituída por profissionais qualificados, que vão procurar, nas entrevistas, sobretudo em algumas carreiras da instituição, fazer uma abordagem aos candidatos, para percecionar a área em que melhor se enquadram. Como havia lacunas em alguns serviços, a opção era colocar os selecionados nos sítios de maior pressão, o que tem riscos diversos. A unidade de recrutamento vai permitir que as bolsas de recrutamento ou a decisão final de recrutamento tenham uma informação sobre o perfil do candidato e o enquadramento na nossa instituição de uma forma mais dirigida e mais técnico-científica, que não meramente administrativa.
Por outro lado, recriámos o nosso plano de formação. Estamos neste momento com um plano muito mais alargado, abrangendo todas as carreiras profissionais, mas também com um conjunto de decisões inovadoras naquilo que é a dinâmica da saúde. Vamos ter um regulamento para bolsas de pós-graduações, mestrados, doutoramentos, ou seja, vamos apoiar o nosso capital humano, obviamente, por fases. É um processo que também terá a sua curva de aprendizagem, de crescimento. Começaremos de uma forma mais modesta, mas queremos ir alargando, todos os anos, o budget para essa área. E assim podemos demonstrar ao nosso capital humano que, face à opção por Santa Maria ou para quem já esteja na Unidade Local de Saúde, de Santa Maria, tem do lado da administração um apoio para o seu desenvolvimento, não só curricular, mas sobretudo profissional.
Por outro lado, ainda temos no Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML) o programa doutoral, em que estamos a estimular inclusivamente os nossos médicos internos a começarem a fazer o doutoramento mais cedo.
Estamos a desenhar um conjunto de ações de formação na área das tecnologias de informação, naquilo que se chama a revolução tecnológica com base na inteligência artificial, ou seja, procuramos transmitir àqueles que estão no mercado de trabalho e àqueles que estão já connosco, que a Unidade Local de Saúde de Santa Maria tem um conjunto de oportunidades muito grande, na prestação de cuidados, na investigação, nos ensaios clínicos, na área da educação, na área da formação. Portanto, somos muito diferenciados em termos de opções de valorização e crescimento e temos uma oferta a cem por cento, o que nos torna atrativos e competitivos.
Em que medida o Hospital de Santa Maria colabora com instituições de saúde internacionais e participa em redes de cooperação global?
Temos aí dois níveis, um em que de facto somos das instituições a nível nacional com maior número de centros de referência, nacionais e da rede europeia, portanto, do ponto de vista médico-científico e de investigação, temos uma participação muitíssimo ativa. No outro lado da equação, mais na prestação de cuidados, temos um conjunto de protocolos, de memorandos de entendimento, e temos relações de cooperação. Ainda recentemente esteve cá um fantástico cirurgião inglês a transmitir a sua técnica, e continuará a vir cá, para o nosso desenvolvimento desta técnica cirúrgica e aposta na formação prática da nossa equipa. Também temos o inverso, temos prestigiados cirurgiões que vão lá fora ensinar a sua técnica cirúrgica e treinar equipas. É uma cooperação mais discreta, sem grande destaque na comunicação social, mas é extremamente importante para a formação dos jovens profissionais e para a motivação dos nossos experientes médicos. Abre portas a internos e recém-especialistas para fazerem períodos de fellowship, de seis meses, três meses. Enfim, temos desde um mês até um ano, e são portas que ficam abertas em cooperação institucional, para além da valorização do nosso corpo clínico.
Concorda e apoia as medidas apresentadas pelo Governo no que à Saúde diz respeito?
Obviamente que sim, e não o digo pela circunstância de estar como presidente de uma ULS, digo-o por convicção. Estou há muitos anos no setor da Saúde. A saúde tem que ter uma leitura e um consenso transversal. Se olharmos bem, há muitas matérias que o Governo da AD decidiu, e bem, colocar como questões estratégicas, como prioridades. Mas dentro das estratégicas e das prioridades, também há questões que vêm obviamente do passado. Aliás, o estranho é se assim não fosse, e há questões que são cooptadas dos programas de outros partidos. Eu diria que isso é perfeitamente normal, tenho a tranquilidade de afirmar que estive 25 anos na política ativa e já tenho um vasto conjunto de experiências que me permitem fazer esta leitura e afirmação. O estranho seria que aparecesse um governo que não desse continuidade àquilo que são as boas políticas e as boas medidas, que nem olhasse para as que constam em programas de outros partidos.
O que está aqui em causa é servir o país e servir os portugueses, pelo que diria que todas as boas ideias são sempre bem-vindas. Claro que há uma matriz diferente. Não podemos esquecer que tivemos governos de centro-esquerda e até, num determinado momento, muito à esquerda, com uma visão muito estatizante daquilo que é o SNS. E temos agora um governo mais liberal, mais de centro-direita, logo com outras opções.
Então que Serviço Nacional de Saúde temos hoje?
Temos um SNS que se está a refundar. Passou por um período extremamente difícil, que foi o período da Covid. Hoje em dia já não se fala nisso, o que é uma enorme ingratidão para os profissionais do SNS, uma enorme ingratidão para as instituições. A pegada da Covid ficou, ainda a sinto. E não é a pegada da doença, é a pegada de um momento muito particular da vida das instituições do país, em que foram tomadas medidas de exceção, mas também houve um conjunto de decisões que tiveram que acontecer por razões de saúde pública. E a normalidade não volta de um dia para o outro, isto é, não se carrega no botão e diz-se: “acabou, vamos voltar à normalidade”. Não, não se volta à normalidade. Eu diria que a pegada da Covid ficou para os próximos anos, mas também foi uma oportunidade para alguma reflexão que as instituições fizeram no seu interior, os próprios profissionais, e que permitiu que algumas questões que nunca tinham sido discutidas passassem a fazer parte das agendas, internas e externas. O SNS que temos hoje é um serviço nacional de saúde que, ao contrário do que às vezes muita gente diz – que está caótico, está doente –, não está caótico, não está doente. Não podemos confundir a árvore com a floresta.
Nesta instituição, por exemplo, fazemos diariamente milagres. Temos diariamente técnicas, intervenções cirúrgicas, que são verdadeiros milagres. Recentemente fizemos a implantação de uma mão, que é uma intervenção que não é habitual fazer e que nós fizemos com sucesso, como tantas outras que nos causam orgulho, felicidade às famílias e devolvem a qualidade de vida aos nossos doentes. No nosso Serviço Nacional de Saúde, temos as técnicas e os profissionais que poderiam estar em qualquer outro hospital do mundo que não aqui, em Portugal, porque ombreiam com os melhores da Europa e do mundo e são reconhecidos. E o que dá a qualidade de vida a um país e a segurança aos seus cidadãos é de facto termos um sistema nacional de saúde onde existe o setor privado, o setor social e o setor público. Mas qual é o país do mundo desenvolvido que não tem três pilares dentro do seu setor de saúde – público, privado e social? Não conheço nenhum. O que me causa por vezes alguma preocupação é ver o sistema nacional de saúde ser arrastado para o combate político de forma tática e não de forma construtiva. E isso não é bom. Felizmente, os profissionais de saúde e as instituições do Serviço Nacional de Saúde respondem com trabalho todos os dias, com qualidade, com inovação e com resultados. Essa é a maior garantia que podemos dar aos portugueses e honrarmos a história do SNS.
Na sua opinião, e aproveitando a sua afirmação sobre os excelentes médicos que temos, como é que é possível reter esses bons médicos em Portugal?
Não deve ser difícil reter os bons médicos em Portugal. De uma forma geral, os profissionais de saúde encontram no SNS a sua realização completa. Ou seja, é o Serviço Nacional de Saúde que tem mais inovação. Por exemplo, quem é que neste país tem inovação na área da terapêutica? Quem é que tem a inovação de ponta em termos de fármacos, em termos de dispositivos médicos? Quem? O Serviço Nacional de Saúde. Por vezes a teoria, por ser mediatizada e repetida, parece ser a realidade, mas o quotidiano mostra uma realidade diferente.
Num caso que está muito mediatizado, em que nós próprios estamos envolvidos (e não vou comentar com detalhes), quantos são os hospitais privados em Portugal que fizeram esse tratamento? Poder-se-á dizer que isso é algo exclusivodas autorizações de utilização especial, como há uns anos atrás era exclusivo do Serviço Nacional de Saúde formar médicos (só havia internos no SNS). O Serviço Nacional de Saúde não é insubstituível, não é incontornável, só porque é público. Ele é incontornável e insubstituível porque faz parte do ADN do país e é ele que garante ao país a qualidade de vida das populações. Dá e devolve a vida a muitas pessoas.
As técnicas e tecnologia inovadoras, a resposta terapêutica inovadora e o capital humano de excelência são marcas do SNS. Os profissionais encontram no Serviço Nacional de Saúde a resposta à sua ambição e aos seus sonhos. Obviamente, encontrarão um conforto de ordem mais material, financeira, no setor privado. No setor público, a maioria dos profissionais, de facto, não é bem remunerada, e a pressão quotidiana é muito elevada, mas o Serviço Nacional de Saúde encerra um conjunto de oportunidades: investigação, ensaios clínicos, produção adicional, prevenções que são necessárias para garantir que há resposta em 30/45 minutos, para a equipa poder ser reforçada. E no final do mês, os vencimentos não são assim tão pouco competitivos.
Em relação à questão de ir para fora, sim, é verdade que os profissionais de saúde, designadamente médicos e enfermeiros, têm uma remuneração melhor no exterior. Mas vamos olhar primeiro para o salário mínimo em Portugal e para o salário mínimo nacional nesses países. É que, depois, também aí se confunde um bocadinho a árvore com a floresta, ou melhor, eu diria que às vezes, intelectualmente a discussão não é séria. Como é evidente, se nós estamos num país em que o salário mínimo não chega aos mil euros, e depois temos outro país em que o salário mínimo começa nos 2350 ou nos 2 mil, é óbvio que, aqui, um vencimento terá que ser muito maior.
Por outro lado, ainda, estamos a falar de profissionais que saem, que são bem remunerados, mas dedicados à sua instituição, sem atividades paralelas. Há, digamos, um horário para cumprir em função das necessidades do serviço. Naturalmente, fruto desta organização do trabalho e da exclusividade de funções, as administrações e os responsáveis políticos conseguem dar condições de bem-estar aos profissionais de saúde diferentes das nossas.
Mas lá fora também há prevenções, e as prevenções não são facultativas, são obrigatórias em muitos países. Em muitos países o profissional tem uma grelha da sua semana e das semanas daquele mês, e sabe exatamente quando tem prestação de cuidados em regime de horário normal, quando tem que fazer Urgência, e quando tem que estar de prevenção. E a sua remuneração é naturalmente maior e melhor, tal como a sua produtividade e os outputs da instituição onde trabalha.
Em termos médios, os vencimentos no nosso sistema nacional de saúde (público, privado e social), são inferiores à nossa vizinha Espanha desde logo e aos países da UE. Mas, e reflito: qual o salário mínimo nacional desses países? Qual é o salário médio desses países? E para depois podermos continuar a ter uma discussão sobre fatores de competitividade, qual é o custo de vida nesses países? Mas nós temos um conjunto de fatores que não são valorizados do ponto de vista financeiro, ou seja, na conta bancária, mas também são importantes. Isso faz regressar alguns profissionais, e quanto mais diferenciados formos, em termos globais, mais competitivos seremos para atrair profissionais que emigraram mas que, com boas condições de trabalho e boas remunerações, estarão disponíveis para regressarem ao país e ao SNS.
Que marca quer deixar nesta Unidade Local de Saúde?
Um dia, quererei ser recordado como alguém que passou por esta casa, que se dedicou a ela de corpo e alma, de forma profissional genuína, de forma afetiva também, e que deu o melhor que sabia e o melhor que podia de si próprio, muitas vezes em detrimento dos tempos para a família. Teoricamente, e digo isto a sorrir, estou a correr o risco de ser o presidente que mais anos ocupou a presidência do Hospital de Santa Maria, como Centro Hospitalar, e agora como ULS. Para já, até ver, sou o único que ocupou a presidência duas vezes, pelo menos no pós-25 de Abril, o que adita responsabilidade, face à experiência e ao sucesso que os profissionais ambicionam e esperam de nós.
Em termos de marca, a única que quero deixar é ficar na memória das pessoas. Quero que a minha família tenha orgulho daquilo que eu já fiz e que possa continuar a fazer, e que um dia seja recordado como alguém que passou edeixou sempre a instituição um bocadinho diferente para melhor, com uma equipa. Não é uma marca pessoal, é um trabalho de equipa, desde logo da equipa Conselho de Administração, depois, de toda a equipa de dirigentes e, last but not least, deixo para o fim esta referência: é verdade, o Conselho de Administração tem a responsabilidade maior, mas todos somos importantes, desde o segurança que está ali à porta até ao presidente, em termos individuais. Portanto, todos nós temos um contributo a dar, cada um na sua escala de responsabilidade, cada um no seu grau de competência pessoal e profissional, e é o trabalho de equipa que dá resultados. E uma marca é a mais importante de todas, porque significa coesão, ambição em equipa e uma cultura que cria mudanças que perdurarão no tempo. E acredito que vamos, mais uma vez, deixar uma marca positiva.