“PENSO QUE É JÁ CONSENSUAL QUE TERMINAREMOS O NOSSO MANDATO DEIXANDO A INSTITUIÇÃO MUITO MELHOR DO QUE A ENCONTRÁMOS”
Carlos das Neves Martins é, até 31 de dezembro de 2015, o presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte. Com uma carreira intimamente ligada à vida pública e política, Carlos das Neves Martins é natural de Portimão e é licenciado em Relações Internacionais, no ramo Económico e Políticas, pela Universidade do Minho. Em 1999 foi eleito deputado à Assembleia da República pelo Círculo do Algarve, suspendendo as funções entre 2002 e 2005 por posse sucessiva nos XV e XVI Governos Constitucionais, respetivamente como secretário de Estado da Saúde e secretário de Estado Adjunto do ministro do Turismo. Quando assumiu funções, em 2013, o Centro Hospitalar Lisboa Norte estava em falência técnica, com uma dívida de 300 milhões de euros. Atualmente, a situação é “diferente”. Tal como revela Carlos das Neves Martins, existem presentemente “ganhos de saúde” e, mês após mês, o Centro Hospitalar foi capaz de aumentar a “produtividade e o acesso com mais qualidade e com maior excelência” ao mesmo tempo que também conseguiu “o crescimento da sustentabilidade económico-financeira”. Foi também possível, ao longo deste tempo, “encontrar soluções para investimentos não só estruturais como estruturantes”, bem como o estabelecimento de “inovadoras parcerias com alcance estratégico”, concluiu. Quanto ao estudo levado a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que levantou diversas questões sobre o funcionamento, a gestão e os interesses que pautam o Centro Hospitalar Lisboa Norte, o presidente do Conselho de Administração afirmou: “não é verdade que a instituição esteja ou tenha estado capturada por organizações externas, por partidos políticos, por grupos de interesse ou pessoas, tal como não é verdade que nesta instituição as pessoas só saiam de cargos de chefia quando atingem a idade de se jubilarem ou quando se reformam e, portanto, há um conjunto de inverdades que foram publicitadas e que feriram o bom-nome do Hospital de Santa Maria, parecendo este julgamento reputacional estar ao serviço de obscuros interesses, que, a existirem, foram ou são seguramente peculiares…”. Carlos das Neves Martins espera terminar o seu mandato de “consciência tranquila” e, tal como sublinha, sairá “muito mais enriquecido do ponto de vista profissional e humano, logo enquanto gestor e enquanto pessoa”.
Quando assumiu funções há quase dois anos, o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) estava em falência técnica, com uma dívida de 300 milhões de euros. Qual a situação atual?
É uma situação diferente, felizmente para melhor, a vários níveis. Desde logo em termos dos ganhos de saúde, a essência da nossa missão constitucional, que é tratar com qualidade e excelência os doentes que em nós confiam a sua vida ou a sua qualidade de vida. Se olhar para os indicadores de 2013 e para os do ano passado ou para os deste semestre, tenho a felicidade de constatar, mês após mês, que fomos aumentando a produtividade e o acesso com mais qualidade e com maior excelência, ao mesmo tempo que conseguíamos o crescimento da sustentabilidade económico-financeira da nossa instituição. De uma forma muito sucinta e a título de exemplo, registamos +1,7% de consultas totais e +8,5% em primeiras consultas (+ 50 novas consultas em média por dia), os tempos de espera são de -10% para cirurgias e as listas hoje são -28%. E para além do aumento da cirurgia programada também tivemos +21% na cirurgia de ambulatório e 91,6% dos nossos doentes são tratados em tempo adequado. Em termos da sustentabilidade económico-financeira, importa sublinhar que fechámos o ano de 2014 com um resultado líquido de -2,5 milhões de euros versus -70,5 milhões de euros em 2013, isto é, passámos de um prejuízo mensal de sensivelmente 6 milhões em 2013 para aproximadamente 200 mil euros em 2014. Passámos de uma despesa anual de 419,0 milhões de euros para 399,7 milhões (-4,6%) e de 348,5 milhões de euros de receita para 397,1 milhões (+13,9%), de 2013 para 2014. Por outro lado, fechámos o ano passado com um EBITDA de +6 milhões de euros contra -62 milhões no período homólogo… Conseguimos assim uma viragem positiva no acesso e na atividade assistencial, estribada numa interessante sustentabilidade económico-financeira, fruto de um plano estratégico que visou e visa o futuro da instituição para a próxima década. Mas não nos limitámos a ficar reféns do objetivo da sustentabilidade, conquanto desde o primeiro dia que afirmamos que a gestão integrada desta prestigiada instituição devia ser planeada e executada com uma visão económica, que não com uma visão meramente financeira. E ao longo deste período foi possível encontrar soluções para investimentos não só estruturais como estruturantes, bem como foi possível estabelecer inovadoras parcerias com alcance estratégico que, no seu conjunto, contribuíram para os resultados que atrás elenquei, de forma muito resumida.
Que balanço faz destes dois anos de mandato? Tem vindo a cumprir os objetivos a que se propôs?
O balanço será sempre feito após o dia 31 de dezembro de 2015, que é quando terminamos formalmente o mandato que nos foi conferido no início de 2013. Naturalmente que é já possível fazer uma avaliação de quase três anos de liderança do CHLN, o que em linhas gerais sublinhei ao longo da resposta à sua primeira pergunta. Igualmente, o que é normal, também já é possível percecionarmos o que não vai acontecer neste triénio em que tivemos a responsabilidade pela gestão desta ímpar instituição e o que temos o dever de preparar ao longo destes próximos meses para análise e decisão do próximo Conselho de Administração. De qualquer forma, penso que terminaremos o nosso mandato deixando a instituição muito melhor do que a encontrámos, seja do ponto de vista da sua atividade, dos ganhos de saúde, da sua sustentabilidade económico-financeira, da sua organização interna, da sua interação com a Faculdade de Medicina, com o Instituto de Medicina Molecular, com a Universidade de Lisboa e várias das suas escolas, das quais destacamos o Instituto Superior Técnico, assim como da sua afirmação externa e designadamente em matéria de protocolos, acordos e afiliações, desde o todo nacional até a países de língua oficial portuguesa e passando pelo espaço europeu. Ao longo destes três anos preparámos, negociámos e executámos estratégias discretas mas de grande alcance para o futuro do Hospital Universitário de Santa Maria, em termos do seu papel no ensino médico, na formação de profissionais de saúde, na prestação de cuidados de excelência, no desenvolvimento da inovação e no crescimento da investigação. Por outro lado, hoje constatamos com satisfação que 25% da nossa atividade tem por base a nossa área de referência direta, isto é, a área metropolitana de Lisboa, e que 75% dos nossos utentes são oriundos do continente e ilhas. Eis uma outra “revolução” tranquila que deu resultados positivos, ou seja, claramente passámos a ter uma responsabilidade desde Trás-os-Montes até aos Açores e também passámos a ter mais doentes dos países de língua oficial portuguesa, cumprindo assim também a tradição histórica dos Hospitais de Santa Maria e de Pulido Valente. Finalmente, nesta síntese, não posso deixar de referir outro resultado decorrente da estratégia de diferenciação da nossa atividade: no benchmarking de uma prestigiada organização internacional somos a instituição hospitalar universitária, de 30 da Península Ibérica (5 maiores portugueses e 25 maiores espanhóis), que em 2014 tratou doentes de maior complexidade, isto é, o CHLN tratou casos com um índice de complexidade de 1,62 e a mediana foi de 1,54! Este, e outros estudos de benchmarking, validam assim o que percecionamos mês após mês ao longo do nosso mandato e fundamentam a sustentabilidade que referi anteriormente, bem como a convicção de que o futuro já começou a ser trilhado por cada um de nós e todos nós, no CHLN. Estamos claramente a viver um momento de viragem estrutural e estruturante, o que em muito contribuirá para o futuro do nosso SNS!
Contaram com o apoio do Governo para ultrapassar toda a situação de crise que enfrentaram?
Desde sempre contámos com o apoio político do Governo, na pessoa do senhor ministro da Saúde e dos senhores secretários de Estado, bem como tivemos sempre uma estimulante compreensão para o dificílimo ponto de partida, para as essenciais ruturas, reformas e reorganizações que paulatinamente fomos fazendo. Também sempre sentimos apoio político em momentos de crise que inopinada e injustamente vivemos ao longo destes quase 30 meses ou quando decidimos afirmar valores e princípios inegociáveis em termos da governação do CHLN…
Sente que tem uma responsabilidade acrescida por ser gestor num Centro Hospitalar universitário? Porquê?
Ser gestor público nos dias de hoje é uma missão de grande responsabilidade e difícil. Ser gestor na saúde exige uma resiliência e capacidade acima da média de qualquer outro setor da administração pública. Ser gestor do maior, e para mim o melhor, Centro Hospitalar universitário nacional implica tudo o que atrás referi, ao que acresce um elevado grau de exigência e uma permanente complexidade da missão. Convido-o a pararmos um minuto para recordarmos em conjunto que: (i) a missão que nos está conferida assenta em pilares tão exigentes quanto o ensino e a formação e tão complexos quanto a prestação de cuidados de saúde em “fim de linha” e a investigação “de ponta”; (ii) temos à nossa responsabilidade diariamente uma média de 3 a 4 mil utentes e mais de 5 mil profissionais de várias carreiras, a que se aditam centenas de prestadores de serviços em outsourcing e de fornecedores; (iii) temos que assegurar uma gestão logística externa e interna de um campus onde circulam diariamente 15 a 20 mil pessoas, dependendo dos dias da semana e dos períodos do ano; (iv) temos um orçamento que pode atingir os 35 milhões de euros. Penso que estes indicadores explicam facilmente uma parte da minha resposta sobre a responsabilidade, gratificante e desafiante, que é ser gestor no CHLN!
Existia muito desperdício nos hospitais?
Naturalmente que existe desperdício, mas residual comparativamente ao que acontecia há anos ou décadas atrás. O dito desperdício, em termos gerais, tinha muito a ver com a inexistência de sistemas de monitorização rigorosos e diários, com deficientes ou inexistentes sistemas de informação, com a parca ou nenhuma discussão sobre os resultados gestionários e com a ausência de gestão por antecipação. A gestão existente era sempre por reação, e muitas vezes meses após os resultados ou factos. Independentemente do que já existia no CHLN, temos dedicado ao longo destes dois anos uma sistemática atenção aos sistemas de informação e às ferramentas de benchmarking, articuladas e complementadas com auditorias internas e externas, cujos resultados são partilhados mensalmente ou quando necessário com os dirigentes e chefias da instituição, aos vários níveis e abrangendo todos os serviços, desde os clínicos até aos de gestão e logística, passando pelos de apoio à prestação de cuidados de saúde. Entendemos, convictamente, que este trabalho é essencial para os resultados da nossa gestão, devendo ser feito de forma pedagógica e muito persistentemente, explicando sempre que esta é uma das responsabilidades de cada um de nós e de todos nós, independentemente das funções, das competências e da carreira profissional. Isto é, a instituição é de todos e sempre que ela estiver mal… estamos todos mal! Em síntese, acreditamos ter melhorado também em muito a cultura da instituição, decorrente de uma forma de estar e de atuar em proximidade com as situações e as pessoas, de partilha de informação e de resultados, de envolvimento dos responsáveis nas preocupações e nos objetivos da casa. E foi esta renovada cultura que, em nossa opinião, permitiu, de forma tranquila, encontrar mais ganhos de saúde e melhor sustentabilidade económica, que permitiram consequentemente resultados positivos na recuperação financeira desta ímpar instituição pública e por isso uma melhor gestão do erário público que a nós é confiado pelo Governo da República.
Foram criados quantos postos de trabalho?
Nós seremos, eventualmente, a instituição do Serviço Nacional de Saúde que no período de um ano mais investiu em recursos humanos, por forma a garantirmos melhor qualidade e mais segurança, bem como para assegurarmos a renovação geracional e o crescimento da diferenciação técnico-científica. De sublinhar que neste plano programámos, e executámos, a contratação de 60 novos médicos, de 150 novos enfermeiros e de 80 novos assistentes operacionais, todos eles exclusivamente destinados à prestação de cuidados. E criámos igualmente uma bolsa de 60 contratos a termo certo para a carreira de enfermagem e de 42 para a carreira de assistentes operacionais para substituição de profissionais em situação de baixa médica ou com licenças de média e longa duração, suprindo-se assim muitas dificuldades nas dotações de serviços clínicos. Estes profissionais são chamados a partir de uma bolsa de recrutamento criada com metodologias de seleção análogas a concursos públicos, publicitadas e transparentes.
As receitas subiram?
Sempre afirmámos que a sustentabilidade só seria possível se aumentássemos as nossas receitas, através dos ganhos de saúde e da adequação da procura à nossa oferta altamente diferenciada, bem como se diminuíssemos um conjunto de despesas que considerámos na nossa avaliação como improdutivas e desnecessárias do ponto de vista estratégico. Os resultados globais de 2013/2014, assistenciais e económico-financeiros, falam por si e demonstram que foi possível fazer com o mesmo euro mais cuidados de saúde e melhores cuidados de saúde, logo, do ponto de vista prático, fizemos mais e melhor com menos…
Essa visão positiva foi em contraciclo…
Sim… E se fosse durante um ciclo normal em termos socioeconómicos, então estaríamos francamente bem em termos globais e teríamos resultados financeiros francamente melhores!
Um estudo realizado recentemente revelou que o Hospital de Santa Maria está “minado por uma teia de interesses de lealdade a partidos políticos, à maçonaria e a organizações católicas”. Que comentário faz a estas conclusões?
Tenho de responder a essa questão de forma muito clara e direta, mas em diferentes perspetivas. A primeira é que o dito estudo refere-se a um período que se inicia em 2000 e termina em 2012, muito embora incida de facto com dados, perceções e afirmações sobre o período 2004/2011, pelo que sinceramente não devo avaliar e comentar momentos e situações que de todo desconheço. A segunda perspetiva é a da credibilidade, e o que verificamos ao ler atentamente o estudo é que a mesma é muito baixa, senão irrisória. A terceira perspetiva de análise é a do impacto que este peculiar dito estudo teve na instituição e na sua reputação. E neste campo assumo sem qualquer problema que esta foi a situação mais difícil que tive que gerir enquanto presidente do CHLN desde 21 de fevereiro de 2013! Em bom rigor, até é fácil gerirmos uma instituição com problemas diários muitas vezes de grande complexidade técnica, com situações perfeitamente inopinadas do ponto de vista assistencial ao longo das 24 horas do dia, com conflitos interprofissões e laborais, sempre sensíveis em unidades hospitalares e numa empresa com mais cerca de 6500 colaboradores e funcionários, etc., mas não é nada fácil gerir um ataque à reputação de toda uma instituição num período tão lato como cerca de 12 anos, e sem factos, mas tão só com perceções de pouco mais de duas dezenas de entrevistados… Eu consigo gerir situações de crise quando sei do que é que estamos a falar, quando tenho números ou factos e quando tenho nomes… Não consigo gerir perceções, muitas delas anónimas e com objetivos pouco claros… Importa sublinhar, com a tranquilidade e o bom senso próprios do que é sério, que o campus é um pouco o espelho daquilo que é a sociedade portuguesa. Temos cerca de 6500 profissionais, a que se juntam milhares de estudantes e centenas de docentes da Faculdade de Medicina e da Escola Superior de Enfermagem, centenas de investigadores e profissionais do Instituto de Medicina Molecular, pelo que obviamente encontramos no Hospital de Santa Maria pessoas com várias origens étnicas, com várias opções religiosas, com várias opções políticas e clubísticas e com várias opções de organização da sociedade. Eis algo normal e que qualquer pessoa minimamente inteligente e de boa-fé percebe ou no mínimo até perceciona, pelo que não é verdade que a instituição esteja ou tenha estado capturada por organizações externas, por partidos políticos, por grupos de interesse ou pessoas, tal como não é verdade que nesta instituição as pessoas só saiam de cargos de chefia quando atingem a idade de se jubilarem ou quando se reformam e, portanto, há um conjunto de inverdades que foram publicitadas e que feriram o bom-nome do Hospital de Santa Maria, parecendo este julgamento reputacional estar ao serviço de obscuros interesses, que, a existirem, foram ou são seguramente peculiares… Apesar de existirem estas e outras inverdades, entendemos que não poderíamos ficar indiferentes e fizemos aquilo que é próprio de quem tem a consciência tranquila: após ter acesso ao dito estudo, tomámos uma posição pública e o Conselho de Administração deliberou remeter o mesmo para as entidades que têm as devidas competências para investigar e auditar o que entenderem por bem, com rigor técnico-jurídico e verdade factual. Para terminar, quero deixar claro que temos o maior respeito pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e nada do que fizemos ou venhamos a fazer tem ou terá a ver com esta prestigiada instituição, como é óbvio. Mas seremos intransigentes com a equipa que coordenou e elaborou o estudo, bem como com quem proferiu afirmações graves sobre o Hospital de Santa Maria…
O estudo foi encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Porque foi pedido? Porque é que escolheram o Hospital de Santa Maria?
Sinceramente, não sei. A proposta foi feita ao meu antecessor, mas dizia que o estudo era exclusivamente académico, que era destinado a fins científicos e que o relatório preliminar seria partilhado com a instituição. Sublinho que eu faria exatamente aquilo que fez o meu antecessor em finais de 2012, isto é, também eu autorizaria um estudo promovido por investigadores da Universidade Nova de Lisboa e Princeton University e patrocinado pela Fundação. E não veria problema nenhum em termos um estudo como o que então foi proposto fazer sobre a instituição, aliás, o que temos sempre feito em outras circunstâncias e sobre outras áreas temáticas. Só que nos restantes casos as propostas têm sido cumpridas, o rigor científico e a ética têm prevalecido, o que não foi de todo o caso.
Põe a hipótese de que a sugestão tivesse partido de alguém do Hospital de Santa Maria?
Não me compete a mim encontrar essas ou outras respostas. Acredito nas entidades a quem solicitámos investigações e auditorias e aguardamos serenamente pelos resultados das suas diligências. Acima de tudo confiamos no Hospital de Santa Maria e acreditamos na justiça!
Os resultados do estudo condicionam o funcionamento dos serviços a nível de recursos humanos e a aquisição de material clínico?
Não. Não atingiu diretamente a nossa atividade e esse putativo objetivo não foi atingido por quem eventualmente o pretendia… Mas a instituição ficou naturalmente perturbada durante alguns dias pelas notícias e é óbvio que ninguém gosta de ver a sua instituição tratada em praça pública tal como a nossa foi. Foi ainda referido no estudo a existência de “grupos poderosos” no hospital. Foram estes “grupos poderosos” de médicos e da direção de serviço de apoio que conduziram o Hospital de Santa Maria à situação em que estava quando assumiu este cargo… Esse tipo de ilações e de perceções exigem, em nossa opinião, provas concretas e informações concisas junto de quem de direito, designadamente junto das entidades a quem pedimos de imediato intervenção, nas quais acreditamos sem reserva e esperamos conclusões claras, as quais determinarão seguramente novas ações para reposição do bom nome do Hospital de Santa Maria. Mas a seu tempo faremos saber publicamente os resultados das diligências por nós pedidas e do que for tido por conveniente em matéria de ações judiciais…
Houve conclusões concretas: havia furtos regulares por parte de médicos e de outro pessoal, que se serviam “a seu bel-prazer dos armazéns do hospital para fornecer as suas clínicas privadas”?
O que o estudo diz é que, e cito, “de acordo com as fontes consultadas, existe até meados da década de 2000 uma situação de forte despesismo provocada pela corrupção interna acoplada a interesses particulares”… Quais são as fontes? Quais os casos ou situações de corrupção? Que ano ou anos até 2000? Lamentavelmente nada é dito ou fundamentado, nem referidos nomes de serviços, de potenciais envolvidos, de eventuais julgados ou putativos condenados! E sobre a questão que refere, o que é dito, e cito de novo o dito estudo, é que “um elemento assegura que médicos montaram consultórios privados e/ou clínicas com os bens do hospital”. Quem é o elemento? Quais foram os ditos médicos e os referidos consultórios? Mais uma vez não há nomes e o cobarde anonimato serve de capa para estas gravíssimas afirmações sobre um período da instituição e sobre os seus profissionais. Que conclusões? Só perceções e ilações sem rosto, sem datas e sem detalhe… E repare que o dito estudo é sobre um período anterior ao início do meu mandato, mas não posso aceitar este tipo de insinuações e inqualificáveis perceções… Em bom rigor, e falando de algo que também conheço bem, se há área de que nos orgulhamos é a de logística e stocks, onde temos sido indicados como uma das instituições que mais apostou na inovação dos sistemas de controlo e de gestão. Nós temos uma equipa de jovens quadros que é fantástica em termos de motivação, de inovação e de transparência. Ganhamos prémios, somos convidados para apresentar os nossos projetos e sistemas, para fazer conferências, para os grupos de trabalho externos, exatamente por estes motivos e factos concretos. Ao recordar o dito estudo volto a pensar que o mesmo serviu interesses, isso sim, pouco transparentes e pessoais, assim como se inscreve na linha de outros factos não muito longínquos e também eles lamentáveis. Para mim, os informadores e ditos atores que municiaram este estudo, como em outras afirmações e declarações recentes, só podem ser pessoas que desconhecem o Hospital de Santa Maria ou/e o que é de facto a gestão hospitalar ou/e que estão imbuídas de uma doentia má-fé ou/e que precisam urgentemente de um acompanhamento do foro da psiquiatria e saúde mental ou/e então que tiveram algum problema com a instituição ainda mal resolvido ou alguma ambição ainda não concretizada. Reiteradamente algumas pessoas procuram levantar suspeitas sobre a nossa instituição, com inconsequentes entrevistas e mediáticas declarações, procurando ter visibilidade e protagonismo, mas demonstrando quão vaga pode ser a sua ética e quão distantes estão da realidade do Hospital de Santa Maria…
Alguma vez sofreu algum tipo de pressão por parte de partidos políticos, instituições, maçonaria, que sentisse que estavam a pôr em causa o seu pensamento ou a sua conduta?
Não! Nunca fui sensível a pressões desse tipo e sou conhecido por reagir sempre muito mal a tentativas de condicionamento ou influência sobre a minha liberdade de pensamento e de ação ou sobre os meus princípios e valores.
Mas essa pressão existe?
Eu nunca senti, nem conheço nenhum facto ou situação concreta sobre qualquer dos meus colegas do Conselho de Administração, dirigentes ou chefias. E se algo for do meu conhecimento, atuarei na hora, com ponderação dos factos, com determinação e com rigor. Como sempre fiz e farei! Mas claro que sentimos pressão e que ela existe. A pressão de dever tratar em tempo e com excelência os nossos doentes, a pressão de os devolver com qualidade de vida à sociedade e à família, a pressão de darmos a melhor formação possível aos médicos que estão à nossa responsabilidade, a pressão de encontrarmos os meios necessários para contribuirmos para a investigação médica deste país, a pressão de conseguirmos meios para a inovação tecnológica, entre tantas outras naturais e legítimas pressões diárias. Eis as pressões que temos e que qualquer gestor experiente e profissional vive no dia a dia e entende como salutares, sobretudo numa instituição com a dimensão e responsabilidade da nossa.
Foi presidente de uma Administração Regional de Saúde (Algarve), foi deputado na Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia da República, foi secretário de Estado da Saúde e agora é presidente deste grande Centro Hospitalar. Nas próximas eleições, se for convidado para assumir a pasta da Saúde como ministro, aceitaria?
Essa é uma questão que não está na minha lista de preocupações ou agenda pessoal. Em primeiro lugar porque a pasta está muito bem entregue e em segundo lugar porque tenho uma missão para cumprir até 31 de dezembro. Nunca tive uma agenda pessoal centrada em objetivos como o que refere. Por um lado continuo a acreditar que há situações que decorrem dos resultados do nosso trabalho, do nosso percurso e também de determinados contextos políticos. Vi, e vejo, a minha atual missão como mais um serviço público e não como alavancas ou rampas para o que quer que seja. Quando aceitei esta missão fi-lo por achar que podia contribuir para um conjunto de mudanças no Centro Hospitalar Lisboa Norte e porque entendi que devia dar mais um contributo ao meu país, sobretudo tendo em atenção o momento de emergência nacional que estávamos a atravessar. Espero, como em outras missões públicas, terminar o meu mandato com a consciência tranquila de ter feito o que sabia e podia, honrando a confiança que em mim foi depositada e o apoio que tenho recebido de todos os que sentem e vivem esta instituição. Sei que no dia em que terminar esta missão sairei muito mais enriquecido do ponto de vista profissional e humano, logo, enquanto gestor e enquanto pessoa.