ANTÓNIO SARAIVA

“TEMOS DE SER MAIS AMBICIOSOS, TEMOS DE NOS COMPARAR COM AQUELES QUE MESMO DENTRO DA EUROPA ESTÃO A CRESCER A 4 e 5%, COMO É O CASO DA IRLANDA, DA POLÓNIA OU DA HUNGRIA – António Manuel Frade Saraiva é, desde 2010, o Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, a associação empresarial de maior impacto e influência no nosso país, e a pedido dos seus pares prepara-se para renovar o seu mandato por mais três anos, uma vez concretizada, de forma unânime, a necessária alteração dos estatutos da instituição. O homem que muitos apontam como o exemplo vivo do self-made man iniciou sua vida profissional como operário fabril na Lisnave, mas construiu todo um percurso, desde diretor comercial na Metalúrgica Luso-Alemã a presidente do Conselho de Administração da Metalúrgica Luso-Italiana, e é hoje reconhecido como um dos protagonistas mais respeitados na esfera empresarial no nosso país, reconhecimento para o qual muito contribuiu a sua facilidade em estabelecer pontes e gerar consensos nos mais diversos domínios da sua intervenção profissional. Hoje, para além de conduzir os destinos da CIP, partilha ainda o seu tempo por um vasto universo empresarial, onde conta cargos como presidente do Conselho de Administração do Taguspark e presidente do Conselho de Administração da Compta Infraestruturas e Segurança, para além da sua atividade ligada ao ensino universitário. Em entrevista à FRONTLINE, António Saraiva traça um quadro geral sobre o universo empresarial em Portugal, o atual Executivo de António Costa e as respostas que temos de preparar para o futuro da competitividade das empresas e do país, num cenário de cada vez maior incerteza no plano internacional. 

Depois da alteração dos estatutos da CIP poderá recandidatar-se a mais um mandato de três anos. Quais serão as suas principais prioridades? Naturalmente dar continuidade aque até agora tenho feito nos anteriores mandatos. Desde logo e em termos macro, a defesa da iniciativa privada e a dignificação dos empresários. Mas dentro disto o país tem desafios, inserido que está num espaço económico que é a Europaespaço esse que tarda em reformular-se e a encontrar no quadro da competitividade mundial o seu caminho dcrescimento e desenvolvimento. Há que gerar condições para o país encontrar um novo modelo de desenvolvimento, que passa por melhoria dos fatores de competitividade, aumento da produtividade, consciencialização da classe empresarial para os novos desafios das alterações climáticas, da sociedade em transição para a digitalização, o futuro do trabalho, a requalificação dos recursos humanos… Enfim, temos aqui um conjunto de desafios para a iniciativa privada que exigem que a CIP continue a ser um farol avisador desta navegação, e é isso que quererei fazer neste último mandato. Ou seja, fechar este ciclo que iniciámos já há dois mandatos, da transformação que as empresas têm de fazer, da inovação, da digitalização, desafios do futuro do trabalho e da sua composição. Ajudar a ultrapassar todos estes desafios, a rumar para águas mais calmas. 

O que o levou a aceitar o pedido de muitos associados para que se recandidatasse? A minha inquietude cívica, como eu costumo dizê-lo. Eu sou um cidadão com inquietudes várias e desde cedo que esta inquietude cívica sempre me levou a participar nas soluções para os problemas, quer pessoais quer coletivos, que em termos de sociedade me vão inquietando. Numa resposta simples, dir-lhe-ia que foi isto. Só que há mais. Passaram-se, em boa verdade, 10 anos: no primeiro ano, em 2010, como presidente da então Confederação da Indústria Portuguesa; depois, com a união que fizemos com a AIP e a AEP nas suas componentes de representação associativa, em janeiro de 2011, criámos a Confederação Empresarial, onde acrescentei nove anos e terminarei agora o mandato. Eu tinha definido, quer com a família quer com os meus pares, que no final destes anos já era tempo bastante para aceitar desafios profissionais que entretanto me foram feitos, e dar à família, e a mim próprio, uma forma diferente de utilização do tempo, olhando mais para dentro, para os meus, para os cinco netos que já tenho. Mas perante a transição que a economia portuguesa está a fazer, os enormes desafios que a iniciativa privada tem pela frente e a exigência atual de conhecimento da realidade das empresas portuguesas, do associativismo, os meus colegas entenderam que ainda era tempo de eu “emprestar” esse conhecimento ao serviço desta causa, e a minha inquietude cívica assim o ditou. E serão assim mais três anos dos nove que a alteração de estatutos me poderia permitir. E apesar desta alteração estatutária me colocar o contador a zeros para mais três mandatos de três anos, aceitei fazer apenas mais um. 

O novo Governo foi ao encontro das suas expectativas e da CIP? O novo Governo traz, pelo reforço que dá ao Ministério da Economia, uma resposta àquilo que a CIP e o seu presidente têm defendido para a economia portuguesa, que é ter um ministério com mais peso, mais força, mais instrumentos para se sobrepor ao Ministério das Finanças. Há um sinal, com esta maior delegação de competências e com este reforço institucional do peso do Ministério da Economia, que vem ao encontro daquilo por que temos pugnado e que me leva a pensar que teremos um acompanhamento diferente das matérias que estes desafios que caracterizei há pouco exigem, na conjugação de políticas públicas com iniciativas privadas. 

Qual foi a escolha governativa que mais o desagradou e porquê? Não posso dizer que tenha havido escolhas governativas que me tenham desagradado porque, como seguramente já me terá ouvido dizer e repito, para nós o importante são as políticas, mais do que as pessoas que vão interpretar em cada ministério essas políticas. Não deixando de reconhecer que a pessoa é importante na condução dos dossiers, não posso dizer que neste ou naquele ministério me desiludiram pelas escolhas que foram feitas, porque o que me importa é que o Governo tenha um plano de ação que ponha o país a crescer, tenha definida uma política global que leve ao desenvolvimento da nossa economia e ponha Portugal num ritmo de crescimento e desenvolvimento diferente, para melhor. Por isso o que importa são as políticas, mais do que os seus intérpretes. 

Falando agora de desafios, quais são os maiores que nos esperam nos próximos quatro anos? Acompanho muito aquilo que o primeiro-ministro elencou quando tomou posse, esses quatro grandes desafios que são comuns não só a Portugal mas diria até ao mundo. saber, as alterações climáticas e todos os efeitos que dai advêm para a vida dos cidadãos e, a par, a redefinição de políticas nacionais de cada um dos países que as sofrem ou vão sofrer; a transição para a economia digital com todas as dimensões que isso implica, desde a transformação dos modelos de negócio, das profissões que desparecerão e das que vão emergir, até à digitalização ou à robótica com tudo o que vai trazer de novas dimensões; o combate às desigualdades, não apenas como penso que o primeiro-ministro o definiu na lógica apenas das desigualdades sociais, mas o combate lato senso, pois é nas desigualdades que assentam estes populismos emergentes a que temos assistido, porque hoje as redes sociais trazem uma amálgama de informação, e mesmo as classes mais desfavorecidas são, nos tempos que correm e passo a expressão, ricas em informação e milionárias em expectativas. E essas milionárias expectativas, por mais ricos que os Estados sejam, nunca serão correspondidas, o que gera frustrações e abre palco a atitudes populistas que uns e outros conseguem interpretar e liderar. Por outro lado, as desigualdades sociais, muitas vezes gritantes, levam às migrações, à procura de melhores condições de vida, de um bem-estar social maior. 

E um último desafio… Por fim a demografia, como último desafio, porque Portugal está a caminhar para uma sociedade envelhecida e a diminuir, e se queremos, como seguramente queremos, crescer mais e sustentadamente, a demografia é um dos problemas que temos de saber enfrentar, ter políticas de captação de imigração. É um problema para o qual temos de ter uma atenção muito especial. Para mim estes são os grandes desafios que vamos ter pela frente e acho que a sociedade civil deve acompanhar e encontrar as ajudas que da parte do setor privado têm de acompanhar as políticas públicas. 

Sendo assim acha que este novo Governo espelha uma linha de continuidade ou há uma aposta na alteração das políticas vigentes?  Diria que há uma continuidade. É um novo Governo, mas é uma reencarnação do anterior executivo. Tivemos poucas alterações ministeriais e não tivemos grandes inflexões nos objetivos políticos. Ou seja, este Governo está aparentemente mais reforçado em termos de Parlamento pelo número de deputados que o partido que o suporta, o Partido Socialista, obteve, mas continua com alguma fragilidade parlamentar e terá de obter apoios em apoio de geometria variável. Também o anterior executivo estava muito condicionado a um acordo com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. A diferença é que este necessário suporte parlamentar poderá ter uma abrangência maior dentro dessa geometria variável, possível tanto à esquerda do espectro político como à direita do mesmo, até porque as necessárias reformas estruturais de que o país carece têm de ser de espectro amplo, sejam as maiorias parlamentares de 2/3 necessárias para determinadas reformas, seja a estabilidade política que temos de ter para elas se efetivarem, a par da estabilidade social. Mas tudo me leva a crer que este é e será um Governo de continuidade, embora com algum refrescamento numa ou noutra área. 

Na sua opinião, qual deverá ser a principal prioridade do novo Orçamento do Estado? Sem hesitar, uma aposta nas empresas. Veja-se que os anteriores orçamentos, fruto dos constrangimentos que referi, dos apoios parlamentares e da negociação a que isso levou, obrigou o anterior Governo, para responder a um período de austeridade pelo qual o país recentemente passou e que ainda não ultrapassou completamente, a focar-se na melhoria dos rendimentos das famílias e, na minha perspetiva, a olhar pouco para o apoio à economia e às empresas. Por isso o novo orçamento deverá infletir este caminho, não deixando de manter a recuperação, dentro de um quadro de possibilidades e sem desequilíbrio das contas públicas, do rendimento das famílias, mas tentando, com algumas folgas orçamentais, ter em atenção as empresas e dando-lhes uma envolvente diferente, desde logo na estabilidade e na redução da carga fiscal. Porque é fundamentalmente nos estímulos fiscais, na estabilidade e na redução da carga fiscal, a par da melhoria da qualificação e da requalificação dos recursos humanos, e do reforço de verbas que terá de ser alocado para este fim, que nós apostamos toda a nossa reivindicação. 

Qual acha que vai ser o fator determinante para o crescimento da economia portuguesa nos próximos anos: mais investimento ou maior produtividade? Os dois motores principais de qualquer economia, e a portuguesa não é exceção, são o investimento e o aumento das exportações. Como isto não se consegue por magia, é nesses dois motores de desenvolvimento económico que nós temos de apostar. Por isso é na captação de investimento interno e externo, num ambiente amigo desse investimento e na geração de condições para que as empresas possam exportar em melhores condições de competitividade, numa economia global e perversa em termos dessa mesma competitividade, dando-lhes condições para exportarem mais, para conquistarem novos mercados, para estes aumentos incrementais em termos de inovação, para incrementar valor, que temos de trabalhar. É tudo isto, diversificação de mercados, reforço das exportações, aumento da competitividade, a par do acarinhamento do investimento que temos de apostar neste novo ciclo económico. 

Falou das propostas que a CIP gostava de ver refletidas no Orçamento do Estado. Inclui também aqui as PME? Só posso incluir. O tecido empresarial português é esmagadoramente composto por estas empresas. Não esqueçamos que 97% do tecido empresarial do nosso país são micro e pequenas empresas até 10 trabalhadores. Esta é a realidade com que trabalhamos e é, na verdade, o tecido que a CIP representa. Porque quando se quer percecionar que a CIP é a confederação das grandes empresas, basta olhar para esta realidade, e representando nós 150 mil empresas, é óbvio que o que representamos verdadeiramente é esse tecido empresarial. E por isso, sim. As medidas, quer de orçamentos futuros, quer das políticas económicas a adotar, têm de olhar para esta realidade, nada mais do que a realidade da economia portuguesa. Não pode ser de outra maneira. E nas propostas veiculadas aos partidos que concorreram às últimas eleições do passado dia 6 de outubro, apresentámos um triângulo de três vértices, concretamente pessoas, competitividade e sustentabilidade. E com base nestes três vértices desenvolvemos um conjunto de propostas que passam pela melhoria das condições de todas as empresas portuguesas, quer sejam médias, grandes ou pequenas empresas. 

Olhando hoje para o país, estamos a crescer ou a caminho de um ciclo de estagnação? Apesar de Portugal estar em ligeiro crescimento, este não chega. Porque dizer-se, como o Governo tem dito, que estamos a convergir com a média da União Europeia, quando essa média é atingida porque as principais economias europeias, como a alemã, estão a abrandar os seus crescimentos, não pode ser fator de comparação. Temos de ser mais ambiciosos, temos de nos comparar com aqueles que mesmo dentro da Europa estão a crescer a 4 e 5%, como é o caso da Irlanda, da Polónia ou da Hungria. Ou seja, olhemos para realidades de crescimento económico dignas desse nome e não nos tentemos com a pouca ambição de crescer décimas dentro de valores mínimos, de 1,6 para 1,8 ou mesmo 2%.   

A meta do salário mínimo nos 750 euros é passível de ser atingida em 2023? É uma meta que será ou não atingível dependendo do desenvolvimento e do crescimento da economia como já aqui falámos. Se o crescimento económico gerar condições para que este patamar se possa tornar realidade, até talvez possamos pensar em o ultrapassar, mas sempre sustentadamente assente numa economia em crescimento e que permita legitimar esse valor. Agora, é um valor político, é um valor que não teve racionalidade económica, e como nós temos defendido, os crescimentos salariais – salário mínimo ou outros de política salarial em sede de contratação coletiva – devem assentar em pressupostos que o Governo chama a si próprio, como inflação, crescimento económico e ganhos de produtividade. Hoje mesmo assistimos a notícias de que o Governo se prepara para aumentar os funcionários públicos de acordo com a inflação, mas não deixa de ser curioso que esse mesmo Governo obrigue os parceiros sociais patronais a aumentos do salário mínimo que extravasam em muito a inflação, o crescimento económico e os ganhos de produtividade. Mas voltando aos 750 euros, diria que é um objetivo político, é ambicioso, será atingível ou não se, com base nestes critérios objetivos de crescimento económico, inflação e ganhos de produtividade, a economia sustentadamente os puder pagar.  

E se não houver condições? Se não os puder pagar não pode ter automatismos, porque o Estado não pode ter dois pesos e duas medidas, não pode exigir à iniciativa privada que pague salários por decreto quando ele próprio não o faz. Depois comparamos as políticas do Governo, nomeadamente no indexante de apoios sociais, quando este mesmo Governodurante a legislatura anterior, ao mesmo tempo que obrigou o salário mínimo a crescer 95 euros, o denominado IAS, o indexante de apoios sociais subiu apenas 16 euros. Ou seja 3,9%, quando o salário mínimo representou um aumento para as empresas na casa dos 25%. Há claramente aqui dois pesos e duas medidas. Obviamente que existe uma componente social que não negamos que o salário mínimo contém, e as empresas estão disponíveis para acompanhar o apoio social, o delta que o salário mínimo incorpora de apoio social, já o deixamos bem expresso em sede de concertação social. Agora, não se peça para que sejam as empresas a suportar este custo sozinhas, porque a função social pertence ao Estado, e da mesma maneira que o Governo tem de olhar para as franjas de população socialmente mais desprotegidas, tem igualmente que atender a camadas empresariais também desprotegidas. E elas existem, estão expostas a uma concorrência internacional desigual e perversa, representam um volume de emprego das regiões onde se inserem significativo e temos que dar tempo às empresas para incorporarem todas estas alterações, de inovação, de acrescentar valor. Tudo isto exige tempo para que sustentadamente estas empresas mais desprotegidas tenham condições para melhorar a sua política salarial. Porque para muitas, talvez a grande maioria que a CIP representa, esta questão do salário mínimo agora nos 635 euros é irrelevante, porque já têm mínimos salariais muito acima disso. Mas é para estas mais desprotegidas que nós temos de olhar. 

Para fechar, como vê o papel do novo observatório para a requalificação profissional? O papel será tentarmos mapear as necessidades profissionais nesta ameaça ou oportunidade, depende da forma como queiramos abordar a questão, das alterações das profissões, da morfologia dos postos de trabalho. É tentar adaptar as competências às necessidades das empresas, competências que podem ser académicas ou de formação profissional, nos centros de formação que temos protocolados. Portanto, conjugar a educação, a formação, com as necessidades das empresas, fazer esse mapeamento e adequar a oferta à procura de uma forma sistematizada, e não como ainda hoje lamentavelmente se verifica em muitos casos de estarmos a formar desajustados em relação às reais necessidades das empresas.