“O PROGRAMA DE CANDIDATURA QUE DEFINIMOS PARA ESTE MANDATO ESTÁ PRATICAMENTE CUMPRIDO”
António Saraiva, o atual presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) frequentou o antigo ensino das escolas industriais, tendo ingressado muito novo, nos anos 1970, na Lisnave. Voltou então à Lisnave, em 1987, para o planeamento da direção comercial. Pouco tempo depois seria convidado para diretor comercial da Metalúrgica Luso-Italiana. Dez anos depois, quando o grupo quis vender a empresa, deu-se um momento de viragem para António Saraiva. Fez um MBO e tornou-se o único proprietário da empresa. Daí para a frente foram vários os cargos de chefia que assumiu, como a liderança da Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos de Portugal e, mais recentemente, a presidência da CIP. Direto, e sem rodeios, António Saraiva falou da atual conjuntura económica de Portugal e afirmou que a iniciativa privada, entendida como “motor de crescimento da nossa economia”, está hoje “fragilizada”. Temos um Governo que, pela sua composição, tem uma leitura da iniciativa privada que não é “tranquilizadora” e, desta forma, é necessário criar condições para que esta iniciativa tão necessária deixe de estar “ameaçada”. Quanto ao novo Presidente da República, António Saraiva espera que este consiga “reunir vontades”. Tal como revela, Portugal precisa de “estabilidade a três níveis: legislativa, fiscal e laboral, e o Presidente da República pode ter um papel fundamental na conjugação de esforços, promovendo compromissos e gerando consensos, uma vez que a nossa sociedade tem vindo a ficar demasiado crispada”, conclui. António Saraiva deu ainda a conhecer a sua disponibilidade para cumprir mais um mandato à frente da CIP: “tenho um conjunto de iniciativas pensadas, pela experiência acumulada nestes dois mandatos, que me fazem ter uma convicção firme daquilo que quero que a CIP seja, da CIP que quero deixar aos vindouros e das iniciativas que quero gerar no movimento associativo empresarial”.
Em termos de participação cívica, que leitura faz dos resultados das últimas eleições presidenciais? Tivemos uma das maiores taxas de abstenção numa eleição presidencial…
Acho que foi uma campanha morna, pouco esclarecedora, com demasiados candidatos. Acho que a instituição Presidência da República sai prejudicada. Em termos dos resultados, foram os esperados. Gostaria, enquanto cidadão, que a abstenção não tivesse sido tão alta porque, mais uma vez, sinto que os portugueses estão desiludidos com estes fenómenos políticos, com os partidos, com as respostas aos seus problemas, respostas que não são encontradas. Penso que os partidos devem refletir sobre estes resultados, sobre este elevado valor de abstenção e alterar os seus comportamentos e práticas. Quanto ao vencedor, ganhou o candidato que já se esperava, e felizmente alcançámos este resultado à primeira volta, mas gostaria que a campanha, tal como já referi, tivesse sido mais participada e esclarecedora.
O que é que a CIP espera do novo Presidente da República?
Que consiga reunir vontades. Portugal precisa de estabilidade a três níveis: legislativa, fiscal e laboral, e o Presidente da República pode ter um papel fundamental na conjugação de esforços, promovendo compromissos e gerando consensos, uma vez que a nossa sociedade tem vindo a ficar demasiado crispada. Temos problemas internos e externos de solução muito difícil, as dificuldades não acabaram, e não vão acabar tão depressa. Pertencemos a um bloco económico que tem sérias ameaças: refugiados, terrorismo. Neste contexto, o Presidente da República tem, fundamentalmente, um papel de apaziguador destas tensões e de promotor de compromissos e consenso. Outro aspeto importante é a necessidade de que as legislaturas sejam terminadas e tal acontece quando colocamos o país à frente de interesses partidários.
Dá a conhecer no seu livro as suas convicções. Sempre sentiu este impulso de participação na vida associativa?
Eu já estou no movimento associativo, praticamente, desde os 20, tenho 62, portanto, tenho 42 anos de vida associativa. O país está melhor em muitos aspetos, existem, contudo, outros em que estamos pior. Há desigualdades gritantes na sociedade portuguesa. Há necessidade de promover crescimento económico, coesão social, combate ao desemprego. A participação cívica dos portugueses é fraca, é necessária uma maior participação cívica e com o livro tento chamar à reflexão esses temas.
Pode ler-se na capa que a “iniciativa privada é o motor do crescimento”. A iniciativa privada está, na sua opinião, em risco em Portugal?
Está fragilizada, não digo que esteja em risco. Temos hoje um Governo que, pela composição que o suporta – os partidos à esquerda parlamentar –, tem uma determinada leitura sobre a iniciativa privada que não é tranquilizadora, porque quando se vem dizer que tem de se regredir num conjunto de matérias que tão dolorosamente foram conseguidas e que virão contrariar essa estabilidade laboral que o país necessita, não podemos estar tranquilos. Quando se diz que os horários devem ser diminuídos, os feriados devem ser repostos, os salários devem ser unilateralmente definidos, quase como se estivéssemos a privatizar as entidades privadas, e porque sem riqueza não erradicamos a pobreza, acho que a iniciativa privada, que é geradora de riqueza, bem-estar, de criação de empregos, deve ser acarinhada. Lamentavelmente em Portugal – por tiques que ainda existem da revolução de 1974 –, a iniciativa privada ou os patrões ainda são quase sempre vistos como malfeitores ou exploradores. Esta visão que ainda se tem da iniciativa privada está errada, e sinto que, por alguns exemplos, ela está ameaçada. Infelizmente, ainda não nos apercebemos de que é através da iniciativa privada que geramos riqueza, que erradicamos a pobreza, isto porque existe a criação de empregos.
No discurso de apresentação do seu livro afirmou que “o poder de um país mede-se pelo nível de desempenho do seu Estado, pela forma como se estrutura e promove o bem comum”. Neste sentido, qual a avaliação que faz do desempenho do Estado português? Somos um país com poder?
O poder de um Estado é a capacidade que ele tem de intervir no destino dos cidadãos, no conjunto das políticas públicas que definem o desenvolvimento, nos modelos económicos, e o Estado português está muito refém, está muito dependente. Nós perdemos soberania a partir do momento em que recorremos a um resgate e em que integramos, da maneira que o fazemos, os regulamentos, os tratados e a legislação europeia, que limita muito a capacidade de poder dos Estados-membros. Num segundo nível, o Estado, dentro dos poderes que ainda tem, não pode capturar a riqueza de um país para alimentar o próprio Estado. Daí que tenhamos defendido – e continuamos a fazê-lo – a necessidade da reforma do Estado, de modo a que seja mais eficaz, possa prestar melhores serviços aos cidadãos, mas não afetando uma parcela tão grande da riqueza criada. O Estado deve ser repensado e temos de saber que Estado podemos e devemos ter. Devemos perceber onde é que o Estado deve intervir e do que se deve afastar. Esta situação está por fazer e a reforma do Estado tem sido constantemente adiada. Devemos reformar o Estado no sentido de este prestar melhores serviços com menor captação de riqueza criada.
Escreveu no seu livro, e também já tinha afirmado no seu discurso de tomada de posse como presidente da CIP/CEP, em janeiro de 2011, que é necessário “repensar a Europa, uma Europa que seja coesa e que defenda os seus membros e o euro”. O que é necessário fazer?
Devemos cumprir o que os pais da Europa, os seus criadores, pensaram quando a criaram. A Europa deve ser um espaço de coesão social, solidariedade de povos, um espaço que deveria caminhar no sentido federal, mas como esse sonho foi de alguma maneira abandonado pelos dirigentes atuais, temos hoje uma Europa desestruturada, seriamente ameaçada por novos fenómenos: recordo o problema das migrações, a incapacidade de resposta a que assistimos, o problema do terrorismo que, sendo novo, não vai acabar tão depressa – é um problema que se vai manter. A União Europeia está demasiadamente burocratizada, demasiado tolhida por tecnocratas, não se reformula, não se restrutura. A Europa não tem um modelo de desenvolvimento, não tem uma estratégia de competitividade. Temos grandes problemas de futuro em termos de dependências energéticas, isto por um lado. Por outro lado, tardamos em fazer as uniões bancárias. A Europa caminha a passo muito lento quando o mundo corre velozmente, e isso está a ser prejudicial para os cidadãos europeus.
Que balanço faz deste segundo mandato como presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal?
Faço um balanço positivo. Não cumpri, até agora, alguns dos objetivos que gostaria de já ter alcançado, nomeadamente a coesão do movimento associativo empresarial. Eu acho que o movimento associativo empresarial carece de ser repensado e restruturado, nós temos um número excessivo de associações, de confederações, se nos compararmos com outros países europeus. Somos um país pequeno e não devemos ter esta proliferação associativa. Uma associação que presta um serviço é como uma empresa que vende um serviço, e o produto associativo tem de ser repensado. É essa reflexão que tem de ser pensada, mas isso ainda não aconteceu. De resto, estou razoavelmente satisfeito porque o programa de candidatura, que definimos para este mandato – o segundo de três possíveis – está praticamente cumprido, a não ser neste ponto de uma maior coesão do movimento associativo.
Considera o Governo de António Costa disponível para dialogar com os parceiros sociais?
Sim, considero. O Governo de António Costa entrou mal, em termos da concertação social, pelo acordo que firmou com os seus apoiantes à esquerda – o PCP e o Bloco de Esquerda –, rasgou acordos que estavam em vigor na concertação social, sem levar a discussão a alteração dos mesmos, em casa própria. Falo, obviamente, no salário mínimo e na reposição dos feriados. O Governo entrou mal, mas já está calendarizada uma agenda, até final de 2016, onde iremos discutir um conjunto de temas importantes – que o Governo entendeu que deveriam ser discutidos em sede de concertação social – como o financiamento, a recapitalização das empresas, a competitividade e os seus fatores de melhoria, bem como a simplificação administrativa, vulgo Simplex. Um conjunto de temas.
Como é possível conciliar a sustentabilidade das finanças públicas e, ao mesmo tempo, estimular o crescimento económico do nosso país?
É uma equação muito difícil que já trabalhámos com o último Governo, mas são duas realidades que não podem deixar de estar associadas. Temos que procurar estabilizar e dar sustentabilidade a esta trajetória de recuperação da nossa situação financeira, temos de garantir a sustentabilidade das contas públicas, não podemos ter défices excessivos até por acordos europeus que estamos obrigados a respeitar, mas, por outro lado, temos de encontrar linhas de crescimento económico. É um trabalho que Portugal, sozinho, não conseguirá, temos de ter a ajuda da União Europeia, porque da mesma maneira que estamos hoje obrigados a cumprir regras comunitárias, em termos de contas públicas, é a União Europeia que tem que encontrar, ela própria, condições para que os Estados-membros promovam crescimento. Para promover crescimento tem de haver, necessariamente, uma política pública corretamente definida de apoio ao financiamento – temos de encontrar formas de financiamento da economia, temos de encontrar capitais próprios, temos de promover investimento público que arraste investimento privado. Tudo isto, com políticas fiscais amigas do investimento. É um caminho que não é fácil, mas que é possível.
Será necessário reorganizar a forma como as PME se financiam? O que há a fazer neste campo?
É urgente! É um objetivo que andamos a perseguir. Temos de saber recapitalizar as empresas, há mecanismos definidos para que seja possível desbravar caminhos. As empresas portuguesas têm que se agregar – numa primeira fase –, ganhar dimensão, por fusões e concentrações que devem ser incentivadas. Atualmente, 97% do tecido empresarial é composto por micro e pequenas empresas de/até 10 trabalhadores, temos uma batalha de internacionalização a travar que não se compadece com este cenário. É necessário aproveitar o Portugal 2020 e canalizar todos os esforços para este objetivo.
Quais poderão ser os custos da reposição das 35 horas semanais na função pública?
Eu gostaria muito de saber, mas pelo que sei, não foi feito nenhum estudo de custo-benefício como deveria ter acontecido. A única coisa que temos é a promessa do Governo, através do ministro das Finanças, de que isto tem que ser feito a custo zero. O ministro da Saúde veio depois afirmar que tal medida terá necessariamente custos, de horas extra, de novas admissões, etc. E num momento em que para a tal sustentabilidade das contas públicas tem que se fazer a reforma do Estado e tem que se reduzir a despesa, darmos sinais de que vamos aumentar essa despesa não me parece o melhor a fazer. Como os custos do Estado se refletem nos impostos, receio que o custo desta medida chegue até ao bolso de todos nós, em forma de impostos.
Falou em “compensação às empresas” na questão da reposição dos feriados. Quais serão as compensações justas?
Quando assinámos o compromisso com o crescimento, competitividade e emprego, em janeiro de 2012, com o Governo de Passos Coelho, os feriados foram-nos concedidos, não foram as entidades patronais que os pediram, foram propostos pelo Governo, através do ministro Álvaro Santos Pereira, porque o que nós exigíamos era a diminuição, seletiva, da TSU, porque é o custo do trabalho que importa reduzir para sermos mais competitivos. Obviamente que, no custo do trabalho, não vamos baixar salários, não é por baixos salários que alteraremos a economia portuguesa, é o inverso. É pela inovação, por produtos com valor acrescentado, que libertem mais margem às empresas, para que elas próprias possam, através deles, obter mais resultados. As pessoas têm de se sentir bem e de estar motivadas. Quando agora se anula a questão dos feriados, sem outras compensações, não há acordo equilibrado. O que nós pretendemos é que o acordo seja equilibrado, mas tem de haver uma compensação para as empresas. Desta forma, mantemos a mesma tónica, é na TSU que se deve mexer. Se não for assim, então, se as empresas precisarem que os seus funcionários trabalhem no feriado, que este não seja pago como feriado.
O que representa a implementação do valor do salário mínimo nos 530 euros?
Havia um acordo de salário mínimo, em vigor, que determinava que a comissão de avaliação iria produzir um trabalho, com base em três critérios: produtividade, crescimento económico e inflação, e com base nestes critérios, a comissão de avaliação determinaria qual o valor de salário mínimo em janeiro de 2016. Feitas estas contas, o salário mínimo, em janeiro de 2016, deveria ser de 511,77 euros. Vamos falar de 515 euros, com uma base negociável de 520 euros. Agora vêm dizer que o salário é de 530 euros porque foi isso que acordaram com os outros partidos de esquerda. Para a generalidade das empresas, esta medida não representa nada, porque a maioria já paga acima desse valor – recordo que o salário médio em Portugal são 950 euros. Dir-lhe-ia que 99% das empresas que representamos pagam acima desse valor. Temos, contudo, setores de atividade, e dentro destes, empresas que estão muito expostas à concorrência internacional, que pagam salários mínimos porque se confrontam com concorrentes cujos salários mínimos são 100, 120, 200 ou 300 euros. E não é preciso irmos para a Ásia, basta vermos qual é o salário mínimo na Polónia, na República Checa, na Eslováquia ou na Eslovénia. É verdade que não podemos apostar numa política de baixos salários, mas temos empresas que concorrem com esses países, com essas realidades sociais, e que podem perder encomendas e, consequentemente, trabalho. Entre gerar desemprego ou ter a razoabilidade dos salários, eu prefiro ter a razoabilidade dos salários. O problema desta medida é o efeito de arrastamento – porque quem já ganhava 530 euros, porque tinha funções de chefia, vai querer passar a ganhar 550 euros, por uma questão de justiça – e o efeito do aumento da massa salarial de uma empresa por aumento do salário mínimo é muito superior ao simples aumento do salário mínimo. Temos é que dar condições às empresas para terem uma gradual evolução na sua política salarial.
Qual é a sua opinião sobre o esboço do próximo Orçamento do Estado?
O esboço do próximo Orçamento de Estado está feito, na minha opinião, numa base de muita fé, tem fatores de muita fé, muita crença. O crescimento das exportações, num momento em que os nossos parceiros tradicionais registam crescimentos anémicos, com uma envolvente externa preocupante: com Angola, que tem sido um destino privilegiado das nossas exportações, com uma situação complicada por causa do preço do petróleo; com Espanha com amortecimentos; com Alemanha com arrefecimentos; a China a arrefecer; o Brasil… Temos uma envolvente que nos faz recear que este otimismo no valor das exportações seja excessivo, vamos acreditar. O crescimento de 2,1%, se compararmos com dados do Banco de Portugal, da União Europeia, o Governo é mais otimista e apresenta um crescimento de 2,1%. Gostaríamos até que fosse de 2,5% ou 3%, o que começava a fazer com que os nossos problemas desaparecessem. Agora, as premissas que este esboço nos apresenta, se não tiverem – na apresentação final do orçamento – sustentabilidade…É evidente que temos de ser realistas, o que acho é que o orçamento está feito numa base muito otimista.
Estaria disponível para cumprir outro mandato como presidente da CIP
É uma questão que começo a colocar a mim próprio. Ainda há trabalho para fazer, e por isso gostaria de terminar algumas tarefas e de fazer um terceiro e último mandato. Sendo que tal depende da vontade dos meus pares, terá de existir uma conjugação para que tal aconteça. Da minha parte tenho essa disponibilidade e determinação e tenho um conjunto de iniciativas pensadas, pela experiência acumulada nestes dois mandatos, que me fazem ter uma convicção firme daquilo que quero que a CIP seja, da CIP que quero deixar aos vindouros e das iniciativas que quero gerar no movimento associativo empresarial.