ÁLVARO BELEZA

“O OBJETIVO DA SEDES É INFLUENCIAR A SOCIEDADE PORTUGUESA, OS DECISORES POLÍTICOS E AJUDÁ-LOS A FAZER UMA BOA GOVERNAÇÃO”

Diretor do Serviço de Sangue do Hospital de Santa Maria, e professor de Medicina Transfusional na Faculdade de Medicina de Lisboa, Álvaro Beleza é o primeiro médico a presidir a SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social. Com uma vida pública entre a medicina e a política, Álvaro Beleza falou, em entrevista à FRONTLINE, sobre o passado, o presente e o futuro da SEDES, destacando a importância da associação para o crescimento económico de Portugal, com vista a melhorar a competitividade da economia portuguesa. Por outro lado, a SEDES tem também dado o seu contributo noutras áreas relevantes, em particular com a edição de livros: “no livro será apontada uma visão estratégica para a próxima década das várias áreas: economia, finanças, saúde e solidariedade, demografia, segurança social, educação, cultura, ciência, inovação e desenvolvimento, indústria, energia e ambiente, regulação, soberania e reforma do sistema político”, conclui o presidente da SEDES.Sobre o conflito na Ucrânia, o médico destaca a intervenção de Portugal: “Nós somos solidários, os portugueses sabem fazer o bem, vamos fazê-lo”, sublinha. Contudo, para Álvaro Beleza, a grande questão é o não cumprimento dos valores que a Europa defende e que devem voltar a ser cumpridos: “sermos uma Europa da liberdade, da tolerância, da igualdade de direitos e oportunidades”, conclui.

A SEDES surgiu em 1970, num período de rápidas mudanças económicas, que coexistiam com graves desequilíbrios socioeconómicos e bloqueamentos políticos estruturais. A verdade é que a sua existência continua a fazer sentido nos dias de hoje. Qual é, na sua opinião, o  real estado do nosso país, atualmente, quer a nível político quer socioeconómico?

Mais do que apenas falar do nosso país, mas falando do mundo, a verdade é que estamos numa encruzilhada. Saímos de uma pandemia, que muitos equipararam a uma guerra mundial, com efeitos na economia global, no nosso modo de vida, levando a uma revolução tecnológica digital – hoje as reuniões são muito mais através da plataforma Zoom, na medicina são muito mais telemedicina. E agora enfrentamos uma guerra na Europa, sem esquecer que as maiores guerras de sempre foram na Europa. Isto relembra-me que a democracia liberal e os nossos valores não são valores adquiridos, às vezes é preciso lutar por eles e, portanto, estamos aqui numa altura de facto complexa e desafiante. Quanto a Portugal, achamos que, nos 50 anos da SEDES, Portugal também chegou a uma encruzilhada. Isto é, os objetivos dos pais fundadores da SEDES foram atingidos: Portugal é uma democracia liberal, Portugal está na União Europeia, integrou-se na Europa, tem um Estado social mais desenvolvido, só que tem um problema: Portugal tem tido um crescimento económico anémico, tem uma dívida pública e privada brutal. Sendo um país muito endividado, quanto a nós, tem dois problemas fundamentais: primeiro, falta de crescimento económico robusto, e é preciso resolver esse assunto. Portugal tem que ter um crescimento que nos aproxime, pelo menos, da média europeia, porque estamos a ficar na cauda, fomos ultrapassados nos últimos anos por quase todos os países de Leste. E temos outro problema, que é o da falta de confiança das pessoas na democracia e nas instituições. Este último, quanto a nós, resolve-se com reformas estruturais em dois campos: leis eleitorais – aproximando os eleitores dos governantes a vários níveis, local e nacional; e a reforma da justiça, porque os três pilares de uma democracia liberal são o executivo, o legislativo e o judicial.

A justiça é essencial para a confiança dos cidadãos na sua República e o setor da Justiça precisa de reformas. Não só pela velocidade muito lenta com que acompanha a evolução digital, o mundo das novas tecnologias, para que a Justiça seja mais rápida, mais célere, mais eficaz; mas também pela preocupação que nós damos sempre a essa tónica da independência da Justiça, nomeadamente dos poderes executivo e legislativo. No equilíbrio dos poderes executivo, legislativo e judicial, em Portugal, há um excesso do poder executivo, um défice do legislativo e o judicial está doente, precisa de melhorias.

Qual tem sido o papel da SEDES nestes últimos anos?

O papel da SEDES foi fundamental antes do 25 de Abril. Foi criada em 1970, preparou muito o que aconteceu pós-25 de Abril, nomeadamente forneceu quadros à maior parte dos governos, da banca portuguesa, do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, incluindo ministros da Economia e das Finanças. Na área económico-financeira, a SEDES foi absolutamente estrutural. De referir também o contributo na área da Saúde, o professor Correia de Campos dedicou imensos livros sobre a construção do Serviço Nacional de Saúde, da educação pública nessas áreas.

A SEDES publicou sempre textos, relatórios, livros. Nos últimos anos, desde que estou na direção das SEDES, o nosso foco foi o crescimento económico, que reformas temos de fazer para que Portugal tenha mais crescimento económico, nomeadamente para melhorar a competitividade da nossa economia, que tem três ou quatro áreas fundamentais que temos defendido. A reforma fiscal, com a diminuição da carga fiscal a vários níveis, nomeadamente como nós defendemos, de termos os impostos diretos e indiretos mais baixos do que a Espanha, o nosso competidor do lado, o nosso vizinho. Devíamos ter uma carga fiscal inferior à espanhola no IVA, no IRS, no IRC e nos vários impostos.

Segunda questão, da competitividade das empresas também, a formação em inovação e desenvolvimento, as universidades – o ensino ligado às empresas –, a formação profissional muito no modelo alemão. Inspiramo-nos no modelo alemão, não é o modelo que temos em Portugal, que é muito do Estado. Devemos pôr as empresas a fazer essa formação, ligar, de facto, o mundo empresarial à formação profissional, à investigação.

Está a ser preparado pela SEDES uma espécie de plano estratégico para as próximas décadas, feito para várias áreas da governação. Essencialmenteque áreas serão visadas?

Vamos publicar um livro, dividido em três tomos, que ao todo tem mais de 1200 páginas, com as conclusões do congresso, dos vários grupos de trabalho temáticos, que transformámos em observatórios SEDES. Passa a haver, em cada mês do ano, um relatório anual de cada observatório temático. Por exemplo, o Observatório SEDES das Finanças escolheu o mês de novembro, pelo que todos os anos em novembro irá publicar o relatório. O da Saúde e Ação Social escolheu abril, o da Diáspora escolheu junho, cada observatório terá um mês.

São, para já, 10 observatórios temáticos, entre eles o da Justiça, o da Regulação, o da Soberania, que abrange temas como Segurança e Defesa, que agora é fundamental. Aliás, o texto publicado pela SEDES em dezembro apontava a necessidade de o orçamento da Defesa passar para 2% do PIB. Os países europeus e Portugal deveriam adotar políticas no sentido de fortalecer a nossa defesa comum.

No livro será apontada uma visão estratégica, para a próxima década, das várias áreas: economia, finanças, saúde e solidariedade, demografia, segurança social, educação, cultura, ciência, inovação e desenvolvimento, indústria, energia e ambiente, regulação e soberania, reforma do sistema político.

A SEDES subscreveu o projeto de reforma eleitoral de introdução de círculos uninominais e de um círculo nacional, adaptado do sistema alemão para Portugal. No fundo, é o contributo das SEDES para os partidos políticos.

Qual o objetivo destas publicaçõesPreparar um possível programa de governo ou será uma interessante inspiração para o próximo governo de maioria

Não. O objetivo é influenciar o Governo de Portugal a tomar essas medidas, e também os partidos políticos com assento na Assembleia da República. Isto é, nas últimas eleições, um dos textos que nós publicámos foi sobejamente usado pelos vários partidos, nomeadamente o CDS, que adotou a revisão na proposta eleitoral.

A Iniciativa Liberal, na área económica e financeira, adotou muitas das nossas posições de regulação. O PSD, na justiça e noutras áreas, adotou também muitas das posições. O Partido Socialista, pela primeira vez, falou na diminuição do IRC, do IRS e teve na sua campanha, como ponto essencial, a ligação das empresas às universidades.

A ligação da investigação ao mundo empresarial, isto é, investigar para vender, investigar para exportar. E essa ligação é essencial. Nós temos a geração mais qualificada de sempre, mas temos que a tornar útil, em Portugal, para que não tenha que emigrar. Temos de ter doutorados nas empresas, mas temos que ter empresas e empresários a dar aulas nas universidades. Nós temos que fazer aqui uma ligação maior entre o tecido empresarial e as instituições de ensino. O objetivo da SEDES é influenciar a sociedade portuguesa, os decisores políticos e ajudá-los a fazer uma boa governação.

A SEDES nasceu há muitos anos pelas mãos de um grupo de católicos progressistas. E foram esses católicosdurante muitos anos, os motores da organização. Agora, tem à frente um médico, chamado Álvaro Beleza. Como é que isto foi vivido dentro da SEDES ?

De forma muito tranquila. A SEDES é um conjunto de quadros que se preocuparam com o seu país, que dão algum do seu tempo livre para produzir textos, baseados na evidência da ciência e em casos ou países que tenham dado resultado. Somos muito práticos nessa matéria. Agora temos, pela primeira vez, um médico à frente da SEDES, a qual foi sempre plural.

O que espera deste novo governo de maioria?

Esperamos que tenha sucessos, uma vez que não está amarrado à extrema-esquerda para ter políticas de crescimento económico, garantindo que ninguém fica para trás. Porque esta é a chave do desenvolvimento económico e social ao serviço de todos. Mas tem de haver crescimento, se não houver crescimento não há distribuição de riqueza. Nós temos que criar riqueza para a poder distribuir melhor.

O governo tem hoje condições de estabilidade para poder levar essas políticas para a frente, e nós aqui estamos para ajudar a que isso seja possível. A SEDES vai funcionar como um observatório e, num tempo de maioria absoluta, é bom que a sociedade civil e a SEDES, enquanto a sociedade mais antiga da sociedade civil, tenham a responsabilidade de ser um observador atento à governação, e vamos fazê-lo.

Estão a contar com grandes reformas neste novo governo?

Portugal precisa de grandes reformas.

E há condições para isso?

Eu sou um otimista, sou médico, lido com a vida e com a morte. Acredito sempre que é possível e estamos sempre numa atitude construtiva. Mais do que diagnósticos, a SEDES apresenta sempre proposta de terapêutica. Podemos não estar certos, mas apresentamos as propostas que achamos que são as adequadas. E já agora, não inventamos, defendemos terapêuticas que foram usadas pela Irlanda, pela Holanda, pela Lituânia ou países da nossa dimensão e que deram um bom resultado.

 

“Precisamos de uma carga fiscal mais baixa, a começar pelo IRC. Este é um problema ideológico da esquerda, que no fundo é um problema cultural de inveja porque nós somos um país pobre.” Esta frase é sua, o que espera, a este nível, do próximo Governo?

Espero que o Governo faça o caminho nesse sentido da diminuição do IRC. Já temos a diminuição do IRC, mas é caso a caso, para o investimento estrangeiro, as empresas que querem investir em Portugal – e são muitas. Negoceia-se com elas, no fundo e em segredo, isenções fiscais a vários níveis, durante muitos anos.

O que achamos é que tem de haver essa diminuição fiscal para todos, para os estrangeiros, para todos. E, portanto, tem de haver um IRC competitivo. Isto significa que temos de ter um IRC mais baixo que os nossos competidores: Espanha, os países do Leste, a Irlanda. Para isso temos que ter um crescimento a 3, 4% ao ano.

Claro que agora estamos aqui a falar de uma altura de guerra, que vem pôr em causa tudo isto. Portugal vai ter de gastar muito mais dinheiro em Defesa, como todos os países europeus. Mas isso também é uma oportunidade de crescimento industrial. Aliás, nós abordamos isso.

A Defesa é muito importante para Portugal. Não é por acaso que em países como os Estados Unidos, que são a maior potência militar, grande parte da indústria de tecnologia é desenvolvida pela Defesa.

A redução fiscal é uma meta a atingir em Portugal ou é apenas uma miragem”?

Tem de ser uma realidade. Nós temos de baixar a carga fiscal, até para não deixar os quadros jovens fugirem de Portugal. Mas temos de o fazer de forma inteligente.

Na sua opinião temos impostos a mais em Portugal? Será que os impostos não são o garante de um Estado Social?

Claro que os impostos são o garante de um Estado Social e temos de ter impostos e temos de ter o Estado Social. Mas em Portugal temos um sistema fiscal demasiado complexo, o que favorece os poderosos. A reforma fiscal que defendemos é a simplificação fiscal, porque isso é, em si mesmo, diminuição da carga e justiça fiscal. Quanto mais simplificação, mais igualdade. Os mais pequenos, os mais fracos, são prejudicados por este sistema.

Que leitura faz dos resultados das últimas eleições legislativas?

Foram uma surpresa. Os portugueses escolheram a estabilidade e não querem um governo dependente do PCP ou do Bloco de Esquerda. E eu acho que isso é uma atitude inteligente! Aliás, tivemos sorte, os portugueses parece que adivinharam. Imagine o que era agora ter um governo dependente, para a governação, de um partido que ainda acredita na Rússia…

A Europa tem que manter e fortalecer a sua ligação aos Estados Unidos e à Aliança Atlântica. Sem isso não temos defesa da democracia liberal europeia e do Estado Social Europeu.

Analisando agora o que se passa na Ucrânia, como encara a vinda de tantos refugiados ucranianos para Portugal? Temos capacidade para receber estas pessoas e para lhes dar uma segunda oportunidade com a dignidade que merecem?

Temos o dever de o fazer. Nós somos solidários, os portugueses sabem fazer o bem, vamos fazê-lo e isso vai-nos ajudar. Portugal é um país envelhecido, e os ucranianos que cá se fixarem vão ajudar ao nosso desenvolvimento económico e crescimento demográfico. Para o crescimento económico, Portugal precisa de ter os braços abertos à imigração. Mas mais do que tudo, é uma questão de valores, nós temos que ter brio nos valores que defendemos: sermos uma Europa da liberdade, da tolerância, da igualdade de direitos e oportunidades.

Quais serão, para Portugal, curto prazo, os efeitos mais visíveis deste conflito entre Rússia e Ucrânia?

A curto prazo todos sofremos porque a inflação, que já estava aí, vai ser maior. A escassez de alguns bens, que já estava aí, aumenta. Contudo, para Portugal há oportunidades, porque Portugal é o porto de abrigo da Europa, é o porto de abrigo mais ocidental da Europa. E como se percebe, situações de conflito no centro da Europa são possíveis e vão ser sempre possíveis, não dependem só do senhor Putin.

Daqui a 50 anos pode aparecer outro, e Portugal tem um valor geoestratégico que é mais relembrado nesta situação, até porque é meio caminho entre a Europa do Centro e os Estados Unidos – o nosso grande aliado do Atlântico – e é um porto de abrigo. A última guerra europeia que cá chegou foram as invasões napoleónicas, e Portugal, apesar de tudo, tem também neste investimento que vai haver na Defesa de estar atento a essas oportunidades.

Este conflito poderá servir para que os países, entre eles Portugal, passem a depender menos de produtos externos? Temos necessidade desta dependência ou, por outro lado, temos capacidade para produzir muitas das matériasprimas que importamos?

Quanto à Energia (a SEDES publicou recentemente um artigo sobre este tema), temos aqui uma oportunidade. Aliás, os americanos tinham defendido que a Europa podia aproveitar o gás americano, via Sines, e os outros portos da Península. Vamos ter aqui um papel no gás, que é uma energia de transição, até à descarbonizarão total em Portugal.

Portugal já tem energias renováveis em larga escala, tem o solar pouco desenvolvido, mas o que precisamos é de ter cuidado nesta questão do ambiente, “distribuir os ovos pelos chefs”, isto é, temos que ter energia da água, do vento, do sol, mas estas opções não nos garantem energia durante as 24 horas do dia, portanto, precisamos das outras. Falamos de gás e carvão – estou convencido de que vamos ter que reabrir a central de carvão em Sines. Em Portugal não faz sentido termos energia nuclear, mas faz sentido que exista no resto da Europa. Sines é o segundo maior porto europeu de águas profundas a seguir a Roterdão e é o porto da Península Ibérica com maior capacidade de gás e também de hidrogénio. Temos que diversificar, temos de ter de tudo um pouco.

Estamos perante a Terceira Guerra Mundial. Na sua opinião a NATO já deveria ter tido uma posição mais ativa?

Eu acho que a posição que a NATO está a tomar é correta, e a da União Europeia também. Espero que não estejamos no princípio da Terceira Guerra Mundial, mas para isso é necessário travar já o senhor Putin. Acredito que a Rússia está a ser esmagada economicamente, e a China, indiretamente, também sofre com esta guerra. E se houver mais sanções, a China sofrerá. A China é um gigante económico, mas com pés de barro, falta-lhe muita coisa para ser uma potência como o são os Estados Unidos. A China vai, ela própria, perceber que tem de haver aqui um acordo e vai ajudar a que a Rússia faça esse acordo.

Como é que gostava de ficar lembrado nesta sua passagem pelas SEDES ?

Gostava de ficar lembrado como aquele que ajudou a reconstruir a SEDES, a torná-la verdadeiramente portuguesa. Levar a SEDES a todos os distritos e regiões de Portugal incluindo a diáspora e CPLP, uma SEDES da língua portuguesa num Portugal global, atlântico e europeu. E, por último, gostava de ser lembrado como aquilo que sou, médico.

Os nossos agradecimentos ao Hotel Cascais Miragem Health & Spa pelo apoio nesta entrevista.

 

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