“NESTE MOMENTO, A MAIOR PARTE DOS GOVERNOS EUROPEUS GUIA-SE MENOS PELOS TRATADOS QUE ESTÃO EM VIGOR DO QUE PELOS INTERESSES QUE SÃO DEFINIDOS POR CADA UM DELES”
Jurista, político e professor universitário, nascido em 1922, Adriano Moreira assumiu cargos públicos desde jovem, tendo sido figura destacada do Estado Novo no âmbito da política colonial: foi ministro do Ultramar, fundou e dirigiu institutos de estudos africanos, presidiu à Sociedade de Geografia de Lisboa, entre outros cargos. Depois do 25 de Abril, tornou-se uma das personalidades de referência do Centro Democrático Social (CDS) e parlamentar respeitado. Retirou-se da vida política em 1995, recebendo homenagens de várias formações. Desde essa altura, Adriano Moreira continua a dedicar-se ao ensino, à investigação e à escrita. Quando lança o seu olhar sobre a sociedade atual, este pensador afirma que existe uma mudança que “podemos e devemos considerar positiva”, referindo-se a “uma ambição entre a vida habitual e o aceitar a mudança equilibrada com respeito recíproco”. Durante grande parte da sua vida, Adriano Moreira afirma ter vivido numa sociedade em que “não era evidente o sentido de que há sempre uma dinâmica que acompanha a mudança” e, na sua opinião, isto foi o que se tornou “mais evidente” com o 25 de Abril. Quanto à Europa, o antigo presidente do CDS não tem pudor em afirmar que os responsáveis estão a precisar de uma “excelentíssima e reverendíssima reforma”, de modo a que os diferentes governos superem os problemas de “autenticidade”. Ciente de que, mesmo com o fim do programa de assistência, a austeridade vai continuar, o professor prefere não atribuir para já uma nota ao Governo…
Numa construção de vida que passou pela política mas também pela atividade académica, que importância tem a família que construiu?
Eu sou de Trás-os-Montes, onde a família é uma instituição muito forte, e hoje tenho ainda, constantemente, na minha lembrança o meu avô materno (não conheci o paterno porque já tinha morrido quando eu nasci). Tenho sempre presentes os comentários, conselhos e opiniões que ele me deu e que nunca desapareceram da minha memória. Foi sempre essa conceção que me orientou e que, felizmente, foi correspondida por uma família muito sólida, unida nos bons e nos maus momentos.
Como define a atual sociedade portuguesa? Que diferenças encontra hoje na sociedade atual face àquela que conheceu?
Há uma mudança que podemos e devemos considerar positiva: uma relação entre a vida habitual e o aceitar a mudança equilibrada com respeito recíproco. Grande parte da minha vida, sobretudo jovem, foi numa sociedade portuguesa que correspondia a uma sociedade de vida habitual, em que não era evidente o sentido de que há sempre uma dinâmica que acompanha a mudança. E isso foi aquilo que se tornou mais evidente com o 25 de Abril. Infelizmente, a evolução da Europa tem repercussões em Portugal e está a afetar um valor fundamental – que tem de ser avaliado e considerado nesta evolução entre a vida habitual e a vida que está atenta aos mecanismos da mudança – que é a circunstância de que aquilo que identifica, sobretudo, uma comunidade nacional é a comunidade de afetos. Neste momento, as políticas – não apenas internas, algumas delas importadas – estão a afetar a comunidade de afetos. É disto exemplo a oposição entre os interesses dos mais velhos e os dos mais novos, entre os estatutos dos funcionários públicos e os dos empregados da atividade privada, entre imigrantes e nativos, e assim por diante. Acho que a atenção a este valor da comunidade de afetos foi muito afetada, em toda a Europa, em todo o Ocidente e em Portugal, por uma circunstância que tenho vindo a expressar, dizendo que o credo do mercado está a tomar o lugar do credo dos valores.
A realidade atual é uma das mais graves que já vivemos, ou Portugal passou já por momentos bem piores?
Em primeiro lugar, houve uma circunstância grave em Portugal, que foi a Guerra do Ultramar. Naturalmente isso afetou bastante a comunidade portuguesa. A princípio, tanto quanto eu posso testemunhar, a comunidade nacional, mal informada sobre a realidade no terreno, acompanhou com grande entusiasmo a política de resistência, porque o conhecimento dos valores históricos era mais repartido do que o conhecimento da realidade. E essa realidade acabou por levar a um cansaço da comunidade, porque não se verificou um corolário de intervenção que foi, muito claramente, posto em evidência pelo exército, nessa altura. O fim da guerra não significou para os povos desses territórios um projeto de descolonização consistente que evitasse maiores sacrifícios. Mas ainda assim houve uma recompensa para o povo português, que foi a criação de uma organização que mais ninguém tem, que é a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. O que mostra que a solidariedade desses povos, em latitudes tão diferentes, tem um valor fundamental a uni-los – para além da língua –, aquilo a que eu às vezes chamo de “a maneira portuguesa de estar no mundo”.
Qual foi, para si, a maior conquista de Abril? Porquê?
A possibilidade, independentemente da mudança da vida interna, de se conseguir definir uma solidariedade em paz com os povos que tinham sido objeto da colonização, sendo que é muitas vezes esquecido que essa colonização, no último império português, era apenas uma parcela do império euromundista. Custou enormes sacrifícios, mas julgo que, apesar de tudo, houve sacrifícios mais inaceitáveis: a França no Vietname e na Argélia, entre muitos outros exemplos. Em suma, foi uma mudança de época, de predomínio do Ocidente, foi o fim do império euromundista. Todos pagaram a sua quota, e nós também pagámos a nossa, mas ainda assim conseguimos ter uma organização como a CPLP.
Considera que os sucessivos governos têm vindo a perder a sua legitimidade? O que há a fazer para alterar esta tendência?
Eu acho que esse não é um problema apenas de Portugal, neste momento é mesmo um problema europeu e que está a afetar, seguramente, a solidariedade da União Europeia. Os governos têm dificuldade em compreender que há uma certa diferença entre legitimidade de aquisição do poder por votos e uma coisa cruel, que começa no dia seguinte à tomada de posse, que é a avaliação da coerência entre o que fazem e o que tinham prometido, a legitimidade de exercício. Neste momento, a maior parte dos governos europeus guia-se menos, aparentemente, pelos tratados que estão em vigor do que pelos interesses que são definidos por cada um deles e que põem em causa a coerência entre a legitimidade da tomada do poder – com obediência aos tratados existentes – e a legitimidade do exercício. E é por isso que eu acho que neste momento a Europa está a sofrer de alguns erros que não podem voltar a ser cometidos, designadamente a política furtiva, que foi o que dominou nestes últimos anos e que se traduz na falta de participação das populações e dos parlamentos nacionais. Sabemos das políticas pelos efeitos, não tomamos parte na definição. Em segundo lugar, esta espécie de afastamento entre os Estados Unidos e a Europa parece que está a crescer, o que faz esquecer que a crise que estamos a viver é sobretudo ocidental. Em terceiro lugar, a falta de observância de coerência entre a legitimidade do poder e de exercício faz com que a divisão entre a Europa rica e pobre se tenha acentuado de uma maneira altamente preocupante. Se reparar, temos neste momento, de um lado, Chipre, Grécia, Itália, Espanha, Portugal e talvez já um pouco a França, isto é o Limes do Império Romano, é o Império Romano pobre. Designadamente em relação ao nosso país, reparamos que, pelos caminhos por onde chegaram os bárbaros, para invadirem o Império Romano, seguem os habitantes à procura de trabalho e de futuro. Penso que os responsáveis pela Europa estão a precisar de uma “excelentíssima e reverendíssima reforma”, para que o problema de autenticidade do Governo volte a vigorar. Considero também que é mais do que necessário que a articulação com as Nações Unidas seja revigorada. As Nações Unidas, salvo erro, neste momento têm 149 Estados, e mais de metade não tem recursos para enfrentar os simples desafios da Natureza: terramotos, inundações, pestes, etc., o que faz com que as Nações Unidas sejam um templo de oração para um deus desconhecido, a quem se pede intervenção para que as coisas melhorem, e isso é uma pena porque este é o único lugar do mundo onde todos falam com todos. E há uma coisa que não compreendo: se a crise financeira e económica é global, como é que ainda nunca foi convocado o Conselho Económico e Social das Nações Unidas até hoje?
Estamos a perder o “amor pela Europa”? Como justifica?
O problema é que não é só o amor próprio. A Europa parece ter em pousio os órgãos de governo da União Europeia. Por exemplo, o Conselho Europeu tem sido palco da voz dos países atingidos pela crise a reclamar que os princípios de solidariedade sejam observados? Pelo contrário, há uma espécie de tendência para o diretório, que é absolutamente inquietante quando se olha para a história antiga. Cada vez que apareceu o diretório, nós não tivemos bons dias na Europa. Por outro lado, esta situação inquietante de a pobreza ter passado do Sul do Sahara – que era, mais ou menos, a fronteira que se indicava em meados do século passado – para o Limes romano veio acompanhada de uma pretensa defesa e segurança autónoma da Europa em face da antiga aliança. Eu tenho dificuldade em ver, nos orçamentos europeus, migalhas que cheguem para organizar uma segurança comum, nesta altura em que a pobreza alargou desta maneira e que o Mediterrâneo está transformado num cemitério de emigrantes e em que a agitação dos povos, sobretudo muçulmanos, torna numa espécie de utopia a ideia de solidariedade com a África.
Como professor, tendo o Governo como aluno, que nota lhe daria nesta saída e gestão da crise?
Ficava à espera do júri para saber qual era a média que lhe atribuía… Esse júri chama-se eleições.
Disse recentemente que Portugal está a ser governado por um “neoliberalismo repressivo”. Como Justifica?
Justificação não tenho, porque não há valores que justifiquem a evolução… mas explica-se… e, em palavras muito cruas, eu tenho tentado explicar as coisas desta maneira. Nós vivemos 50 anos não segundo o regime das Nações Unidas, mas segundo o regime dos pactos militares – NATO e Varsóvia. Com duas ideologias muito claras, que se confrontavam. Uma naturalmente soviética e outra democrática. Quando caiu o Muro, entrámos numa época em que separámos os tempos, já não existia intervenção de grandes homens por grandes inspirações, mas por ruínas, portanto quando veio a ruína do muro, o conflito ideológico parece ter sido substituído por um comum neo-riquismo e todos os Estados passaram a gastar mais do que os recursos que tinham. Foi isso que me levou a escrever há uns anos um livro onde dava conta de que Portugal estava a gastar mais do que tinha. Os países mais fracos sofreram mais consequências e ficaram num regime, como o português, que foi qualificado como regime de protetorado. De notar, em jeito de conclusão, que nos países democratas, mas que praticaram também o neo-riquismo – e que estão, claramente, a procurar solução nesse neoliberalismo –, essa tendência veio acompanhada de uma política repressiva – baixa de salários, aumento de impostos, etc.
O que pensa da opção tomada pelo Governo de uma “saída limpa”? Quais as vantagens? E desvantagens?
Eu acho que, aí, existe o problema da semântica… Corte adjetivos e fica-lhe a saída.
Receia que tenhamos de enfrentar uma nova vaga de austeridade? Vamos assistindo a pequenos ajustamentos…
Não tenho dúvidas de que a austeridade vai continuar.
Os reformados e os funcionários públicos têm sido dois dos grupos mais atingidos por esta crise. Como justifica? Temos funcionários públicos a mais?
Provavelmente não é esse o princípio que está em causa. O grande princípio que está em causa é o da escolha e é a atitude em relação ao Estado Social. É evidente que o Estado Social traz encargos e não pode ser esquecido que tem uma convergência da doutrina social da Igreja com o socialismo democrático. E quando em Portugal se tem referido o Estado Social, é interessante que a resposta que dão, em regra, é: “Mas não há dinheiro!” A pergunta sucessiva que me ocorre é: “E princípios?” A definição de Estado Social em Portugal é um conjunto de princípios, não é um conjunto de imperativos. É a saúde que tende para gratuita, conforme as possibilidades; é o ensino que tende para ser gratuito, segundo as possibilidades; e quando, em vista das políticas boas ou más que se tenha, os recursos não chegam, isso não implica que se revoguem os princípios, é melhor assumir que as responsabilidades se tornaram mais sérias. Se os princípios são bons, devem manter-se.
Soubemos recentemente que a troika continuará a visitar o nosso país nos próximos 24 anos. Os governos e Portugal continuarão reféns da troika?
Eu não gosto de ver os ministros do meu país a falar com empregados da troika. Eu tenho empregados portugueses que sabem tanto ou mais do que os empregados da troika e que podem conversar com eles. O lugar dos meus ministros chama-se Conselho Europeu, e aí, aquilo que é necessário assumir, com confiança, é que o poder da voz vence a voz do poder, muitas vezes. Como é a salvação da unidade europeia, a autenticidade que está em causa, o lugar dos ministros é no Conselho Europeu e não a falar com empregados da troika.
Deverá existir um compromisso entre os três principais partidos neste período pós-troika?
O mundo mudou e os partidos têm de fazer uma reflexão sobre qual é a sua resposta a este novo mundo. Não há nenhum partido que não esteja na circunstância de não ter que fazer isso e eu tenho a sensação de que aquele que mais mudou, embora não pareça, é o Partido Comunista, que tem alterado os seus comportamentos, objetivos e intervenções. Os partidos têm que redefinir a sua atitude em relação ao mundo que mudou.
Precisamos de novos partidos?
A população o dirá.
Ficou conhecido por ser um dos primeiro a afirmar que “a culpa morre solteira”. Os responsáveis por esta grave crise que enfrentamos foram devidamente identificados?
Eu acho é que não morreram todos…
Deveria haver, na sua opinião, um ajuste de contas?
A afirmação frequente do Governo é que não há outro caminho. O ministro Vítor Gaspar escreveu uma carta a dizer que se tinha enganado, mas essa carta desapareceu. Contudo, a política que definiu é a que está a ser seguida. Os académicos sabem, sobretudo nas Ciências Sociais, que não têm conhecimentos que lhes permitam fazer juízos de certeza e também sabem que fazer juízos de probabilidade é uma audácia, e que para fazer juízos de possibilidade é preciso fazê-los com a consciência de que pode acontecer outra coisa. É um erro as pessoas julgarem que só há um caminho. Por outro lado, o não reconhecer os erros do passado é uma grande falha para redefinir a nova atitude. Um dos problemas da crise atual, que o Ocidente está a sofrer, é justamente existir pouca experiência do passado, e essa experiência, na medida em que foi errada, é esquecida. Essa atitude não é a mais aconselhada. Recordo-me que, no fim da última Guerra Mundial, os homens que pensaram unir a Europa para que tal não voltasse a acontecer, na minha opinião, são dignos de santidade, porque pensar no sacrifício que foi a guerra para eles, para os seus povos, para os seus países, e transformá-lo em sabedoria é muito digno. Mas isto não tem a ver somente com valores cristãos, Mandela teve essa santidade, Gandhi teve essa santidade. É esse exemplo que é necessário.
Enquanto antigo líder do CDS, que análise faz da atuação do atual líder Paulo Portas? Portas tem conseguido manter-se fiel aos valores do partido, mesmo no meio desta grave crise?
Eu acho que há um problema na Europa. Esta Europa foi construída pela Democracia Cristã, os três grandes líderes eram cristãos, da Democracia Cristã. Devo dizer que eu próprio fui presidente do Centro Europeu de Informação e Documentação, que tinha delegações talvez em 17 países e era a Democracia Cristã que vigorava. Depois, o maior europeísta do nosso tempo, do século passado, Coudenhove-Kalergi, que era húngaro mas nasceu em Tóquio e ensinou na América, era um homem extraordinário. Em todos os congressos dele, estiveram presentes os grandes líderes que depois vieram a fazer a paz. Essa Democracia Cristã, praticamente, deixou de guardar a Europa, e até o Papa Francisco está atento e reconhece a grande luta que tem de empreender porque a crise dos valores cristãos é enorme, a diminuição dos fiéis é enorme, e isso também se reflete nos próprios partidos, portanto, há conflitos em todos os partidos. Alguns dos valores que são comuns aos partidos – porque eles não podem ser partidos diferentes num país e não ter valores em comum – são muitas vezes sacrificados, em todos os países europeus. E um partido português não pode estar isento disso, e eu não gosto de fazer juízos de coisas que eu não sou obrigado a sofrer.
Continua a identificar, no CDS, a linha democrata cristã fundadora do partido? Revê-se na linha que está a ser seguida?
Tenho de reconhecer que é muito frequente que membros da Democracia Cristã, incluindo o CDS, tornem claro que estão a fazer um sacrifício, e isso é preciso ter em conta. Porque uma das coisas é abandonar os valores, outra é não os conseguir impor, em função de outras exigências, e eu prefiro que seja esta a situação.
É dos poucos líderes que se manteve sempre no partido. O que o levou a não se afastar?
Quando fui chamado ao Governo, não pertencia a nenhuma formação política, nem à Mocidade Portuguesa (era obrigatória até aos 14 anos, mas quando apareceu eu já tinha essa idade). A minha família era muito pobre, e já me chegava ir e vir todos os dias de Campolide a pé. Quando aceitei fazer isso, foi porque eu tinha escrito que era necessário fazer aquelas reformas. O que lhe vou dizer é uma vaidade, mas o marquês de Pombal acabou com a escravatura aqui, o marquês Sá da Bandeira acabou com a escravatura nas colónias portuguesas, e eu acabei com o “indigenado”, o trabalho forçado e as culturas obrigatórias. Isso, para mim, não tinha nada que ver com o regime, tinha que ver com uma coisa que era absolutamente exigida pela dignidade daquelas populações. Não tive nenhuma ambição e, espero que isso seja claro, mantive-me fiel aos meus princípios. Tive grandes amigos, como o foi D. Sebastião de Resende, e uma das coisas que acho espantosa em Portugal é que a herança dele não ficou na Democracia Cristã, não sabem quem foi o D. Sebastião de Resende.
Passa a imagem de uma pessoa serena e tranquila. O que o faz perder essa serenidade?
Como lhe disse, nasci numa família muito simples, veja que tenho cá agora um banco de pedra onde o meu avô se costumava sentar na aldeia a ler o jornal – que foi um presente dos meus filhos e já lá estive sentado a ler o jornal. No primeiro livro de memórias que escrevi, A Espuma do Tempo, eu disse que a doutrina, quem me ensinou foi a minha mãe, e é a isso que continuo fiel.
O que mais aprecia nos outros?
Eu acho que é necessário ver sempre no outro o semelhante. Julgo que é das coisas mais importantes e que é preciso implantar na vida europeia. Primeiro, tenho que substituir a tolerância pelo respeito. Eu só tenho de ser tolerante para as coisas que não gosto, para as outras, tenho de ter respeito. De notar que no edifício das Nações Unidas existe uma sala que é um templo de meditação para todas as religiões. É preciso ter respeito, e não tolerância. É preciso transformar o combate no diálogo, isso é que é absolutamente necessário. E é preciso saber que o eixo da roda são esses valores que não mudam. Enquanto o mundo muda, há valores que não mudam enquanto tudo à volta se transforma.
O que ainda lhe falta fazer?
Eu ainda dou aulas na Universidade Católica, faço diversas conferências, que faço porque acho que devo, mas já precisava de ter mais descanso. Mas há coisas que me honram, eu acho que Portugal tem duas janelas de liberdade que tem de cultivar: uma delas é a CPLP e a outra é o mar, eu tenho defendido isso. No ano passado dei aulas no Brasil, na Universidade Católica, na Escola da Marinha de Guerra e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército – pediram-me para ir encerrar um colóquio promovido pela Escola da Marinha de Guerra –, e acontece que agora fui convidado pelo Senado do Brasil para ir lá. Para ser franco já me custa, mas vou. Tenho outro convite para ir a Espanha: um dos perigos que corre a Europa é a divisão das identidades estaduais. Isso está a passar-se com a Espanha, passou-se já com a Checoslováquia, está a passar-se com a Bélgica, com a Inglaterra, não me admiro que se passe com a França – a Bretanha, por exemplo. Acho que se se começa a criar tantas divisões, o sonho da unidade desaparece.
O que é que gostava que a história dissesse de si?
Lembro-me sempre de um poeta brasileiro, que eu li muito jovem, que dizia: “quando eu morrer quero deixar uma página”; depois acrescenta: “pode ficar em branco, pode nem sequer ficar com o meu nome”.