SPORTING: Uma reflexão que se impõe – Escrevo este texto na ressaca (dia seguinte) dos acontecimentos mais vergonhosos da história de uma instituição centenária e do desporto nacional. Uma espécie de “guarda pretoriana” nas vestes de um simulacro de adeptos do clube invadiu a academia e centro de formação e agrediu selvaticamente os jogadores do clube, staff médico e todos quantos se atravessaram no seu caminho. Este episódio que nos envergonha a todos, os amantes do desporto – em particular os sócios e adeptos do Sporting Clube de Portugal, como o aqui signatário –, exige uma profunda reflexão sobre o estado do futebol em Portugal e as mudanças que se impõem nos clubes e no dirigismo desportivo, no associativismo, bem como na própria legislação desportiva e de violência no desporto.
Comecemos pelo dirigismo e funcionamento dos próprios clubes. O que está a suceder no SCP é mais um exemplo de que nenhuma instituição é demasiado grande para cair no abismo se não forem criados mecanismos de controlo interno que minimizem os riscos de balcanização e epifenómenos de presidencialismo que grassam no futebol português. A falta de democracia no funcionamento dos clubes em Portugal é gritante, com sucessivos episódios de condicionamento e intimidação de sócios e vozes discordantes. As Assembleias Gerais foram sucessivamente transformadas em verdadeiros circos romanos, em que sócios são silenciados e humilhados. Isto leva a outras reflexões, como seja a incapacidade de os órgãos sociais exercerem de forma efetiva as suas funções, em particular o Conselho Fiscal e Disciplinar que em regra vive numa total inércia e sujeito ao jugo dos membros executivos.
Violação de estatutos
Quantas vezes o presidente Bruno de Carvalho violou os Estatutos do clube, em particular o artigo 21.º, que, entre outros deveres, impõe a todos os sócios, com especial enfoque para os membros dos órgãos sociais, zelar pela coesão interna do clube? O atual presidente tem pautado a sua atuação afrontando membros dos órgãos sociais, sócios, antigos dirigentes e, pasme-se, os próprios atletas e técnicos do clube! Mas não existem inocentes no contexto atual do desporto português. Desde uma política de comunicação assente na ofensa e numa espécie de terrorismo comunicacional com todos os agentes desportivos, passando pelas suspeitas de manipulação de resultados e corrupção, episódios de violência de membros de grupos de adeptos organizados, agentes desportivos detidos, fixação de resultados, a tudo temos assistido nos últimos anos com total passividade por parte de adeptos, órgãos disciplinares e federações e ligas com responsabilidade de gestão das competições desportivas. Sejamos claros: falta cultura desportiva em Portugal e impõe-se uma limpeza geral e reformulação completa dos quadros dirigentes, associativos, regulamentos disciplinares e agentes desportivos em geral.Sem uma profunda reforma e um ataque feroz a esta forma de estar no desporto, ninguém poderá estranhar ou manifestar perplexidade com a ocorrência de crescentes fenómenos de violência em Portugal. Não basta o sistema judicial agir, impõe-se a imposição de castigos exemplares, a suspensão de dirigentes e outros agentes desportivos, bem como o afastamento dos recintos desportivos de todos os que pautam a sua conduta pelo terror e violência, transformando a festa do futebol em guerras civis e potenciais batalhas campais.Isto obriga naturalmente a uma alteração do atual quadro legislativo em matéria de violência no desporto, impondo sanções mais graves para todos os que possam contribuir para o incitamento à violência dentro e fora do âmbito de competições desportivas, epermitindoa suspensão de dirigentes, bem como a inibição do exercício de funções em sociedades desportivas e clubes.
Palavras de louvor
Uma palavra final de louvor aos profissionais do clube, cujo profissionalismo e dignidade são merecedores de admiração não só por parte dos desportistas em geral. O Sporting e os seus adeptos não merecem passar por esta situação, sendo que a única saída digna para os atuais membros dos órgãos sociais é apresentar a demissão e devolverem de facto o clube aos seus sócios. Chegou a altura de todos assumirmos a responsabilidade e dizer BASTA!
por Samuel Fernandes de Almeida
Advogado e sócio do Sporting Clube de Portugal