SAÍDA LIMPA… MAS COM MONITORIZAÇÃO ATÉ 2038
Passos anunciou que Portugal dispensou um programa de crédito cautelar, mas reconheceu que a austeridade veio para ficar por mais uns anos.
Portugal vai sair do Programa de Assistência Económica e Financeira sem recurso a qualquer linha de apoio cautelar dos parceiros internacionais. O anúncio do primeiro-ministro chegou no início de maio sem grande surpresa, numa altura em que já todos os analistas antecipavam a chamada “saída limpa” do programa que durante três anos deixou Portugal sob “protetorado”, como classificava habitualmente o vice-primeiro-ministro Paulo Portas. A saída sem programa de crédito cautelar acabou por ser a opção do Governo, seguindo o exemplo da Irlanda e numa altura em que os vários países europeus resistiam em assumir mais compromissos futuros com Portugal, sobretudo num contexto de eleições europeias. “Depois de uma profunda ponderação de todos os prós e contras, concluímos que esta é a escolha certa na altura certa. É a escolha que defende mais eficazmente os interesses de Portugal e dos portugueses e que melhor corresponde às suas justas expectativas”, disse o primeiro-ministro na declaração em que fez o anúncio ao país. É tempo agora, disse Passos, de Portugal “começar a sarar as feridas”. Mas em que se traduzirá esta saída “limpa” que várias personalidades tinham desaconselhado? Cavaco Silva, Durão Barroso, Oli Rehn, Vítor Gaspar ou Eduardo Catroga foram alguns dos nomes que alertaram para a necessidade de Portugal ter uma rede de segurança. Mas na hora de elogiar a saída limpa, o Presidente da República foi o primeiro a vir elogiar o passado e apontar o dedo àqueles que foram antecipando um segundo resgate: “O que dizem agora?”, escreveu Cavaco na sua página do Facebook. Para garantir a saída limpa, Portugal livrou-se da assinatura de um “minimemorando”, como terá exigido inicialmente a troika. Mas acabou por ter que se comprometer com uma carta de compromissos. A esta altura o seu conteúdo ainda não é conhecido. Que medidas terão ficado prometidas aos parceiros internacionais é ainda um segredo bem guardado no seio do Executivo. A oposição bem que apelou à revelação do “minimemorando”, como lhe chamou o PS, antes das eleições europeias de 25 de maio, mas o Governo não cedeu. Durante o mês de maio, a equipa governamental e a maioria PSD/CDS destacaram os pontos positivos da saída limpa. O facto de ter sido possível evitar um segundo resgate foi a mensagem de ordem, e a garantia de que a consolidação orçamental é um caminho que não pode ser invertido no futuro, a certeza deixada.
Juros abaixo de 4% garantem saída limpa
As condições para evitar um cautelar foram garantidas pelo Governo nos últimos meses de troika em Portugal. A yield da dívida a 10 anos marca 3,6% no mercado secundário, perto do nível que a Irlanda tinha quando terminou o seu programa, em dezembro. Portugal já se financiou num leilão sem apoio de bancos. Além disso, o Tesouro conseguiu garantir uma almofada financeira que garante dinheiro em caixa até ao primeiro semestre de 2015. Mas para garantir juros abaixo de 4% e conseguir com isso ir aos mercados financeiros sem a tal ajuda cautelar, Portugal teve que empreender uma política de austeridade bastante dura. As consequências internas foram óbvias: uma recessão acumulada de 7,4% e um desemprego a níveis ainda acima dos 15%. Menos rendimentos e mais impostos são hoje a realidade com que se depara a maioria dos portugueses. Ao mesmo tempo que anunciava a saída limpa, o Governo tinha apresentado o seu Documento de Estratégia Orçamental, onde antecipa um saldo orçamental primário de 4,2% já em 2018. Um objetivo que só será possível se a austeridade for para continuar.
Passos criticou falta de apoio do PS
Passos tem reconhecido estas consequências, lembrando que “foram tempos muitos difíceis” e que “as dificuldades persistem para muitas famílias”. Mas se na hora do adeus à troika elogiou a coragem dos portugueses e o apoio de “muitos parceiros sociais”, para o PS tinha guardada a crítica: “Infelizmente, quando foi preciso cumprir o Programa, um apoio do PS não existiu”, acusou Passos, garantindo que “a falta de compromisso político acentuou ainda mais a incerteza e as dificuldades, obrigando, por vezes, à alteração de medidas e das correspondentes expectativas das pessoas”. A hora agora é de não perder o rumo, tem insistido o primeiro-ministro, com os credores a sublinharem que perante a proximidade de eleições legislativas há um receio de que o país perca o ímpeto reformista. Passos tem prometido que isso não irá acontecer. Para 2015, as medidas já conhecidas não são animadoras para muitos portugueses: o IVA vai subir para 23,5% e a TSU para os trabalhadores sobe mais 0,2%. Pelo meio, a Contribuição Extraordinária de Solidariedade dá lugar à Contribuição de Sustentabilidade, afetando menos rendimentos, e os funcionários públicos e pensionistas começam a recuperar os cortes que os têm afetado. Além disso, o programa de assistência chega ao fim, mas a troika não vai efetivamente embora. Portugal vai ficar sob a chamada “monitorização pós-programa”, que significa que os credores externos perdem margem para exigir medidas ao Governo, mas vão querer saber se Portugal continua no caminho da consolidação. As visitas semestrais das autoridades internacionais mantêm-se até 2038.