O imobilismo e a paralisia reformadora do Governo das “esquerdas encostadas”
O Governo das “esquerdas encostadas” apresentou, no passado mês de abril, a última atualização do Programa Nacional de Reformas (PNR) 2016-2023. A lengalenga do Governo tem sempre a mesma cadência: começa no fim da austeridade e acaba na sustentabilidade das finanças públicas. Mas a sua tradução política literal é imobilismo, conformismo, paralisia reformadora, tudo disfarçado ou embrulhado na performance orçamental do Governo. Num mundo cada vez mais global, veloz e competitivo, esperava-se ação, ambição, espírito reformista. Sucede que quatro programas depois, o Governo não assegurará as mudanças estruturais de que precisamos para consolidar o crescimento da nossa economia.
Temos a maior carga fiscal dos últimos 23 anos, o investimento público diminuiu, degradando serviços e colocando em causa a prestação de cuidados essenciais à população. O valor total da dívida pública subiu e não se verificou um crescimento económico capaz de garantir maior robustez ao país e à nossa economia, com Portugal a ter o terceiro PIB per capita mais baixo da Zona Euro, à frente apenas da Letónia e da Grécia. Afinal, a prometida e proclamada reversão da austeridade “não foi assim tão drástica”. Tudo isto sem troika, sem memorando, sem recessão e num contexto económico favorável. Mesclando e escondendo o que não lhe era conveniente, o Governo passou três anos e meio a proclamar o “fim da austeridade”, o “virar a página da austeridade”, a prometer o que não conseguiu cumprir. Uma ideia obviamente incorreta, pois o rumo até ao momento traçado contraria não só essa afirmação, mas acima de tudo contradiz a legitimidade que esta maioria invocou para governar.
Memórias que não se esquecem
Todos nos lembramos de o ministro das Finanças declarar, na discussão do Orçamento do Estado para 2017, que aquela proposta do Governo era “justa” nas opções de tributação e que “em 2017 os cidadãos irão recuperar rendimentos e sentir redução da carga fiscal”. Os números demonstram uma realidade bem diferente: a carga fiscal no nosso país tem vindo a aumentar, atingindo em 2018 a taxa mais alta dos últimos 23 anos, em percentagem do PIB. O Governo, depois de negar a subida da carga fiscal, tentou, uma vez mais, esconder aqueles números, inventando um novo indicador para justificar o injustificável. Para além da carga fiscal, também o investimento público foi objeto de promessa não cumprida: o Orçamento do Estado para 2018 previa uma subida de 40% que acabou por ficar pelos 10%. Ainda relativamente ao investimento público, e seguindo a tendência de 2018, o Programa de Estabilidade (PE) apresenta um corte, para 2019, de 471 milhões de euros. Assim, dos 4853,4 milhões inscritos no Orçamento do Estado para 2019 e no reporte dos défices excessivos que seguiu para o Eurostat a 26 de março, o investimento público que o Governo prevê para este ano ascende apenas a 4382 milhões de euros. Em apenas três semanas, este indicador sofreu uma revisão em baixa de 471,4 milhões de euros, com as inerentes consequências em investimentos relevantes para o país e para a própria execução dos fundos comunitários.
Situação que vivemos
A acrescer, o PIB per capita (medido em PPS a preços correntes), indicador relativo ao nível de vida dos países, em 2018, demonstra que Portugal é mesmo o terceiro pior país da Zona Euro. Já em 2017, segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o PIB per capita situou-se em 76,6% em relação à União Europeia (28 países), valor inferior em 0,6 pontos percentuais ao que foi registado em 2016 (77,2%). A acrescer ainda o facto de Portugal estar com a mais baixa execução de fundos comunitários, comparativamente com os quadros anteriores, nomeadamente no que se refere ao investimento produtivo. Perante tais evidências, e contrariando o discurso do Governo, o ministro das Finanças admitiu a um jornal estrangeiro (FT) que, afinal, a reversão da austeridade “não foi assim tão drástica”. O Governo não consegue explicar como é possível que, num contexto económico tão favorável como aquele em que a Europa tem vivido, Portugal não tenha conseguido reduzir significativamente a sua dívida pública, apresente os mais baixos valores de investimento público das últimas décadas e uma carga fiscal que atingiu em 2018 o valor mais alto de sempre, chegando a 35,4% do PIB. Apesar da exímia capacidade que o Governo tem tido de disfarçar e esconder a sua inércia, incapacidade e desorientação estratégica, os números e dados oficiais são muito evidentes. Quando, apesar da conjuntura internacional favorável que o Governo viveu ao longo de toda a legislatura, testemunhamos a degradação de serviços públicos, a falta de investimentos essenciais e, para culminar, a maior carga fiscal desde que temos dados disponíveis, ou seja, desde 1995, temos necessariamente que concluir que esta legislatura foi uma legislatura falhada e uma oportunidade perdida.
Mudança necessária
É possível fazer diferente para estancar a sangria na degradação dos serviços públicos, bastaria que o ritmo da reposição de rendimentos fosse acompanhado gradativamente por sinais consolidados da economia, evitando-se assim as consequências identificadas. Para configurar uma estratégia de consolidação do crescimento sustentável e perdurável, o Estado deve contar certamente com a ajuda do numerador – o défice –, mas também com a ajuda do denominador – o produto e o seu crescimento. Daí que importaria viabilizar um caminho inclinado para a adoção de políticas públicas sustentáveis e duradouras enquadradas nas regras europeias – obrigações não negligenciáveis para o nosso país – e que evite que Portugal volte a cair, num horizonte temporal futuro, numa situação de dependência extrema de credores externos, semelhante à de 2011. Na atual conjuntura económica internacional, marcada pelas condições financeiras favoráveis, passando pela queda dos preços da energia e acabando na correção do valor do euro, o Governo devia restituir a agenda reformista afirmada e iniciada pelo anterior Governo. O imobilismo e a paralisia reformadora do Governo têm um enorme custo de oportunidade para a consolidação do crescimento da nossa economia. Torna-se indispensável reconhecer que os principais entraves à competitividade e ao crescimento da economia não se compadecem com cortes brutais no investimento e com a ausência de reformas estruturais. O atual Governo desperdiça, pela quarta vez consecutiva, mais uma oportunidade para restruturar a máquina estatal, desfavorável à dinâmica económica, preferindo manter políticas mal fundamentadas e de efeitos passageiros.