PEDRO MOTA SOARES

PT 2016-2018

Num Portugal dominado por planos, programas e documentos estratégicos denominados por letras e números, vale a pena tentar perceber o que tem sido a estratégia económica de um Governo que é suportado no Parlamento com os votos de partidos que são completamente contrários a qualquer reforma, mudança ou melhoria com carácter estrutural, partidos imobilistas e reacionários que têm como única promessa para o futuro o brilho dos dias passados.

 

Ao fim de três orçamentos do Estado e três programas nacionais de Reformas aprovados, facilmente se decifra que este ciclo não foi capaz de produzir as mudanças estruturais de que precisamos para consolidar o crescimento da nossa economia. Num mundo cada vez mais global, veloz e competitivo, dos governos espera-se ambição, espírito e ação reformista. No entanto, o que temos como resultado é o imobilismo, o conformismo, a paralisia reformadora – o “poucochinho socialista” –, tudo isto disfarçado com uma camada de verniz orçamental que passou a ser o alfa e o ómega do Governo. Sucede que essa performance orçamental se baseia não só num plano de fraca qualidade estrutural que pressupõe o agravamento da carga fiscal – a mais alta dos últimos 22 anos –, como também numa opção deliberada pela consolidação à custa da qualidade dos serviços públicos. É então que o verniz estala. Não se trata, pois, de um Governo com uma má estratégia económica. Trata-se de um mau Governo, com uma estratégia assente numa má e irresponsável política orçamental.

 

Necessidade de consolidação

A necessidade de consolidação das contas públicas é incontestável. Perante as dificuldades e os bloqueios que Portugal ainda enfrenta – a terceira maior dívida da União Europeia, o segundo maior défice, a produtividade em queda, crescimento económico previsto dos mais fracos da UE –, a consolidação das finanças públicas afigura-se como condição absolutamente indispensável para corrigir os desequilíbrios acumulados e para instalar a confiança que permite um crescimento sólido, sustentado e durável. O que está em causa é a forma como essa consolidação está a ser feita. Não podemos ignorar que a opção orçamental do Governo foi a de arrecadar o máximo possível de impostos e fazer recair a totalidade dos cortes sobre a despesa no investimento e nos serviços públicos, partindo de um princípio profundamente penalizador – mas nunca declarado – de que é preferível trocar a satisfação dos utentes pela dos funcionários. Mas não deveria ser assim. A necessária e prevista reposição de rendimentos deveria ser efetuada de forma faseada para evitar a degradação dos serviços públicos, já de si atingidos pela pré-bancarrota. Não deveria ser assim, de facto, porque não é possível olhar para os serviços públicos ignorando, ou não querendo saber, ou colocando na gaveta, as suas necessidades de financiamento e investimento.

 

Enorme fragilidade

O resultado está à vista: uma enorme fragilidade na resposta nos domínios da saúde, da mobilidade, da educação e proteção social. Houve reposição mais veloz de rendimentos, sim, reposição que não coloco em causa, e que defendi que devia ser feita a um ritmo diferente. Mas houve uma muito significativa redução do investimento público nestas áreas, com particular incidência nas despesas de investimento. E milhões de euros cativados. E vetos de gaveta. E milhões de utentes à espera de autorizações de despesa que nunca chegaram aos hospitais, às escolas, às estações de comboios. Não há página de austeridade que se vire quando os serviços públicos entram em colapso em nome de brilharetes orçamentais. Mas está também em causa o método da consolidação orçamental. Para configurar uma estratégia de consolidação do crescimento sustentável e perdurável, o Estado deve contar certamente com a ajuda do numerador – o défice –, mas também com a ajuda do denominador – o produto e o seu crescimento.

 

Caminho rápido

Daí que importará viabilizar um caminho rápido para a adoção de políticas públicas sustentáveis e duradouras, que se enquadrem nas regras europeias – obrigações não negligenciáveis para o nosso país – e que evitem que Portugal volte a cair numa situação de dependência extrema de credores externos semelhante à de 2011. O imobilismo e a paralisia reformadora do Governo, no seu conformismo de quem não se importa de crescer sempre menos dos que crescem muito mais do que nós, têm um enorme custo de oportunidade para a consolidação do crescimento da nossa economia. Uma carga fiscal – a mais alta de sempre – asfixia o crescimento sustentado da economia e inviabiliza a tomada de decisões que reduzam de forma correta o peso do Estado. Pode acreditar-se na estratégia de um Governo que, num mundo tão dominado pela mudança, se recusa a mudar o que quer que seja? Como nos preparamos para vencer num mundo global, se quem nos governa, por convicção ou ordem dos seus apoiantes, se recusa a modernizar o país, a fazer uma qualquer reforma?  Atualmente, Portugal ainda não está devidamente preparado para enfrentar uma nova crise económica, sem uma derrapagem das contas públicas e sem o risco de perder o financiamento externo. A estratégia até agora defendida pelo Governo constitui uma oportunidade perdida para dar resposta aos bloqueios existentes e permanecentes nas várias áreas de governação, que condicionam o crescimento económico e nos afastam irremediavelmente da convergência europeia. É preciso uma outra ambição.