“HOJE SOMOS UM DOS TRÊS MAIORES ESCRITÓRIOS DE ADVOGADOS EM PORTUGAL E PRETENDEMOS CONTINUAR A CRESCER”
Samuel Fernandes de Almeida é, desde 2005, sócio da Miranda. Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, após a conclusão da licenciatura, o advogado efetuou um estágio na Direção-Geral de Impostos e Imposições Aduaneiras da Comissão Europeia, tendo exercido, posteriormente, a sua atividade profissional em várias sociedades de advogados portuguesas, das quais se destacam a Barros, Sobral G. Gomes & Associados e a Oliveira, Martins, Moura, Esteves & Associados. Para Samuel Fernandes de Almeida, o principal traço distintivo da Miranda é a sua “vocação internacional”. Por outro lado, a experiência internacional desta sociedade coloca-a numa posição muito privilegiada para assessorar os clientes “nos seus projetos de internacionalização”, sublinha. Considerando-se “claramente” um advogado de “clientes”, embora tenha já “muita experiência na área do contencioso tributário – uma atividade de casos”, o advogado continua a acreditar na denominada “advocacia de negócios”, conclui.
O que distingue a Miranda de outras sociedades de advogados?
O principal traço distintivo da Miranda é a sua vocação internacional, uma vez que parte substancial da nossa atividade está centrada em África. O nosso escritório foi o primeiro a iniciar um processo de internacionalização para os PALOP e mais recentemente para Timor Leste, Guiné Equatorial e África francófona. Estamos presentes em mais de 14 países e temos mais de 20 escritórios espalhados no mundo, incluindo três liaison offices localizados em Houston, Londres e mais recentemente Paris. Trata-se de uma realidade incomparável no espetro da advocacia portuguesa, da qual muito nos orgulhamos. Por outro lado, a nossa experiência internacional coloca-nos numa posição muito privilegiada para assessorarmos os nossos clientes nos seus projetos de internacionalização. A conjugação de padrões internacionais de qualidade com um profundo conhecimento da realidade local constitui um dos fatores diferenciadores da Miranda. No caso da nossa área de Prática Fiscal, todos os nossos advogados dominam a realidade tributária de várias jurisdições, o que permite a assessoria em projetos multidisciplinares através da rede Miranda Alliance. Diria, sem falsas modéstias, que qualquer empresa que pense internacionalizar a sua atividade terá forçosamente de considerar a Miranda como um potencial prestador de serviços jurídicos.
Quais os motivos para o crescimento da Miranda?
Antes de mais, os nossos clientes. A cultura de proximidade, proatividade, rigor e exigência na prestação de serviços jurídicos de qualidade internacional tem merecido a confiança dos nossos clientes e suportado o nosso crescimento. O conceito de reach further é um dos lemas da Miranda, o que justifica, aliás, que desde a data da minha entrada na firma, em 2005, tenhamos mais que triplicado de dimensão, passando de 60 advogados para mais de 200. Hoje somos um dos três maiores escritórios de advogados em Portugal e pretendemos continuar a crescer.
Temos de distinguir a realidade do mercado nacional, da nossa prática internacional. Em Portugal começamos a notar alguma retoma da atividade, embora escasseiem os grandes projetos de investimento e uma parte do tecido empresarial português continue a viver com enormes dificuldades. Continuamos a depararmo-nos com escassez de crédito e escassa disponibilidade de capital. Nos demais países em que nos encontramos presentes, são jurisdições com projetos muito significativos nos setores energéticos e de infraestruturas, pelo que as perspetivas são animadoras.
A sociedade ainda tem espaço para crescer, uma vez que já se encontra presente em 16 países espalhados pelos quatro continentes?
No âmbito do nosso plano estratégico prevemos abrir mais um escritório de ligação em 2015 e continuarmos a nossa expansão geográfica na África francófona. Como referi há pouco, a filosofia da Miranda assenta no seu contínuo crescimento e posicionamento como grande firma pan-europeia. Aliás, este ano voltámos a ser nomeados pelo Finantial Times para o prémio de melhor firma europeia do ano.
Quais são as expectativas para 2015?
Enquanto responsável pela prática portuguesa, 2015 será um ano de consolidação do nosso crescimento no mercado português, onde acabámos de integrar o escritório do nosso colega Fernando Antas da Cunha e abrir escritório no Porto. As nossas áreas de prática prioritárias continuarão a ser a área fiscal, laboral, societário, direito público e contencioso/arbitragem. Em termos internacionais, o mercado moçambicano apresenta perspetivas muito animadoras, sendo expectável que possamos abrir mais um escritório de ligação. Em termos gerais, esperamos um ano de crescimento e de reforço da nossa posição como escritório de referência em Portugal.
Considera-se mais um advogado de casos ou de clientes? Porquê?
Considero-me claramente um advogado de clientes. Embora disponha de muita experiência na área do contencioso tributário – uma atividade de casos –, muitos dos clientes que trabalham comigo na área da fiscalidade fazem-no há muitos anos, nalguns casos há mais de 10 anos. A prestação de serviços jurídicos de qualidade exige um profundo conhecimento dos nossos clientes, dos seus negócios e dos setores económicos em que se inserem. Sem esse conhecimento não é possível acrescentar valor, e é isso que os clientes esperam dos seus advogados. Por fim, continuo a acreditar, mesmo na denominada “advocacia de negócios”, que o elemento de confiança pessoal é decisivo na relação advogado/cliente. Por todos estes motivos, sou claramente mais um advogado de clientes do que de casos.
Qual o caso em que mais gostou de trabalhar? Porquê?
Sem entrar em clichés, o que mais valorizo é o resultado para o cliente, pelo que os casos em que mais gostei de trabalhar foram todos aqueles em que o nosso trabalho fez a diferença na atividade dos nossos clientes, seja por desbloquear um problema, vencer um processo tributário ou fechar um projeto estratégico. Assim mais recentemente, destacaria uma decisão judicial num processo patrocinado pela Miranda, decisão essa que, acredito, fará jurisprudência, uma vez que alargámos de forma significativa os casos de revisão de sentenças proferidas em matéria tributária. Trata-se de uma decisão inovadora e que deu muito prazer à equipa da Miranda acompanhar, pela sua complexidade técnica e pelo impacto financeiro para o nosso cliente, dado tratar-se de um processo com um valor de cerca de 2 milhões de euros.
Que balanço faz da ação da atual bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga?
Não gostaria de me alongar muito sobre este tema, até porquanto a senhora bastonária encontra-se em funções há pouco tempo e preferiria fazer esse balanço no final do mandato. De todo o modo, diria que a Ordem dos Advogados tem perdido influência e tem problemas de representatividade junto da nossa classe profissional, em particular junto dos advogados mais jovens. Acrescem as dificuldades no acesso à profissão e formação de estagiários. Creio que a Ordem precisa de uma profunda remodelação, adequando o seu funcionamento aos desafios da profissão – que se alteraram profundamente nas últimas duas décadas face à massificação dos cursos de Direito, novas tecnologias e proliferação legislativa. Por outro lado, creio que é tempo de acabar com a separação entre advogados em prática individual e advogados a exercer em sociedades de advogados. Só existe uma advocacia, a sua forma de exercício é que poderá ser distinta e plural.
E sobre a atuação da ministra Paula Teixeira da Cruz, o que nos tem a dizer?
A ministra Paula Teixeira da Cruz tem tentado efetuar algumas reformas, é certo, mas com excessiva crispação e falta de consenso com os demais operadores do sistema judicial. A reforma do mapa judiciário e os problemas verificados com o CITIUS ensombram o seu mandato.
A Lei 55-A/2012, no âmbito das medidas de combate à crise financeira, e em cumprimento do plano de ajustamento, veio sujeitar a Imposto do Selo (IS) a propriedade e outros direitos reais sobre prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a um milhão de euros, tendo suscitado diversas questões interpretativas, originando inúmeras reclamações e processos intentados pelos proprietários contra a Autoridade Tributária (AT). O que nos pode dizer sobre isso?
Grande parte dos processos decorrem de uma redação pouco precisa da norma de incidência da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), bem como de uma interpretação da AT pouco consentânea com os princípios da legalidade e tipicidade fechada das normas fiscais. Com efeito, por um lado tivemos um conjunto de processos em que a AT somou todas as frações ou andares de prédios em propriedade horizontal para concluir que a soma dos VPT individualmente considerados excedia o valor de um milhão de euros liquidando IS. Trata-se de um entendimento sem qualquer base legal e que veio a ser contrariado em sede arbitral, em que o tribunal considerou (e bem) que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicadora de capacidade contributiva. Assim, só haverá lugar a incidência do IS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um VPT superior a um milhão de euros. Por outro lado, tivemos um conjunto significativo de processos relacionados com a sujeição a IS dos terrenos para construção, o que veio a ser, igualmente, declarado ilegal pelos tribunais. Aliás, tais decisões levaram o Governo a alterar a verba 28 com a Lei do OE para 2014 de forma a contemplar expressamente a tributação dos terrenos para construção. De todo o modo, este é um exemplo paradigmático dos problemas que ensombram as relações entre os contribuintes e a AT: leis deficientes e uma atuação excessivamente agressiva por parte do fisco, que potencia a litigiosidade em matéria tributária. De realçar o papel do Centro de Arbitragem, que tem permitido resolver litígios e contendas num curto espaço de tempo (em regra até seis meses), quando no passado teríamos estes processos a arrastarem-se em tribunal por longos anos. Aliás, creio que a arbitragem tributária terá um papel decisivo na alteração progressiva do paradigma de atuação da AT, pois a celeridade processual constitui uma garantia essencial num verdadeiro Estado de direito.
Que comentários faz às propostas de reforma do IRS e da Fiscalidade Verde? São propostas interessantes e relevantes?
Penso que apesar de algumas medidas acertadas, a introdução simultânea destas duas reformas poderá não ter sido a melhor opção, desde logo pelo seu impacto orçamental. Em sede de IRS, o Governo retificou (e bem) alguns erros da proposta da Comissão de Reforma, em particular ao recusar a criação de deduções à coleta fixas, independentemente do nível de despesa incorrido pelos membros do agregado familiar. O desagravamento fiscal das famílias mais numerosas é de saudar, bem como a tributação separada ou outras medidas mais técnicas, como o desagravamento parcial das compensações pagas a trabalhadores que desloquem a sua residência em Portugal ou para o estrangeiro. O elemento negativo consiste na manutenção da sobretaxa (ainda que com o crédito fiscal), bem como a proliferação da dualidade do imposto, com taxas progressivas e proporcionais, o que contraria o quadro constitucional. No que diz respeito à reforma da Fiscalidade Verde, acredito que a mesma poderia ter constituído um instrumento poderoso de crescimento económico a médio prazo por via de uma maior inovação tecnológica. Contudo, a opção política de canalizar a receita obtida por esta via para o IRS acaba por condicionar as soluções propostas. Com efeito, creio que teria sido mais eficaz uma reforma neutra, em que a receita adicional obtida fosse diretamente canalizada para medidas fiscais passíveis de incentivar comportamentos ambientais mais saudáveis e fomentar o desenvolvimento tecnológico do nosso tecido empresarial.
O Congresso dos Juízes Portugueses concluiu recentemente que a “indisponibilidade da plataforma CITIUS”, a falta de dignidade das instalações judiciárias e o défice de oficiais de justiça estão a causar “um enorme desgaste no sistema” judicial. O que nos pode dizer sobre esta situação?
Antes de mais, devo dizer que não tenho passado pelo calvário de outros colegas, uma vez que os processos tributários não são tramitados pelo CITIUS. Num Estado de direito é impensável que os tribunais possam estar paralisados em função de uma deficiente programação e migração dos processos. Este processo revela, aliás, diversas fragilidades: deficiente e crónica programação e planeamento, inexistência de responsabilização efetiva dos decisores. No que diz respeito às instalações, temos de tudo: tribunais a funcionar em condições muito deficitárias e outros com instalações modernas, e nalguns casos atrevo-me a dizer principescas, com custos excessivos para o erário público. Mais extraordinário é que alguns desses tribunais foram encerrados com a nova organização do mapa judicial, num desperdício inaceitável de fundos e recursos públicos. Finalmente, quanto aos funcionários, parece-me que deveria haver um reforço significativo de oficiais de justiça, com a institucionalização de assessores para os magistrados. Nesta matéria, parece evidente que os magistrados não podem estar mergulhados em trabalho de expediente e de cariz administrativo, como sucede na presente data. O problema dos nossos tribunais é também um problema de deficiente organização e funcionamento em virtude da escassez de recursos.
O que há a fazer para alterar este cenário? Quem terá de tomar medidas?
A reforma da Justiça é um processo complexo e progressivo. Temos um sistema judicial e legal excessivamente complexo (nalguns casos excessivamente garantístico), impondo-se, desde logo, uma maior estabilidade legislativa. Por outro lado, deveremos reforçar os meios alternativos de resolução de litígios por via da arbitragem – a arbitragem tributária é um ótimo exemplo do caminho a percorrer e a ser alargado a outras áreas, como o direito laboral –, bem como caminhar para uma justiça menos formalista e mais direcionada para a tutela dos direitos. Em termos práticos, deveria haver maior liberdade na condução dos processos, maior informalidade e uma postura mais proativa dos tribunais na busca da verdade. A simplificação da tramitação processual acompanhada de um reforço significativo do número de oficiais de justiça poderia permitir uma libertação dos magistrados para a sua verdadeira função, ou seja, aplicar o Direito.
Segundo o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com a crise, “o papel dos juristas ficou desconsiderado, mesmo vilipendiado, emergiram diversos atores da política e da economia e do mundo opaco dos comentadores que hostilizam o Direito”. Concorda com estas afirmações?
Diria que em momentos de crise é normal que exista uma tendência para a desvalorização do Direito e dos princípios de um Estado democrático. De todo o modo, creio que o problema em Portugal reside no deficiente funcionamento das instituições e numa crónica e secular impunidade.
Com todas as reformas a que temos assistido na Justiça, considera que estamos hoje melhor ou pior do que estávamos antes da intervenção da troika no nosso país? Porquê?
Diria que avançámos nalguns aspetos – eliminação de algumas pendências, a reforma do processo civil –, mas no essencial não se procedeu a uma verdadeira reforma do sistema judicial. Continuamos com as mesmas entropias e com significativos entraves ao correto funcionamento dos nossos tribunais (os problemas recentes com o CITIUS são disso mesmo um exemplo paradigmático).
O que representa para a sua carreira a distinção de Tax Controversy Leaders 2014, atribuída pela International Tax Review?
Os reconhecimentos públicos são naturalmente reconfortantes e um estímulo a fazermos mais e melhor, mas o único reconhecimento que verdadeiramente conta e marca a diferença é o reconhecimento dos nossos clientes. Tenho por certo que um advogado só pode contar verdadeiramente com um ativo: a sua reputação e bom-nome profissional.
Que mensagem quer deixar à classe política e aos cidadãos?
Cinjo a minha mensagem aos cidadãos, pois são esses os verdadeiros destinatários do nosso trabalho. A existência de uma classe de advogados valorizada e competente constitui um garante do funcionamento correto do Estado de direito e da democracia. O acesso ao Direito e a serviços jurídicos de qualidade deve ser um exercício de cidadania, bem como a existência de uma classe profissional forte e prestigiada. Cabe-nos a todos exigir um funcionamento mais eficaz da Justiça, bem como assegurar o correto funcionamento das instituições.
Que balanço faz do seminário organizado pela Miranda sobre o Orçamento do Estado de 2015?
Faço um balanço muito positivo, desde logo pela excelência dos oradores, uma vez que contámos, uma vez mais, com eminentes fiscalistas e economistas, como a professora Manuela Ferreira Leite ou o meu colega Fernando Araújo, responsável da área fiscal da Portucel, só para citar alguns. E este ano, decidimos internacionalizar o nosso evento, o qual contou com a intervenção do Chris Giles, editor de economia do Finantial Times. Creio que temos conseguido organizar eventos suscetíveis de promover o debate plural e independente em Portugal, e este ano conseguimos a presença de mais 250 pessoas externas. Um sucesso, portanto.