FERNANDO NEGRÃO

“TODOS OS HOMENS NASCEM IGUAIS”

Ficou na história a frase de Thomas Jefferson, “Todos os homens nascem iguais”, que abre a Declaração de Independência Americana. Há 200 anos este princípio fez estremecer a humanidade, uns por acharem que seria a partir daí a construção de um novo mundo baseado na igualdade, outros por considerarem a ideia perigosa, pois daí adviria um caminho de retrocesso por se passar a tratar de forma igual gente e circunstâncias diferentes.

F oi, de facto, a partir do anúncio deste princípio, da autoria de um dos seus mais fortes e eloquentes defensores, que a igualdade começou a tomar forma por ter começado a ser discutido, no fundo por ter passado a existir e a ser levado em conta na definição de políticas públicas e na ação da atividade privada. Na história recente, Thomas Jefferson fez-nos dar este passo de gigante num mundo onde a igualdade era diabolizada e, por isso, não discutida e mesmo vista como perigosa e ridícula. Mas como o conceito de igualdade vem sempre acompanhado de interrogações de toda a espécie, o melhor exemplo para o ilustrar era o facto de Thomas Jefferson, ao mesmo tempo que divulgava a bela frase que encima o texto e a defendia calorosamente, defender igualmente o extermínio dos índios americanos e possuir e vender escravos. Por aqui se confirma a dificuldade desta discussão. Constituindo hoje um dos grandes ideais sociais, em seu nome se mataram milhões de pessoas e, igualmente em seu nome, se evoluiu para a construção de sociedades mais justas por serem mais iguais. E, como se constata, é nesta bipolaridade que tem ocorrido a discussão, bem como a sua evolução, nas sociedades. Bipolaridade esta que tem tido sempre no seu seio todas as interrogações que suscita a igualdade, como sejam a de saber se deve ser igual em qualquer parte do mundo, em qualquer cultura, em qualquer regime político, se deve ser aplicada a todos, ou se tem como pressuposto a igualdade de capacidades e de oportunidades. Curiosamente, tem sido desta “confusão” que têm surgido e dados todos os passos decisivos e encontradas todas as soluções integradoras para que o princípio da igualdade se venha a impor como uma realidade e uma realidade justa.

 

Outras abordagens

Recorrendo, como seria inevitável, a Rousseau, foi ele quem falando das desigualdades disse no seu ensaio de 1751, “Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade”, o seguinte: “A primeira pessoa que, tendo cercado um pedaço de terra, pensou que aquilo era dela, e deparou com pessoas suficientemente crédulas para acreditarem nela, foi a verdadeira fundadora da sociedade civil. A quantos crimes, quantas guerras, quantos assassínios, quantas misérias e horrores teria a raça humana sido poupada se alguém tivesse arrancado as estacas ou tivesse enchido a vala e gritado para os seus conterrâneos: não oiçais este impostor. Estareis perdidos se esquecerdes que os frutos da terra pertencem a todos e a terra a ninguém!” O tempo passou e não deu razão a Rousseau. Não contou com as necessidades das sociedades face ao seu próprio crescimento, à necessidade de produção de bens, à sua troca, a novas formas de organização, à construção hierárquica das sociedades e também à existência em longos períodos históricos de certezas como, por exemplo, a existência de autoridades celestiais e divinas.

 

Caso português

Em Portugal, excluindo medidas do marquês de Pombal sobre os direitos de minorias étnicas, como os chineses na região de Macau, os cristãos novos de origem judaica ou os índios brasileiros, a igualdade como realidade na definição das políticas só em finais do século XIX começou a surgir. A monarquia constitucional de 1834, que gozou de alguma estabilidade, recebeu o ideal liberal pós-Revolução Francesa, que se prolongou para os tempos da República. De realçar a profunda diferença fundiária no Norte e no Sul, que marcou socialmente o país, sendo o Norte hierarquicamente mais rígido e o Sul mais igualitário, com todas as boas e más consequências que teve em todo o país no que respeita à visão da igualdade, forma de a abordar e do seu lugar e intensidade na definição das políticas que se tem vindo a prolongar até hoje. A igualdade como conceito é de uma enorme dificuldade, pela amplitude que tem, pois toca em todos os setores de qualquer sociedade, pelas resistências que cria por se cruzar com todos os interesses que qualquer sociedade gera, pelos efeitos emocionais que provoca por ser uma aspiração de justiça e, ainda, por já ter uma longa história plena de contradições. No final, a ideia menos conflituante é a de que a pobreza deve ser combatida a todo o custo e, quanto ao mais, deixar que a diversidade continue a ser a causa maior do crescimento e do desenvolvimento humano. Sem embargo das “surpresas” que o futuro nos trará, designadamente na área laboral, com a robotização da maioria dos postos de trabalho e respetivas consequências, designadamente o fim do trabalho como definidor da ordem das nossas sociedades, bem como da maior ou menor igualdade das mesmas. Assim sendo, o conceito de igualdade terá um novo desafio de adaptação, que será o de repensar o seu “lugar” numa sociedade nova e geradora de novos problemas!