A EUROPA ACORDOU MAIS EUROCÉTICA
Resultados das europeias provaram que os povos europeus estão descrentes do projeto que os une. Crescimento dos extremos em vários países cria preocupação. Batalhas institucionais vão ditar os novos tempos.
Existiam dois grandes riscos nas últimas eleições europeias e os dois vieram a provar-se nas urnas: a abstenção bateu recordes na maioria dos países europeus e os partidos dos extremos, com especial enfoque nos da direita, ganharam peso no tabuleiro do poder da União Europeia. Em Portugal, o resultado não surpreendeu, com a previsível e antecipada derrota da coligação de direita – a Aliança Portugal, encabeçada por Paulo Rangel e Nuno Melo. Mas se acabou por se concretizar a expectável vitória do PS liderado por Francisco Assis, a “vitória de Pirro”, como lhe chamou no dia seguinte o fundador Mário Soares, acabaria por deixar um sabor amargo nos socialistas e conduzir António José Seguro para uma disputa interna que não desejou. António Costa, o arquirrival de Lisboa, não deixou sequer arrefecer o champanhe dos copos e logo veio dizer que a tal vitória sabia a “pouco” e que, para garantir um PS forte no futuro, ele será candidato à liderança do partido. E enquanto em Portugal se anda a discutir a liderança do PS, pela Europa o sismo Le Pen e Farage tem deixado Bruxelas e as grandes capitais europeias à beira de um ataque de nervos. A Frente Nacional, em França, liderada por Marine Le Pen, arrecadou 25% dos votos e, no Reino Unido, o UKIP de Nigel Farage venceu as eleições com 29,05% dos votos. Em poucas horas, duas das maiores economias da União Europeia davam um sinal de que esta Europa não lhes agrada. Mensagens anti-Europa, anti-euro, anti-imigração, foram as grandes capitalizadoras da crise económica e financeira em que mergulhou a UE nos últimos anos. Os resultados destes partidos varreram por completo a maioria dos países e não é por isso de estranhar aquela que foi a primeira reação do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, a estas eleições: “um momento grave para a França e para a Europa”. Os extremos venceram também à direita na Dinamarca (Partido Popular), e à esquerda na Grécia (Syrisa). Até na Alemanha, o país que tem liderado a União desde sempre, o movimento anti-euro AfD, com 6,8% dos votos, foi capaz de eleger sete dos 96 eurodeputados. Mesmo em Portugal, onde muitas mensagens anti-euro foram veiculadas por vários movimentos durante a campanha, o grande vencedor da noite acabou por ser um outsider: Marinho e Pinto, o número um do Movimento Partido da Terra (MPT), conseguiu um lugar no Parlamento Europeu, conseguiu eleger o número dois e ainda ultrapassou o Bloco de Esquerda, que elegeu apenas Marisa Matias. Num discurso fortemente crítico dos “partidos que nos governaram nos últimos 40 anos”, o ex-bastonário deixou claro que vai para a Europa para “represtigiar a democracia e a política, redignificar o regime, que está pelas horas da amargura”. Mas onde se irão sentar estes partidos? Essa será uma das grandes discussões que o novo Parlamento Europeu vai enfrentar nos próximos tempos: as famílias políticas. Os nacionalistas, liderados por Le Pen, podem mesmo vir a constituir um grupo próprio, o que promete causar grandes dores de cabeça na União Europeia no futuro mais próximo.
Quem será o próximo presidente da Comissão?
Para já, chegou a hora da UE se sentar sobre estes resultados e perceber que em termos institucionais muita coisa pode agora mudar. O primeiro sinal será já a eleição do presidente da Comissão Europeia. De forma inédita, as principais famílias políticas apresentaram nestas eleições os seus candidatos à sucessão de Durão Barroso e garantiram aos eleitores que, na hora de votar, estariam não só a escolher os seus representantes nacionais no Parlamento Europeu, mas também o futuro presidente da Comissão Europeia. Será que vão cumprir? O Partido Popular Europeu, a família mais conservadora, voltou a ser a mais votada, com a eleição de 212 eurodeputados, o que significa, ainda assim, menos 63 representantes do que há cinco anos. Os socialistas (S&D) perderam nove e ficam-se agora pelos 185. Juntas, as duas famílias podem assegurar a maioria parlamentar necessária para eleger o presidente da Comissão. Mas será que os socialistas querem dar agora o seu apoio a Jean Claude Juncker, o luxemburguês indicado como candidato do PPE. Ou, mais importante ainda, será que os chefes de Estado que pertencem ao PPE mantêm a intenção de propor Juncker ao Parlamento Europeu? As dúvidas adensam-se à medida que fica claro que Angela Merkel (Alemanha) e David Cameron (Reino Unido) não se entendem neste ponto e que nem um nem outro morre de amores por Juncker. Crescem, por isso, os receios de um impasse entre primeiros-ministros e o Parlamento Europeu. “Isto ainda pode transformar-se numa batalha inter-institucional entre o Parlamento Europeu e o Conselho [composto por primeiros-ministros]”, disse uma fonte próxima das negociações ao Financial Times, acrescentando que ambos os lados lutam para estabelecer um precedente sobre a escolha do principal cargo europeu, o presidente da Comissão Europeia. “É mais do que um mero jogo de poder. Tem a ver com as implicações a longo prazo do jogo de poder.”
Como responderá a Europa ao desafio?
Além disso, o PPE terá sempre que negociar o novo presidente com outra família europeia ou até com mais duas, para garantir a maioria necessária no Parlamento Europeu. Não é por isso de estranhar que se continuem a apontar outros nomes como prováveis para uma solução de compromisso. Donald Tusk, da Polónia, ou Jyrki Katainen, da Finlândia, são alguns dos possíveis sucessores de Barroso. Seja como for, a Europa vai atravessar tempos difíceis a nível institucional. Isso mesmo escreveu recentemente o embaixador Francisco Seixas da Costa: “A Europa é confrontada com tensões nos seus variados equilíbrios nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma desconfiança muito profunda sobre se o projeto de integração responde aos seus anseios ou se não é, ele próprio, fator do problema. E o facto de essa atitude assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa, enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de forma eficaz, a este imenso desafio.”