CARLOS MINEIRO AIRES

UMA EVOLUÇÃO QUE PASSA DESPERCEBIDA

A FRONTLINE, uma publicação de referência, com um ótimo aspeto gráfico e impressa em material de excelência, habituou-nos a uma informação direcionada e à divulgação de bens de consumo e tecnologias inovadoras, cujo grau de sofisticação e quase exclusividade motiva uma especial e seletiva apetência. Assim, será fácil para os leitores desta publicação aceitar a razão do tema que abordo e que me ocorreu a propósito da celebração do Dia Mundial dos Materiais no início do mês de novembro.

 

Estou convencido de que a uma parte substancial dos leitores passarão despercebidas as evoluções tecnológicas e o desenvolvimento dos materiais que integram muitos dos seus bens ou, por exemplo, das soluções médicas a que hoje têm acesso. Desde os primórdios da Pré-História que o Homem sentiu necessidade de começar a recorrer aos mais diversos materiais para dar resposta às suas necessidades básicas de sobrevivência, tendo partido para uma incessante procura de soluções que, admitamos, possa ter tido início com a utilização das peles animais para se poder proteger do frio e com feitura de artefactos de pedra de diversa dureza, destinados a produzir ferramentas que lhe permitiram viver, caçar e defender-se. Mais tarde, com o acesso ao fogo e com a descoberta de minérios que podiam ser fundidos e moldados, o Homem iniciou um caminho de extraordinário progresso, que culminou, na Idade Média, com uma já aceitável capacidade de produção, criação e utilização de novos materiais. A partir daí, e a uma velocidade impressionante, sobretudo depois do domínio das técnicas metalúrgicas, desenvolvidas em grande parte por exigências da arte da guerra, assistimos ao desenvolvimento de novos e inesperados materiais, com aplicações nas mais diversas áreas. Ainda se recordam do aparecimento e vulgarização do plástico que veio substituir, por exemplo, o barro, a madeira e o alumínio? Foi uma espera que demorou séculos. Hoje, tudo o que manuseamos e utilizamos constitui materiais naturais, ou que foram sendo sucessivamente aperfeiçoados, ou materiais totalmente novos, fruto da investigação científica, pelo que esse imparável caminho continuará a ser percorrido para dar resposta às necessidades das tecnologias resultantes da investigação científica e da incessante procura de melhores soluções por parte da engenharia. Por isso, a abordagem deste tema, pela compreensível limitação que a forma de um artigo a obriga, será sempre incapaz de transmitir a dimensão e maravilha desta nova realidade. Procurando exemplificar de uma forma acessível, quem hoje conduz um automóvel do segmento médio, para não falar dos modelos mais sofisticados, adquire um relógio exclusivo ou um gadget de última geração, recorre a um implante dentário ou compra um tubo de uma cola super-resistente, estará seguramente a lidar com novos e excelentes materiais, que há décadas eram impensáveis. Com múltiplas aplicações, algumas delas mais percetíveis, como é o caso dos desportos (calçado, equipamentos, vestuário, varas de salto, embarcações, etc.) que permitiram melhorar o desempenho dos atletas para níveis que se julgavam inalcançáveis, da área da energia, da saúde, do desenvolvimento de novos e mais modernos produtos e bens, de novas utilizações de matérias-primas tradicionais, a evolução dos materiais entrou no nosso quotidiano, mas passa despercebida. Este desafio obriga a uma constante inovação e inerente investigação e criação de novas soluções, incluindo em domínios relativamente recentes como a biotecnologia e a nanotecnologia, que vieram abrir novas áreas de pesquisa e desenvolvimento. As nanotecnologias e os nanomateriais, outra nova realidade deslumbrante, onde a abordagem é ao nível da nanopartícula – cuja explicação mais acessível corresponde a comparar a dimensão de uma bola de golfe com a do nosso planeta, coisa difícil de imaginar – originaram o desenvolvimento de produtos e soluções capazes de dar novas respostas, até agora inexistentes, para velhas questões. Mas a verdade é que nessa ínfima dimensão é possível desenvolver trabalho e procurar soluções para os mais diversos problemas, desde logo na área da saúde, e com elevado impacto social e económico, sendo que neste domínio Portugal detém um centro de investigação internacional de excelência. Por seu lado, conjugada ou isoladamente, as biotecnologias e os biomateriais vieram potenciar o surgimento de novas realidades que farão parte de um futuro imprevisível e, até, preocupante. Espero, assim, ter alertado para a indispensável importância que a engenharia dos materiais e toda a investigação que lhe está subjacente assumem no nosso futuro coletivo.