“A EVOLUÇÃO CONSTITUI UMA OPORTUNIDADE PARA VIVERMOS MAIS TEMPO E COM MELHOR QUALIDADE DE VIDA”
O ex-diretor da Clínica Universitária de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Lisboa – Hospital de Santa Maria, António Bugalho de Almeida, falou, em entrevista à FRONTLINE, sobre os avanços da medicina nas últimas décadas, nomeadamente no que se refere à tecnologia ao serviço da saúde. Para este médico, que conta já com uma vasta experiência na área da Pneumologia, “os portugueses podem continuar a confiar no seu Serviço Nacional de Saúde”, uma vez que todos os cuidados são prestados por “profissionais com excelente preparação”. No que toca à área da Pneumologia, António Bugalho de Almeida refere que as doenças respiratórias nem sempre mereceram “a devida atenção por parte de quem tem o poder decisório”, contudo, nas últimas décadas, e tal como sublinha, “a Pneumologia portuguesa tem estado muito ativa, existindo vários grupos de investigação”. Tudo isto contribuiu para que exista, atualmente, uma melhor compreensão e tratamento “das diversas entidades nosológicas respiratórias”, conclui.
Assistimos, nas últimas décadas, a grandes avanços no domínio da tecnologia ao serviço da saúde. A inovação e a tecnologia nesta área são uma ameaça ou uma oportunidade?
A inovação tecnológica e farmacológica tem contribuído, indubitavelmente, para uma significativa melhoria dos cuidados de saúde às populações. É um lugar comum, e uma realidade indiscutível, a afirmação de estarmos a viver – desde o século XX e no atual – um dos períodos mais notáveis da História da Humanidade, por neles se terem verificado os mais extraordinários progressos científicos e tecnológicos. A medicina refletiu o progresso que se observou nas mais diversas áreas das ciências, o que permitiu o aparecimento de novas técnicas de diagnóstico e de tratamento, de novos conceitos e de novas áreas do conhecimento, possibilitando uma evolução do pensamento médico de forma diversa do, até então, praticado, o que determinou uma melhor abordagem de velhas e novas entidades nosológicas. Toda esta espantosa, e extremamente rápida, evolução constitui, em nosso entender, uma oportunidade para vivermos mais tempo e com melhor qualidade de vida.
Como tem visto a evolução do sistema de saúde em Portugal?
No nosso país a saúde tem evoluído de forma muito favorável, sobretudo nas últimas décadas. A criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que possibilitou a universalidade de cuidados – prestados por profissionais com excelente preparação – e facilitou a sua acessibilidade, foi decisiva para a existência de ganhos em saúde que atingiram elevados níveis, como é do conhecimento de todos, que têm merecido, justamente, referências de “enorme sucesso”. Mas acessibilidade, inovação e tecnologia têm custos, não sendo de estranhar que os encargos económicos com a saúde tenham crescido. A forma como este crescimento se verificou, atingindo um patamar bastante elevado, nomeadamente quando comparado com outros países da EU, tem levantado a problemática da sustentabilidade do SNS.
Na sua opinião, o SNS, tal como o conhecemos hoje, está em risco? Gasta-se demasiado?
O que acabámos de referir tem múltiplas justificações, amplamente conhecidas e debatidas, que englobam os contextos demográfico e social, a despesa com fármacos, com especial importância para os mais recentes – e em particular as terapêuticas biológicas –, a utilização – por vezes superior à esperada – de meios complementares de diagnóstico onerosos, para só citar alguns dos muitos fatores implicados.
Contudo, em nossa opinião, existe margem para se poder reduzir custos sem alterar a qualidade da assistência. É necessária uma gestão mais criteriosa de algumas unidades e, em particular, das suas “células”, ou seja dos serviços de ação médica que as compõem. Permita-me alongar um pouco a resposta para tentar clarificar a afirmação. Duas parcelas muito significativas da estru tura de custos das instituições são a “farmácia” e os recursos humanos (RH), que no serviço que dirigimos representavam cerca de 80%. Os RH são um ativo inestimável e assumem uma importância extrema para a promoção da qualidade de vida e bem-estar das populações. A sua formação e desenvolvimento é muito longa e dispendiosa. Para o desempenho de determinadas tarefas ou técnicas (e refiro-me, apenas à minha especialidade, a Pneumologia), o período de tempo após a obtenção do grau de especialista pode ser de cinco ou mais anos, e com recurso a estágios em centros fora do local de trabalho, muitas vezes no estrangeiro. A utilização destas pessoas em atividades indiferenciadas, que podem ser exercidas por quem não é tão qualificado ou até por profissionais não médicos, devia ser devidamente ponderada. Por outro lado, devia estar definido o parque tecnológico, sabendo-se onde e quem executa determinadas técnicas, como condição prévia para a referida diferenciação, porque é muito importante que o profissional execute um número mínimo de procedimentos por ano. Sem este pressuposto os doentes correm riscos muito superiores, a rentabilidade das técnicas diminui, os custos dos atos aumentam, não só pelos custos dos equipamentos mas também pelas avarias que se tornam mais frequentes. Evitar-se-ia o subaproveitamento, ou mesmo a inatividade, de equipamentos que podem atingir mais de uma centena de milhar de euros. É, assim, fundamental que o planeamento estratégico seja uma efetiva função dos objetivos do SNS e de cada unidade que o integra, baseado num conhecimento rigoroso das necessidades qualitativas e quantitativas de atividades e RH.Um documento publicado no final de 2011, com a distribuição geográfica de especialistas – no que diz respeito à minha especialidade e à região de Lisboa – revelava uma ausência de conhecimento da realidade, o que configura exatamente o oposto do que acabamos de expor. Felizmente para os doentes não foi posto em execução!Fica-nos a convicção de que muito pode e deve ser feito, tendo como foco o doente e a sua satisfação. Mas sem precipitações, baseado em informação correta e exaustiva, com o envolvimento de doentes e profissionais, demonstrando-se a necessidade e o benefício da mudança.Nesta perspetiva, acreditamos que os portugueses podem continuar a confiar no seu SNS (…).