SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA

POLÍTICA FISCAL – Leilão fiscal para todos os gostos.Aproximam-se as eleições e podemos ficar todos descansados, pois vamos assistir a um desagravamento fiscal sem precedentes na nossa democracia.  

 No cardápio de todos os partidos temos reduções no IVA, outros no IRS, seja descida na taxa média para todos os escalões ou apenas para a classe média, reduções no IRC, apoio às exportações e revisão de benefícios fiscais. A exceção é o PCP, o qual continua a não entender que a criação de riqueza não passa por nos tornar a todos mais pobres. Faz lembrar aquela anedota de um dirigente português que se desloca à Suécia no pós-revolução para anunciar um enorme combate aos mais ricos, gerando surpresa geral, pois parece que nos países nórdicos a prioridade era combater a pobreza. Mas Portugal é assim, um país nórdico na taxa de esforço fiscal, na tributação indireta e da classe média, e um país do Sul em transparência, eficiência dos serviços públicos, equidade e celeridade na Justiça. 

 Medidas propostas 

Assim, não deixa de ser curioso – e de certa forma assustador – que a agenda política das próximas eleições possa estar parcialmente dominada pela fiscalidade. E é assustador pela falta de sustentação técnica ou coerência das medidas propostas. Este é um país que tributa – e bem – bens com excesso de sal e açúcar, refrigerantes, mas depois tem o IVA à taxa máxima nas atividades desportivas. Que tem uma taxa de poupança das mais baixas da UE, mas que sujeita a tributação à taxa de 28% muitos instrumentos de aforro. Ou que tem as taxas marginais de IRS das mais elevadas na UE e simultaneamente metade dos portugueses não paga IRS. Seria bom, pois, que todas as propostas de cariz fiscal fossem: (i) inseridas num pacote coerente de política fiscal; (ii) as medidas de desagravamento fossem acompanhadas de estudos sobre os seus impactos orçamentais e económicos; (iii) as medidas estivessem interligadas com as políticas sociais, urbanísticas, de coesão territorial, natalidade, só para nomear alguns. O leilão fiscal pode ser bom em termos eleitorais, mas todos sabemos que o jackpot em regra toca a poucos.  

 Despesa fiscal 

Esta discussão não pode ser, igualmente, dissociada da revisão dos benefícios fiscais. Mas aí também começamos mal com a divulgação pública de números de despesa fiscal que não servem outro propósito que não seja a contaminação da opinião pública. Foi assim que foi lançado um valor impressivo de 11,7 mil milhões de despesa fiscal. Corresponde a cerca de 6% do PIB. Colocada a questão nestes termos, difícil será não concluir que temos despesa fiscal a mais que poderia ser distribuída em salários ou pensões. O que tem sido omitido à opinião pública é que, deste montante, 7,5 mil milhões dizem respeito às taxas reduzidas de IVA – maioritariamente ditadas por razões sociais. E agora que Portugal tem das taxas de IVA mais elevadas da União. Como dizia o meu bom amigo e colega Manuel Faustino, ao tratar as taxas reduzidas como benefício fiscal, então deveria exigir-se na padaria uma certidão de inexistência de dívidas de forma a poder aplicar a taxa de 6% sobre as carcaças e papos-secos. Teria graça, não fosse o tema tão sério. Assim, já só sobram 4 mil milhões. É dinheiro. Contudo, e como reconhece o grupo de trabalho responsável pelo estudo ora publicado, a dita despesa fiscal é calculada com base num modelo estático, ou seja, apura-se o valor de receita que seria obtido se o benefício fiscal não existisse. Dito de outra forma, assume-se que os agentes económicos adotariam as mesmas decisões caso o benefício fiscal não existisse. Parece brincadeira não é?  Os efeitos multiplicadores sobre a economia ou os comportamentos induzidos nos agentes económicos não são avaliados, dada a complexidade do seu apuramento. São, portanto, 4 mil milhões de receita virtual. O pior de tudo é que se o legislador, ao invés de criar um benefício, optar por alterar a norma de incidência e deixar de sujeitar a imposto uma dada realidade económica, nesse caso já não temos tecnicamente um desagravamento fiscal. A exceção vira regime de regra e não há despesa fiscal associada. Confuso, não é? 

 O regime de residente não habitual 

Olhemos, agora, por exemplo para um benefício fiscal que tem sido objeto de muita discussão pública e cuja reforma já está anunciada, o regime de residente não habitual. Sabe-se, agora que existem cerca de 30 mil beneficiários, dos quais 2200 estão registados como de elevado valor acrescentado. E sabe-se que esses mesmos 30 mil beneficiários pagaram 80M€ de IRS em 2017. A suposta despesa fiscal é de 593M€. Contudo, o mesmo grupo de trabalho admite que sem esses mesmos benefícios grande parte dos beneficiários não seriam residentes em Portugal. Logo a despesa é mesmo virtual. E que falta apurar a receita adicional obtida – impostos diretos e indiretos – bem como os efeitos multiplicadores no consumo, emprego e VAR. O regime vai ser alterado sem que se tenha uma ideia real do impacto económico da medida desde a sua entrada em vigor em 2009. É assim há décadas a política fiscal à portuguesa. Um conjunto esparso de sound bytes. Com o advento da fiscalidade digital, talvez a criação de um imposto sobre os ditos bytes gerasse um excedente orçamental.