OE 2018 PARTE I
A FÁBULA DA CIGARRA E DA FORMIGA
Esta é uma opinião claramente em contraciclo, tendo em conta as aparentes boas notícias que nos são divulgadas pelo Governo aquando da apresentação da proposta de OE para 2018. Afinal, o país continuará a crescer, o défice público será de apenas 1% e continua o processo de reposição de rendimentos para uma parte da população portuguesa. Tentaremos mostrar, contudo, que não é o orçamento que o país precisa.
O ponto de partida – Portugal vive, em termos económicos, uma conjuntura externa altamente favorável e dificilmente repetível. A nível mundial, a economia cresce acima de 3%, sendo que os nossos principais parceiros económicos – Espanha, Alemanha e França – estão num ciclo de recuperação económica. Em 2017, estima-se que a Espanha crescerá cerca de 3%. Os custos do combustível e as taxas de juro estão anormalmente baixos, com a Euribor a permanecer negativa. Acresce a este cenário favorável os fundos comunitários disponíveis até 2020 e que ascendem a 25 mil milhões de euros para estimular investimento e emprego. Previsões para 2018: para 2018, o Governo prevê um crescimento de 2,2% (abaixo de 2017), com um contributo da procura externa neutro – as exportações diminuem e ajustam-se ao nível de importações –, sendo o crescimento sustentado pela procura interna, seja por via do aumento do investimento público (mais 40%), seja por via do consumo. O saldo primário cresce ligeiramente, isto apesar de a receita crescer mais que o estimado e haver uma redução do pagamento com juros (cerca de menos 400 M€). Concretizando: a despesa reduz-se menos que o previsto, apesar de mais receita fiscal e de menor despesa com juros. A dívida pública mantém-se elevadíssima (124% do PIB) e os salários crescem 3,2%, bem acima da produtividade. Ou seja, aumentam-se os custos unitários de trabalho com a consequente perda de competitividade. A consolidação orçamental faz-se com mais receita e cortes não identificados nos consumos intermédios e as famosas cativações. Só nestas medidas discricionárias e não detalhadas na proposta de OE, o Governo espera poupar cerca de 750 milhões de euros. Em suma, o ciclo positivo e a ligeira margem orçamental não é redistribuída pela economia com estímulos ao investimento, mas sim com estímulos ao consumo e benesses ao eleitorado.
Opções políticas
Opções políticas: as opções do Governo são claras e consistem num desagravamento parcial do IRS – apenas para os escalões mais baixos, uma espécie de sectarismo fiscal – e mais benesses para a função pública: descongelamento de carreiras (com efeitos orçamentais diferidos para 2019 e os anos subsequentes), aumento de prestações sociais. Recorde-se a este propósito que as alterações ao IRS ora propostas apenas se farão essencialmente sentir em 2019 – no próximo ano executa-se e cobra-se o IRS de 2017 – com os eleitores a receberem um cheque mais generoso de IRS e o Estado com menor receita. Está a aumentar-se a despesa primária estrutural, aproveitando o ciclo económico (e eleitoral) e gerando encargos futuros. Praticamente inexistem incentivos para as empresas, para o investimento e para a atração de investimento estrangeiro. É a política da cigarra – canta durante o verão, ignorando os tempos mais duros que se avizinham com o inverno. E o país tem alguns desafios a curto prazo. Desde logo de financiamento. Entre 2020 e 2021, Portugal necessita de ir aos mercados refinanciar dívida pública num montante superior a 35 mil milhões de euros, sendo que 21 mil milhões serão em 2021. Trata-se de um montante muito significativo e que irá colocar a nossa dívida pública sob pressão. Acresce que se estima que as políticas de incentivo monetário do BCE, incluindo a fixação da taxa de juro de referência, terminarão a partir de 2019. Ou seja, para além de terminar com os programas de compra de dívida pública, as taxas de juro deverão voltar a crescer a partir de 2019. Este período – 2019/2021 – coincide precisamente com o fim dos fundos comunitários do Portugal 2020. Ou seja, a próxima legislatura será de grande exigência, sem que se vislumbre a implementação de políticas estruturais que permitam um crescimento económico robusto. Recorde-se que apesar da subida do PIB de 2,9% no segundo trimestre ter sido o maior crescimento económico dos últimos 17 anos, quando comparado em cadeia – ou seja, com o trimestre anterior – fixou-se nos 0,3%. Este desempenho da economia portuguesa foi o pior registo da União Europeia, apenas igualado pelo Reino Unido, sendo metade da média da zona euro (0,6%). Estamos a crescer, sim, mas menos do que devíamos num contexto que nos é altamente favorável. Pior, não estamos a criar as condições para crescermos de forma robusta no futuro, uma vez que se mantêm ou têm sido agravados os constrangimentos macro que limitam o nosso crescimento: uma reforma do Estado por fazer – com impactos significativos na definição atempada das prioridades de alocação da despesa pública e dos investimentos em setores-chave de soberania (como se tem visto aliás, tragicamente, nos últimos meses) –, uma política fiscal castradora do investimento e na globalidade pouco competitiva (a nossa taxa de esforço fiscal permanece a mais elevada da EU e comparamos mal com as economias da nossa dimensão), uma dívida pública insustentável, uma justiça ineficiente, ou um envelhecimento gradual da nossa população que exige políticas públicas urgentes (e ausentes uma vez mais neste orçamento). É verdade que o verão este ano vai longo, mas o frio e a chuva hão de voltar, e nessa altura vamos precisar de mais do que mero otimismo para enfrentarmos as intempéries que inevitavelmente nos assolarão. Em suma, não estamos a criar as condições estruturais que nos permitam, pelo nosso pé, assegurar uma trajetória sólida de crescimento económico e de redução da dívida pública.
Notas finais
Nota final: o que se passou este ano com os incêndios prova a falência do Estado nas suas funções de soberania e de proteção das populações. Não basta reformar a floresta, impõe-se um debate sério sobre o tipo de Estado que pretendemos, quais as funções básicas que devem ser asseguradas pelas instituições públicas e que recursos humanos e financeiros deverão ser alocados. Sem esta discussão, temo bem que outras tragédias possam ocorrer no futuro.