SAMUEL DE ALMEIDA FERNANDES

CAMPANHA ELEITORAL UMA AGENDA POLÍTICA INÚTIL – Estamos a iniciar nova campanha eleitoral e a primeira conclusão que podemos retirar é que os atuais partidos políticos persistem num discurso e numa agenda política incapaz de dar resposta aos desafios que se colocam a um mundo em profunda transformação.  A incapacidade de dar resposta aos desafios que se colocam pode, em parte, explicar os elevados níveis de absentismo, por um lado, bem como o surgimento de movimentos e soluções políticas alternativas que surgem aos olhos do eleitorado como a resposta para o vazio atual. Falar neste contexto em esquerda e direita é uma linguagem disléxica para o mundo atual, pois que os modelos tradicionais de política social e económica não dão resposta aos desafios que aí vêm. Com efeito, vivemos uma época de transformação acelerada como nunca vivemos, em que a revolução tecnológica em curso mudará por completo a face das sociedades modernas. A automação em curso revolucionará diversos setores tradicionais, desde o retalho, o setor automóvel, todas as áreas de serviços, à saúde.   Este não é um cenário longínquo, está ali ao virar da esquina, colocando milhares de trabalhadores no desemprego e exigindo às novas gerações uma capacidade de adaptação e mobilidade nunca antes vistas com impactos imprevisíveis em termos sociais. O que fazer com milhares de inúteis” num mercado de trabalho cada vez mais automatizado? Só na área dos serviços jurídicos prevê-se que num prazo de 10 anos cerca de 25% a 30% das atuais funções desenvolvidas por humanos sejam realizadas por máquinas. Empregos como os call center, atendimento ao público, tenderão a desaparecer, só para nomear alguns. O setor automóvel está a transformar-se progressivamente num setor tecnológico e de serviços, em que as soluções de automação e smart driving estão aí, colocando obviamente em risco milhões de postos de trabalho. 

A importância dos dados pessoais – Boa parte das maiores empresas do mundo passaram a ser do setor tecnológico, ultrapassando as petrolíferas ou os gigantes do retalho tradicional. O novo ouro negro deixou de ser o petróleo, mas sim os dados pessoais, com todas as implicações daí decorrentes em termos de segurança, privacidade e até mesmo funcionamento dos sistemas políticos e democráticos.   A utilização, recolha e tratamento maciço de dados pessoais em campanhas eleitorais – recolhidos de forma muito duvidosa com a complacência de gigantes tecnológicos – mudou a face política dos EUA e do Reino Unido, com a eleição de Trump e a saída do Reino Unido da União Europeia. É um mundo disruptivo a que os partidos políticos não conseguem responder, antecipar ou de todo controlar. Os governos deixaram de governar na aceção tradicional – isto é de liderar os movimentos transformadores da sociedade – para simplesmente gerirem o dia das sociedades. E as propostas e agendas refletem isso mesmo, um enorme desfasamento e uma incapacidade preocupante de dar resposta aos desafios que enfrentamos enquanto sociedade.  

Preocupação com os temas ambientais – Falar em segurança social nos modelos tradicionais para fazer face à revolução social que está em curso é uma utopia. O PAN aliás percebeu, em parte, essa dificuldade centrando o seu discurso nos temas ambientais, respondendo a uma preocupação crescente de parte da população. As alterações climáticas são outra força motriz e os mais jovens estão crescentemente sensíveis ao tema. Aliás, a não fazer-se nada de verdadeiramente transformador nesta matéria, teremos desafios gigantes para ultrapassar, desde a escassez de água em partes do globo – o que se está a assistir na Índia é verdadeiramente preocupante a este nível – com inevitáveis deslocações maciças de populações, ou investimentos colossais para fazer face à subida do nível do mar. Cidades como Nova Iorque, Shangai ou mesmo Lisboa podem estar em risco a médio prazo.  

Discutir o SNS, o investimento em educação, Segurança Social ou outros temas tradicionais,  ignorando os desafios da transformação em curso, é o equivalente a discutir o papel do cavalo no tempo da revolução industrial. O cavalo ainda existe, mas mudou de função. A continuar assim será esse o papel dos partidos políticos tradicionais.