NOMES QUE NÃO VAMOS ESQUECER – A cada ano que passa, nomes, factos e figuras ficam retidos na nossa memória pelo protagonismo que conferiram a determinado momento, localizado no espaço e no tempo. Para a FRONTLINE, estes seis nomes serão incontornáveis neste ano que entra, sem mérito ou desmérito para os muitos que ainda se venham a revelar.
Boris Johnson – A forma como o Reino Unido vier a concretizar o Brexit desenhará não só o futuro da União Europeia como poderá determinar anos vindouros muito conturbados para os súbditos de Sua Majestade. E o rosto visível da bonança ou da tempestade será sempre Boris Johnson. O atual primeiro-ministro ganhou as últimas eleições e a vitória foi significativa, mas não expressiva. O Reino é hoje reflexo de uma sociedade fraturada, fratura adensada pala determinação cada vez maior da Escócia em se tornar independente. Na verdade, tudo vai depender apenas do impacto económico que o Brexit tiver no Reino Unido, não passando tudo o mais de simples propaganda de exaltação do espírito nacionalista de orgulho numa “real” soberania secundarizada bem orquestrada por Boris Johnson e pelos conservadores, que jogaram com a inaptidão política de um líder dos trabalhistas, de seu nome Jeremy Corbyn, a personificar um radicalismo de esquerda perdido na memória dos tempos há décadas. Para o bem ou para o mal, Boris Johnson lidera os destinos britânicos. Resta saber qual dos estatutos prevalecerá: o de bestial ou o de besta.
Donald Trump – A américa de Trump tornou-se num nó cego que ninguém sabe como desatar, mas a fratura interna que o país vive – uma profunda clivagem ideológica alicerçada em patamares geracionais, o que a torna mais perigosa e radicalizável – ameaça agora contaminar a cena internacional muito por força dos recentes acontecimentos no Irão que culminaram com a morte do general Qasem Soleimani. Se a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos ainda está por explicar, a máxima aplica-se a todas as decisões que toma, carentes de racionalidade, e mesmo a versão mais racional e politicamente correta que tenta adotar para esconder a irascibilidade, intolerância, falta de sentido e valores éticos, entre tantos outros atributos que caracterizam a sua personalidade, é sempre toldada de incerteza. A única explicação razoável para o deliberado ataque ao Irão continua a ser motivada pela necessidade de mobilização interna – aliás não inédita de Trump – do seu eleitorado face ao processo de impeachment de que é alvo e, mesmo assim, sabendo que este é condenado ao insucesso pela atual aritmética política entre democratas e conservadores nas duas câmaras. E é neste cenário de alienação que as nações ocidentais navegam, não sabendo hoje quem mais temer: os inimigos declarados ou os aliados alucinados.
Marcelo Rebelo de Sousa – Se o nosso ano fosse chinês, o próximo seria o ano de Marcelo. Na verdade, com mais tabu ou menos tabu, Marcelo Rebelo de Sousa dificilmente deixará de se recandidatar a um segundo mandato de Presidente e, a assim ser, 2020 será o ano em que Marcelo deixará claro o que os portugueses, mas sobretudo os atores políticos, poderão esperar de si se reeleito em janeiro de 2021, data das próximas presidenciais. Mas à data de hoje há um conjunto de verdades adquiridas que são irrefutáveis: Marcelo não tem pressa nenhuma em anunciar a sua decisão. Apesar de alguns socialistas já terem admitido o apoio a uma recandidatura, se as circunstâncias forem idênticas às atuais, António Costa sabe bem, e a história é pródiga nesse ensinamento, que a regra é que os segundos mandatos costumam ser particularmente adversos para os governos em funções; que a marca é indelével e haverá sempre um antes e um depois de Marcelo Presidente e dos tempos novos que trouxe na relação entre eleitos e eleitores. E relembro o que nestas páginas escrevemos já há dois anos trás: Marcelo revelou-se e impôs-se na condução política do país quando as circunstâncias assim o exigiram; rompeu com interesses sempre que necessário; elogiou e criticou independentemente de credos, filiações ou convicções e revelou-se ao lado dos portugueses quando a consciência assim o determinou. Se o dilema não se colocar já em 2021, não deixará de existir num futuro próximo: quem aceitará o desafio de suceder a este presidente?
António Costa – Hoje governa à esquerda sustentado em bases doutrinárias próximas da direita, num trajeto em que, desde 2014 – ano que marcou de uma forma meteórica a sua consolidação política ao conseguir uma vitória sem precedentes na sua recondução à frente dos destinos da Câmara Municipal de Lisboa e ao conquistar a liderança dos socialistas, passando pela inédita solução política do anterior mandato governativo e pela vitória nas últimas legislativas –, tem revelado uma enorme ambição e é um raro sentido de oportunidade política, esconjurando o vigente conceito do “arco da governação” tão consolidado na democracia portuguesa. Se venceu o desafio dos últimos quatro anos, sustentado numa “geringonça” que fez a democracia funcionar em pleno, numa maioria pluripartidária e na necessidade de encontrar o equilíbrio entre as propostas para a recuperação económica e social do país, sem ignorar as medidas de austeridade ainda necessárias para não comprometer o futuro dos portugueses no médio e longo prazo, o futuro que se avizinha já não parece ter um horizonte tão favorável. Não porque não lhe seja possível, mais uma vez, equilibrar a equação do seu programa político, com a governação exigida à sua esquerda e os compromissos de um país europeísta, mas por essa mesma sustentação à esquerda já perceber que corre o risco de uma enorme perca identitária e de o PS se tornar o partido de charneira em Portugal, mais ainda face à acelerada erosão política do centro-direita no nosso país. Por estranho que pareça ou possa parecer, o futuro político de António Costa já não parece depender dos eleitores, mas sim dos atores políticos com medo de sair de cena. Será 2020 para António Costa o primeiro ano do “resto da sua vida”?
Pedro Sanchez – À última foi de vez, e Pedro Sanchez conseguiu por escassos dois votos fazer passar o seu Executivo, pondo assim um ponto final num longo período de bloqueio político, em que a Espanha foi governada por um Governo de gestão. Trata-se do primeiro Governo de coligação da Espanha democrática, firmado entre socialistas e a coligação de esquerda Unidos Podemos, de Pablo Iglesias, depois de duas eleições gerais realizadas num ambiente de grande polarização política, e que viram não só chegar, como chegar e afirmar-se como terceira força política no Parlamento, um partido de extrema-direita, o Vox. A grande incógnita para o futuro continua a ser a capacidade de Pedro Sanchez gerir a sua “geringonça”, mais ainda face ao pretenso protagonismo político que o líder do Podemos tem revelado. E o cenário de risco não se coloca só para Espanha, pois pode ter reflexos profundos em Portugal, mais não sendo pela importância de nuestros hermanos como parceiro económico e importante motor no nosso setor exportador. E tudo isto num país sentado em cima de uma bomba-relógio chamada Catalunha.
Rui Rio – Reconquistou a liderança dos sociais-democratas e logo afirmou que o passo seguinte seria “ganhar o país”. Rio foi reeleito com 53,02% dos votos, derrotando o ex-líder parlamentar Luís Montenegro, que teve 46,98%. A verdade é que o PSD vai continuar amarrado ao estilo de liderança que conheceu nos dois últimos anos, já que nas palavras de Rui Rio não se adivinhou vislumbre de grandes mudanças. Exceto, para já, na lógica da desejada união do partido, a afirmação de que a sua legitimidade não é contestável e que há sempre lugar para todos no partido, em que “as diferenças de opinião enriquecem”, mas que não pode aceitar que quando estas não existem se inventem “diferenças de opinião para se criar problemas”. Apenas duas perguntas ficam agora em aberto, ou seja, se a oposição interna a Rio é capaz de decretar o “fim das hostilidades” em prol da união do partido e que relação vai o líder do PSD ter com o Governo de António Costa. Porque o próximo veredicto para Rui Rio dependerá não só destas respostas, como também do resultado das próximas eleições autárquicas.