DISSECANDO ESTE ORÇAMENTO DO ESTADO
A boa notícia é que o saldo orçamental, em 2017, mantém-se equilibrado, cumprindo com os objetivos decorrentes do pacto orçamental comunitário. E é importante que este Governo ganhe esta credibilidade internacional, depois das rábulas com a Comissão no ano anterior.
A questão que se impõe é só uma, saber se este é o orçamento que o país precisa, nomeadamente em matéria de crescimento económico e competitividade. Com efeito, em 2017, estima-se um crescimento de 1,5%, continuando a trajetória de divergência com o resto da UE, a qual crescerá 1,7%. Em termos relativos, em 2017 continuaremos a empobrecer, a que acrescem outros fatores críticos: temos um endividamento excessivo e o Estado (despesa pública) continua a pesar mais de 50% da riqueza produzida. Neste contexto, crescimento e investimento são fatores críticos. E nessa perspetiva, este Orçamento não traz boas notícias. Em termos fiscais, a receita fiscal, mais contribuições sociais, cresce cerca de 2,1 mil milhões de euros, o que significa que inexiste qualquer incentivo ao crescimento económico. Sejamos claros, para alimentar o monstro da despesa pública continuaremos a subtrair recursos à economia e aos privados. Recordemos que o dito desagravamento fiscal limita-se à redução parcial da sobretaxa, mais a redução do IVA na restauração, uma medida mais que discutível neste contexto e que custa mais de 150 milhões de euros. A redução da tributação direta vem ainda, e muito, da redução da taxa de IRC para 21% em 2015, bem como os efeitos em 2016 da reforma do IRS. No mais, temos um conjunto anacrónico de medidas que em nada contribuem para um reforço da competitividade fiscal. Vejamos algumas das medidas.
Medidas em análise
Comecemos pelo adicional de IMI. Dos 150 milhões de euros de receita estimada, cerca de 100 milhões serão retirados às empresas, pois recorde-se que o Imposto de Selo ora abolido só incidia sobre prédios habitacionais e terrenos para construção. No novo tributo, os edifícios para comércio e serviços passam a estar sujeitos, caindo assim por terra o argumento da tributação das grandes fortunas. Aliás, a este propósito, uma família que dispusesse de um imóvel de 1,5 milhões de euros em 2016 pagava 16.000 euros, passando a pagar, em 2017, 0,3% sobre 300.000 euros, ou seja 900 euros. E as empresas abrangidas pelo RETGS (Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades) apenas beneficiam de uma dedução única de 600.000 euros (pelo grupo e não por cada empresa, como sucede por exemplo com a derrama estadual). Na remuneração convencional do capital social, propõe-se um alargamento do regime, mas em contraponto reduz-se a percentagem de dedução de gastos de financiamento de 30% para 25%, ou em alternativa, se maior, um milhão de euros de gastos com juros. Ora, apenas as grandes empresas terão gastos com financiamento iguais ou superiores a um milhão de euros, penalizando assim as PME. O que se dá com uma mão, tira-se com a outra. No regime de incentivo à interioridade, o impacto da redução de taxa – de 17% para 12,5% sobre os primeiros 15.000 de matéria coletável – dá um incentivo de 675 euros, bem como a redução do PEC (Pagamento Especial por Conta). É pouco, não chega sequer para compensar os gastos adicionais de combustível. Trata-se de despesa fiscal sem qualquer retorno. No regime de incentivos às startups (projeto semente), a dedução à coleta por cada 100.000 euros pode chegar aos 25.000 euros, mas isso exige uma coleta de cerca de 42.000 euros – quantas pessoas singulares têm uma coleta de cerca de 40.000 euros? –, já para não falar no conjunto muito significativo de restrições sobre a composição do capital social, prazo de detenção ou acesso ao regime. Para termos uma ideia, no Reino Unido os incentivos fiscais podem ascender a uma dedução fiscal de 50% dos investimentos realizados com o limite de 150.000 libras. E não podemos ter apenas um regime para incubadoras de novas sociedades, se não tivermos capital para investir. Muitas empresas nascem em Portugal e depois colocam as suas sedes no Reino Unido pelos incentivos e pela necessidade de capital. Crie-se, pois, um regime fiscal generoso para as empresas de capital de risco e crowdfounding.
Incentivos à poupança
Aliás, saliente-se que este Orçamento é totalmente omisso em matéria de incentivos à poupança, o que não deixa de ser estranho numa altura em que a poupança privada caiu para menos de 3,5% do rendimento – quase 10% em 2013 – e a banca precisa desesperadamente de capital. Menor poupança significa maior necessidade de financiamento externo, promovendo de novo o ciclo vicioso que nos amarra há mais de uma década. Que quer isto tudo dizer? Que o nível de despesa – sobretudo despesa corrente – consome os recursos públicos e privados, exigindo uma carga fiscal excessiva para a dimensão da nossa economia. Ou dito de outra forma, a resistência em reduzir de forma sustentável a despesa pública tem por efeito a ausência de margem orçamental para reduzir a carga fiscal e desta forma criar uma política efetivamente competitiva e de incentivo ao crescimento económico. Esta é a verdade, o resto da discussão aparentemente ideológica não passa de fogachos para distrair a opinião pública e desviar a discussão do essencial.