ISABEL MEIRELLES

meirellesO ESTADO DA NOSSA DESUNIÃO

O tão esperado discurso de Jean Claude Juncker sobre o Estado da União, num paralelismo com aquele que faz o presidente dos Estados Unidos, marca a rentrée política em Bruxelas e em Estrasburgo.

Considerando que estamos em tempo de sarar feridas profundas na unidade dos europeus, esperava-se um discurso mais galvanizador, mas apenas tivemos novidades escassas e muitos lugares-comuns, com a finalidade de agradar a todas as famílias políticas do hemiciclo e ao lobby do colégio de comissários, em que cada um, na ânsia de ganhar protagonismo, tentou impor a sua agenda pessoal em função do seu pelouro e dos assuntos que lhe estão atribuídos. O resultado foi uma comunicação pouco estruturada e incoerente, salpicada de temas díspares e não coordenados entre si, com poucas surpresas na alocução, e as prioridades foram as esperadas, focadas no desemprego, sobretudo jovem, que reclama mais Europa social, no crescimento económico e, na decorrência, no financiamento pela banca e na sua sustentabilidade. A única frase forte e entendível foi que esta geração não pode correr o risco de ser mais pobre do que os próprios pais!

Um discurso escutadouniao-europeia

O Brexit teve honras de tema de abertura, em que o presidente da Comissão referiu o pensamento conhecido de uma saída rápida, para pôr fim à incerteza do processo, tendo subtilmente focado os acordos de comércio existentes com 140 Estados, designadamente com o Canadá, numa espécie de recado de que a União não precisa dos britânicos e que a sua saída não é o princípio do fim. Conhece-se, contudo, que o sentimento de muitos países, designadamente da própria Alemanha, é de orfandade e de amputação de um dos seus membros, reações que foram explicitadas no mais recente Conselho Europeu informal de Bratislava, onde se tentou cerzir a unidade europeia tão perigosamente rasgada, com a saída iminente do Reino Unido da União. Também neste discurso sobre o estado da União, Juncker elege como tema forte o combate ao terrorismo, talvez o único tema agregador dos políticos e cidadãos, e que teve um destaque especial, considerando que já se produziram, em solo europeu, 30 ataques terroristas, dos quais 14 no ano transato. Este tema foi enfatizado por Juncker com medidas concretas, designadamente de combate à radicalização dos jovens nas prisões, de reforço do controlo das fronteiras, quer internas, quer externas, com mais meios humanos e financeiros, designadamente para a Europol, e com maior cooperação ao nível mais sensível da troca de informações entre Estados-membros, que tem de assentar numa base de confiança, até agora praticamente inexistente e com as autoridades responsáveis a trabalhar de costas voltadas. Neste capítulo, existe a proposta de muscular o registo de dados nas entradas e saídas, com sistemas automatizados de controlos, sendo que será possível saber quem está a viajar para a Europa, mesmo antes de chegar.

Verdadeiras novidades

Contudo, as verdadeiras novidades deste discurso foram, especialmente, o reconhecimento por Juncker de que o Pacto de Estabilidade e Crescimento tem de ser flexibilizado, sobretudo para os países do Sul, para não inibir o desenvolvimento da economia, o que é uma inversão na ortodoxia orçamental até agora seguida pela Comissão Europeia, e que abre perspetivas para regras mais suavizadas. Não serão indiferentes a esta afirmação as pressões exercidas pelos países intervencionados pela troika, nem as dificuldades de grandes Estados como a França e a Itália em cumprir o PEC. Sabemos que Juncker é mais um homem de consensos do que de liderança e que tem sido ultrapassado, por força dos acontecimentos, pela intergovernamentalidade dos Conselhos, o que significa que quem vai decidir, em última instância, nestas matérias é a chanceler alemã e o seu todo-poderoso ministro das Finanças. Finalmente, em relação ao tema quente da imigração e dos refugiados, Juncker deixou cair subtilmente o polémico sistema de quotas, que tem sido uma fonte de dissensão entre os Estados-membros, considerando que a solidariedade não pode ser imposta, numa tentativa de apaziguar aqueles países que, como a Hungria e a Polónia, pela voz de Viktor Orban e Beata Szydlo, se rebelam contra esta exigência e lançam, bastas vezes, mensagens de ódio contra Bruxelas, sempre muito bem acolhidas pelos seus eleitores. Juncker proclamou, ainda, na Cimeira em Bratislava, que quer defender as fronteiras da Europa com a nova força europeia que conta, a partir de outubro com, pelo menos, mais 200 guardas e 50 veículos destacados para as fronteiras externas da Bulgária que, com as convulsões na Turquia, recorreu aos parceiros da União para garantir a estabilidade, o que aconteceu sob a forma de apoio financeiro de 108 milhões, num pacote que pode chegar até aos 160 milhões de euros.

Situação crítica da unidade europeia

A situação crítica da unidade europeia, nas palavras de Angela Merkel, conta também com outras vertentes, daí que tenha sido alcançado o compromisso de uma política mais restritiva impedindo o regresso daquilo a que chamou os fluxos descontrolados do ano de 2015, com o objetivo de reduzir o número de migrantes irregulares. O enfoque da questão continua, contudo, centrado nos princípios da responsabilidade e solidariedade entre Estados-membros, numa expressão vaga que, apesar disso, continua a não agradar a todos.  Em suma, um discurso onde Juncker pretendia instilar esperança para evitar o desastre, mas que não passou de um desfiar de lugares-comuns e de um ritual europeu sem consequências, pelo menos, por agora.  Caso para perguntar, quo vadis Europa?