ALEXANDRE MESTRE

3201bikeO TREINO PERSONALIZADO EM CONTEXTO OUTDOOR: QUE LEI?

Gosta de treinar ao ar livre num treino personalizado – com a prescrição de um PT (personal trainer)? Então este artigo é para si. Assim como é para o legislador e todos os que frequentam e se interessam pelo mundo do fitness. E a questão central está em saber qual o perfil exigido (ou não) para esse PT e consequências daí advenientes.

Conhecida por Lei dos Ginásios, a Lei n.º 39/2012, de 28 de agosto, é a que “[…] define o regime jurídico da responsabilidade técnica pela direção e orientação das atividades desportivas desenvolvidas nas instalações desportivas que prestam serviços desportivos na área da manutenção da condição física (fitness), designadamente os ginásios, academias ou clubes de saúde (healthclubs) […]”. Temos, portanto, como elemento conceptual de ginásio, a existência de “instalações desportivas”, ou seja, a Lei dos Ginásios não se aplica aos casos em que os serviços de fitness sejam prestados fora de uma “instalação desportiva”. Com efeito, não faria sentido aplicar a Lei dos Ginásios àquilo que essa mesma lei não qualifica como ginásio. Assim, na prática, todo o fitness praticado ao ar livre – outdoor fitness, outdoor training ou outra designação adotada – escapa ao crivo da Lei dos Ginásios. Como sabemos, uma das exigências da Lei dos Ginásios é a de que em “cada instalação desportiva” haja “técnicos de exercício físico responsáveis pela orientação e condução do exercício de atividades desportivas a decorrer na instalação”, os quais devem dispor de formação adequada – é mesmo obrigatória a obtenção de título profissional válido”, por via de (i) licenciatura na área do desporto ou da educação física, de (ii) qualificação, na área do fitness, no âmbito do sistema nacional de qualificações, ou (iii) por via da formação ou através de competências profissionais adquiridas e desenvolvidas ao longo da vida. Face ao enquadramento exposto, será de concluir que todo o serviço de fitness levado a cabo fora de uma instalação desportiva pode ser prestado por alguém sem formação adequada, o que é, no mínimo, desconfortável para o utente/consumidor, porquanto pode dar-se o caso de os recursos humanos em causa não estarem (bem) preparados para assegurar a saúde e segurança desse praticante (é certo que o seguro será sempre obrigatório, mas não se esgota aí a prevenção)…

 

Aplicação da leiFitness_outdoor_activity_455994

A verdade é que o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) já veiculou publicamente uma posição que procura confortar o praticante: “imaginemos, agora, uma atividade de fitness realizada ao ar livre, por hipótese num jardim público. Neste caso não será necessária a exigência do DT [diretor técnico], uma vez que não se trata de uma instalação desportiva. No entanto, a obrigatoriedade do TP [título profissional] para o Técnico de Exercício Físico (TPTEF) continua a ser necessária, uma vez que a lei em causa obriga à posse de TP para a orientação da atividade, independentemente do local onde a mesma ocorra”. Não me resulta claro qual a base jurídica para esta sustentação do IPDJ, embora a aplauda, porque, lá está, acautela a segurança e a saúde do praticante. Admito que, porventura, o IPDJ se alicerce no n.º 2 do artigo 35.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, sob a epígrafe “Formação de Técnicos”, segundo o qual “não é permitido, nos casos especialmente previstos na lei, o exercício de profissões nas áreas da atividade física e do desporto, designadamente no âmbito […] do exercício e saúde […] a título de ocupação principal ou secundária, de forma regular, sazonal ou ocasional, sem a adequada formação académica ou profissional”. Mas mesmo assim está-se neste preceito a remeter para o que a lei (de desenvolvimento) prevê… e esta, como já se viu, incide sobre atividades desenvolvidas em… instalações desportivas. A matéria não me parece, pois, totalmente resolvida. E acredito que a própria ASAE – entidade competente para fiscalizar os ginásios – necessite de clarificação.

publicac3a7c3a3o-27-01-dicas-de-exercc3adcios-para-fazer-ao-ar-livreAlterações necessárias

Aqui chegados, julgo que, entre outras modificações (algumas urgentes) de que carece a Lei dos Ginásios, seria vital vincar que a existência de instalação desportiva não é elemento necessário para fazer incidir essa mesma lei. Estamos num setor em crescente inovação e mutação, e a lei, creio, não pode deixar de acompanhar esse… movimento. Ora, também aqui, a roda já está inventada. Veja-se a técnica legislativa utilizada num recente diploma adotado na Região Autónoma dos Açores – o Decreto Legislativo Regional n.º 24/2016/A, de 11 de novembro – que deixa cair as “instalações desportivas” do seu objeto e prevê uma norma própria (artigo 21.º) para as “Atividades desenvolvidas fora de instalações desportivas”, conforme segue: “Sempre que as atividades se desenvolvam em espaços que não sejam instalações desportivas devem ser cumpridos os requisitos constantes do presente capítulo, com as necessárias adaptações.” Fica aqui a sugestão.