O Turismo de Saúde e o seu potencial de desenvolvimento para Portugal foi o tema central de mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, que reuniu mais um painel de especialistas, no passado dia 28 de Novembro, no Hotel Tiara Park, em Lisboa.
Carlos das Neves Martins, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal, Artur Osório, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, e João Martins, CEO do Grupo HPP Hospitais Privados de Portugal, foram os quatro oradores convidados para mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE. O Turismo de Saúde e o seu potencial de desenvolvimento para o nosso país foi o tema central da iniciativa. A partir das opiniões expressas pelos quatro oradores convidados, destacou-se como questão unânime a reconhecida necessidade de promoção deste setor como fator crítico para o seu sucesso.
Coube a Carlos das Neves Martins, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), fazer a introdução do tema em debate, começando por situar a pertinência da sua discussão. Nos últimos três anos o assunto tem vindo a ganhar importância na agenda política governativa, o que, no seu entender, reforça o ganhar de consciência de que estamos perante um desafio importante para o nosso pais. Mas é fundamental, e antes de qualquer abordagem setorial, falar da cadeia de valor do setor da Saúde enquanto um todo, da sua competitividade e das suas oportunidades, e saber qual é o valor do Turismo de Saúde nesta cadeia de valor mais vasta. Para o presidente do CHLN é assumido que Portugal tem nesta matéria um enorme potencial, derivado de um conjunto de fatores de diferenciação e competitividade que nem sempre são valorizados, como a excelência das nossas escolas de formação, dos nossos recursos humanos, da investigação e da sua afirmação internacional, da utilização da marca União Europeia e, como enfatizou de mais importante, a qualidade internacionalmente reconhecida do nosso Serviço Nacional de Saúde. Concretamente e no que respeita ao Turismo de Saúde, Carlos das Neves Martins chamou ainda a atenção para alguns aspetos que, nestes últimos anos, têm sido determinantes para o caminho do desejado sucesso, nomeadamente o trabalho que o Health Cluster tem feito nesta matéria; o papel do grupo de trabalho criado há cerca de um ano pelos ministérios da Saúde e da Economia e o facto de o Governo assumir assim claras responsabilidades; o desenvolvimento do trabalho em parceria com o setor privado, levando todo este esforço a que, no final deste ano, esteja pronto o documento base para estruturar a nossa oferta em termos de Turismo de Saúde, mas que seja sobretudo um documento que agregue os vários players nesta área, em matéria de promoção do país e captação dos mercados internacionais. Quanto a números, o retrato traçado não ofereceu margens para dúvida, o Turismo de Saúde é um dos setores que mais tem crescido na área do Turismo como um todo: na Europa, 7 a 8% desde o ano 2000, com um crescimento estimado de 8 a 10% até 2015. A nível internacional e olhando para uma das suas vertentes-âncora, a do turismo médico, o volume de negócios passou de 40 biliões de dólares, em 2004, para 60 biliões, em 2006, e estima-se que no prazo de dois/três anos se consiga chegar aos 200 biliões de dólares. Para Carlos da Neves Martins é neste mercado de grande potencial de crescimento que Portugal tem de utilizar a estratégia da mancha de óleo, colocar um pontinho e ir acompanhando a sua evolução: “Temos de definir muito bem a nossa estratégia, onde é fundamental, como já referi, a importância de o Governo estar envolvido com o setor privado na definição da oferta, da promoção, na definição dos mercados. Só em conjunto, enquanto país, é que podemos ter aspiração a ganhar este desafio. O que temos de fazer é de nos organizarmos, de apostar na promoção do país como um destino para o Turismo de Saúde que tem quatro pilares fundamentais, e essa é uma das características-chave que devemos utilizar na sua promoção: o turismo médico, o termal, o de bem-estar e o sénior. Não integrar estes quatro pilares é um erro, mais ainda sabendo que em qualquer um deles não precisamos de fazer grandes investimentos estruturais, exceto na promoção. E esta deve ser entregue ao Turismo de Portugal.” E concluiu: “Mas para tudo isto é fundamental que haja uma mudança de mentalidades, que se trabalhe em parceria e não se ande apenas a discutir quem é o mais importante neste desafio, se é o setor público, o privado, o social, o turismo ou a saúde. É ter uma estratégia de promoção, conseguir estruturar a oferta e sobretudo definir muito bem quais serão os mercados-alvo da nossa oferta em Turismo de Saúde.”
Já Artur Osório, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, centrou a sua intervenção numa abordagem mais pragmática, e a primeira questão a reter foi a de que a distinção entre público e privado já não existe: “O que hoje faz sentido é falar em comunidades prestadoras de saúde, públicas ou privadas, mas que em concorrência gerem qualidade. Um doente só aceita vir a Portugal se for tratado como um verdadeiro cliente, e por isso mesmo ainda temos de dar passos muito importantes no que respeita ao nosso Serviço Nacional de Saúde, assente num modelo que só existe em Portugal. Mesmo o setor privado ainda tem passos muito importantes para dar, a começar, por exemplo, pela profissionalização dos médicos que não podem estar de manhã no público e à tarde no privado ou vice-versa, à semelhança de modelos que funcionam noutros países. Para Artur Osório não se trata de querer ser ou parecer o velho do Restelo, mas sim de trazer as pessoas à realidade, particularmente na área do turismo médico, onde é preciso alterar ainda muita coisa para se poder conquistar mercados, a começar por uma profunda alteração do sistema de saúde que é o mais coletivista da Europa: “Por exemplo, se formos à Inglaterra, muitos dos hospitais são verdadeiras empresas públicas que concorrem entre si e também com o setor privado, com base na liberdade de escolha do doente. Agora tudo isto faz sentido porquanto incide sobretudo na área do turismo médico. Sobre a área do Turismo de Saúde, de um ponto de vista mais abrangente, concordo plenamente que temos um potencial imenso, atendendo às características e condições do nosso país, à afirmação da diáspora portuguesa, às infraestruturas turísticas existentes, e considerando até já algumas na área da Saúde, e à segurança do nosso Serviço Nacional de Saúde, embora aqui mais na lógica do ser tratado pela doença do que na procura da prestação de atos médicos, o que é muito diferente.” Mas para o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada a verdade é que temos de saber integrar todas estas valências, seja o turismo médico, o de saúde ou o sénior, e saber vender o produto, o que não temos sabido fazer, e com uma certeza sempre presente, que é a de estarmos inseridos numa Europa desenvolvida, com excelentes sistemas de saúde e onde existe liberdade de escolha por parte do doente.
João Martins, CEO do Grupo HPP Hospitais Privados de Portugal, salvaguardou logo de início, na sua intervenção, que se pelo até então exposto podia ficar a ideia de que temos quase tudo feito no que respeitava ao Turismo de Saúde, era precisamente esse quase em falta que, na ótica dos HPP, era de sobremaneira importante: “O que é que falta? Falta acima de tudo saber diferenciar o que é importante, mas acima de tudo que essa mensagem de diferenciação chegue aos países emissores de clientes/doentes. Começo por aqui. A promoção é um grande investimento a fazer e sem dúvida um dos mais dispendiosos para termos um verdadeiro turismo médico ou de saúde, embora eu centre a minha intervenção mais no turismo médico, porque para mim o que é relevante é o cliente/doente que sai do seu país de origem para ser tratado num outro país diferente, elegendo previamente um ato médico, normalmente cirúrgico, que tem de realizar nesse país de destino. E é nesta lógica que nós, HPP, temos trabalhado nos últimos anos em vários projetos e através de diversas plataformas. Temos hospitais certificados, e aqui é importante referir que, contrariando opiniões já expressas, a certificação não representa um mero ato administrativo, mas sim algo que é difícil de obter, de manter e que representa um elevado dispêndio de recursos. Agora, se temos isto tudo, temos sites, plataformas de turismo médico, temos unidades acreditadas, temos certificações ambientais, o que é que falta? Promover ativamente é um ato altamente dispendioso onde não se pode andar a dar tiros soltos.” Quanto à questão público ou privado, para João Martins é hoje reconhecido que há uma grande complementaridade entre ambas as ofertas em Portugal e também naturalmente com o setor social, mas deixando bem clara a ideia de que na área do turismo médico ou de saúde, ainda que não excluindo a iniciativa pública e social, a iniciativa privada deve ir bem à frente, deve ser a locomotiva do projeto, senão o projeto não vai correr bem: “E não vai correr bem por várias razões. Há bons e maus profissionais em todo o lado, portanto temos excelentes recursos humanos em todos os lados, com certeza, mas enquanto o setor público não estiver imbuído de uma filosofia de olhar para o doente como um cliente e não enquanto utente, falta-lhe aqui um diferencial fundamental do ponto de vista qualitativo para entrar neste processo. Agora, por exemplo, fará sentido falarmos numa associação do setor público ao privado através de um protocolo de referenciação ativo, até porque os privados não estarão, seguramente, em condições de dar resposta a todos os atos médicos que venham a ser solicitados. E para finalizar a promoção, é essencial – e não vale a pena sermos nós a dizer que somos os melhores, mas sim os destinatários finais, os mercados onde queremos atuar, a reconhecê-lo – ter uma mensagem própria e saber divulgá-la no momento oportuno aos destinatários adequados. Promover, promover e saber promover.”
Para Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal, a visão mais ajustada a esta dinâmica do Turismo de Saúde é aquela que integra uma visão da internacionalização mais alargada do setor da Saúde, que olha a saúde como um motor de desenvolvimento económico e social, quase como tornar a saúde num bem exportável: ”E se nas demais componentes na internacionalização da saúde temos estado a fazer um caminho interessante, onde registamos, por exemplo, um crescimento nos últimos quatro anos na ordem dos 50%, eu diria que a saúde olhada como um setor económico e projetada em termos internacionais está consolidada e num bom caminho de afirmação.” Joaquim Cunha considerou mesmo esta temática do Turismo de Saúde como algo que não é só somar turismo mais saúde, mas onde será necessária toda uma nova forma de abordar e pensar este setor, até na maneira de o promover, para além de o olhar como uma simples adição: “Uma questão fundamental é que nós temos de ir muito fundo no conhecimento das especificidades dos mercados emissores, isto é, a realidade alemã não é replicada para a realidade inglesa, e esta, por sua vez, para a francesa. Para já não falar nos mercados de fora da Europa. Porque a forma como vamos estruturar a oferta tem de responder de forma assertiva a estas especificidades. E sobretudo a promoção, onde estamos todos de acordo que é a chave da questão, vai ter de ser diversa consoante o produto a promover, o mercado que estou a eleger como alvo e o pagador. Porque a saúde tem ainda esta característica muito própria de nem sempre o cliente ser o pagador, o que inclui uma realidade nova nesta equação.” Em suma, para o diretor executivo do Health Cluster Portugal, o que falta fazer é encontrar uma estratégia a dois níveis, que permita estruturar uma oferta de serviços em pacotes e encontre um caminho de afirmação do país neste domínio: “O que se pretende não é oferecer um determinado procedimento médico, mas sim um pacote que envolve também a viagem, a componente hoteleira, os acompanhantes, uma componente de lazer, e que todas estas realidades contribuam para o sucesso ou insucesso do produto final. E falta de facto trabalharmos esta estratégia e assumir este desafio de uma forma coletiva, integrando um maior número de parceiros, transformando tudo isto num desígnio nacional, sem prejuízo de, quando passarmos para a fase do negócio, fazer o mercado funcionar. Porque sobretudo o que temos de promover é o país, é a marca Portugal.”