PORTUGAL E OS JOGOS OLÍMPICOS
“Portugal e os Jogos Olímpicos” foi o tema central de mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, uma reflexão que reuniu José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, Alexandre Mestre, advogado, e João Abrantes, treinador e técnico da Federação Portuguesa de Atletismo, no passado dia 20 de outubro, no hotel InterContinental Lisbon.
José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), Alexandre Mestre, advogado, e João Abrantes, treinador e técnico da Federação Portuguesa de Atletismo, foram os oradores convidados de mais um debate do Ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, com o objetivo de trazer para o espaço público novas ideias, novas abordagens, mas também novas preocupações para um futuro próximo. “Portugal e os Jogos Olímpicos”, quando estamos já a escassos meses de mais uma olimpíada que terá lugar no Rio de Janeiro, foi o mote proposto para uma reflexão sobre o movimento olímpico em Portugal, a sua história, o seu passado e futuro, e que dificuldades e caminhos se abrem para o país e os seus atletas. A primeira intervenção coube a José Manuel Constantino, que a estruturou em dois eixos principais, nomeadamente uma nota de enquadramento inicial relativa ao que têm sido os Jogos Olímpicos e a participação portuguesa e, em seguida, um ponto de situação sobre a preparação da participação da missão olímpica nacional nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Das suas palavras iniciais, ficam algumas ideias a reter: no quadro de evolução de participação, esta tem sido naturalmente crescente, tendo, nos últimos Jogos Olímpicos Londres 2012, participado 77 atletas em 13 modalidades; a maior participação portuguesa registada até hoje foi em 1996, em Atlanta, com 106 atletas; no que respeita a lugares de pódio, Portugal conquistou até hoje 23 medalhas, distribuídas da seguinte forma: 4 de ouro, 11 de prata e 8 de bronze. Já sobre a preparação da participação portuguesa para os jogos do Rio de Janeiro 2016, o presidente do COP deixou também, de uma forma muito clara e compreensível, um quadro ilustrativo: a menos de um ano, estão a ser apoiados 163 atletas, sendo que, comparado com o número que correspondeu, já no balanço final, aos Jogos Olímpicos de Londres, há um crescimento muito significativo do número de atletas e das modalidades apoiadas. Mas, e aqui ficou o primeiro alerta de José Manuel Constantino sobre a alocação de recursos, “o número de atletas que ao longo do ciclo de Londres foram objeto de apoio mas não confirmaram a sua participação nos jogos é significativo, apenas cerca de 46% confirmaram essa participação. Embora tenhamos naturalmente de entrar aqui em consideração com o problema das quotas de atletas por país”. Quanto à evolução dos apoios, estes passaram, no que respeita à preparação, dos 8,5 milhões de euros no ciclo de 2005/08 para 12,798 milhões para o ciclo de 2013/16. No entanto, é preciso relembrar que existem mais apoios dotados por outras verbas e, portanto, o COP terá a responsabilidade de gerir um orçamento na ordem dos 17 milhões de euros, segundo o seu presidente. Quanto aos objetivos definidos para o Rio de Janeiro, foram apresentados, de uma forma mais abrangente, os seguintes: aumentar o rácio entre atletas apoiados e atletas qualificados; aumentar a pontuação dos resultados obtidos, em percentagem a definir, nas modalidades com portugueses nos Jogos Olímpicos; aumentar a média da pontuação dos resultados obtidos pelo número de atletas participantes em cada modalidade em mais de 50% das modalidades em relação ao alcançado em Londres. Neste momento, e de acordo com José Manuel Constantino, estão já confirmados 44 atletas, prevendo-se uma participação na ordem dos 90 atletas nos Jogos Olímpicos Rio 2016, os quais vão, para além da dimensão desportiva, representar um momento ímpar, questão que o presidente do Comité quis deixar bem vincada nas suas palavras: “porventura serão necessários mais 110 anos para que seja possível que uma cidade falando português possa acolher uma edição dos Jogos Olímpicos, e sendo assim seria desejável que se aproveitasse esta circunstância não apenas para cuidar da sua delegação desportiva, mas cuidar de tudo aquilo que nos liga a um país que nós ajudámos a fundar e ao qual nos unem traços do ponto de vista histórico, patrimonial, cultural… e portanto o que desejamos é que, para além da embaixada desportiva, o nosso país pudesse também ter uma embaixada política, económica, cultural, que aproveitasse em pleno esta circunstância para abrir Portugal ao mundo. E é neste sentido que o COP tem procurado sensibilizar as autoridades nacionais, mas infelizmente os esforços que têm sido feitos ficam muito aquém daquilo que seria desejável”.
Alexandre Mestre: perspetiva do cidadão
Alexandre Mestre começou por situar a sua intervenção na perspetiva do cidadão, ou seja, o que é que o cidadão pensa em relação à participação do seu país: “porque o nome está lá, associamos que os resultados têm uma expressão do país, e os cidadãos, quando olham para os Jogos Olímpicos, criam expectativas, e a grande questão é: ‘quando falamos neste tema, que expectativas é que criamos e como é que as gerimos?’”. Para o advogado, ex-secretário de Estado do Desporto e especialista em Direito do Desporto, a solução assenta em eixos muito claros: clareza, transparência, objetividade, verdade e sentido de responsabilidade de todos aqueles que direta ou indiretamente contribuem para a participação nos Jogos Olímpicos. E clarificou ao referir que isso tem de acontecer quando se fazem diagnósticos, quando se definem metas e opções, quando se definem objetivos, na estratégia operacional, na comunicação que é feita aos cidadãos e na avaliação dos resultados obtidos. É precisamente nesta lógica de raciocínio que, segundo Alexandre Mestre, para que se possa dizer que uns jogos olímpicos correm bem ou menos bem, é fundamental ter essas metas, esses objetivos, essas opções bem delineadas, para que se possa diagnosticar e identificar lacunas e, de igual modo, identificar os fatores de sucesso para os tentar maximizar. Daí que seja necessário definir uma estratégia operacional, a qual deve evoluir e melhorar em cada ciclo olímpico, anulando as tendências de se estar sempre a voltar ao mesmo diagnóstico ou a começar do zero: “há sempre um mínimo denominador comum entre aquilo que é dito antes dos jogos e depois dos jogos, e só tem a ver com esta questão da gestão das expectativas. Vamos então cair no domínio do diagnóstico e vamos olhar para os Jogos Olímpicos de 2012, onde, felizmente num país onde não existe esta tradição, tivemos alguns instrumentos que nos ajudam: o relatório do chefe de missão, um estudo elaborado pelo professor Jorge Silvério, psicólogo na área do desporto, e um estudo desenvolvido pela PricewaterhouseCoopers”. E de seguida apresentou uma síntese das principais conclusões dos três documentos citados. Sobre o relatório do chefe de missão, temos a reter: uma grande disponibilidade das federações, técnicos e atletas para um ideal de grupo, apesar de não existir uma linha condutora ou uma cultura de uma equipa nacional; a ausência de uma organização e princípios orientadores comuns; a não existência de um sistema que compatibilize os treinos e os estudos dos atletas abrangidos nesta situação; os apoios públicos de variada natureza não são suficientes ou não são corretos. Já sobre o estudo do professor Jorge Silvério, Alexandre Mestre destacou o facto de apenas 8,2% dos atletas referirem que tinham apoio específico na área da psicologia desportiva, sendo que o fator mental foi identificado como determinante no sucesso e de existir uma má definição de objetivos, seja porque são vagos (“dar o máximo”, por exemplo) seja porque são definidos em função de fatores que não controlam, como a prestação dos adversários. Outro aspeto negativo frisado pelos atletas foi o da dificuldade de relacionamento, entre si e com algumas federações, quer antes quer depois dos jogos, a necessidade de formação e apoio para lidarem com a comunicação social e, por último, uma crítica à medicina desportiva, que continua muito centrada na remediação de problemas, sobretudo lesões, e não centrada na potenciação de resultados. Sobre o estudo citado, destinado a perceber o impacto do financiamento público nos resultados, que perguntava se pode Portugal ambicionar um melhor desempenho olímpico e paralímpico, o orador referiu as conclusões que apontavam para o facto de o país ter tido condições para obter cinco medalhas nos jogos olímpicos e sete nos paralímpicos e o conjunto de recomendações feitas, algumas delas já enumeradas: a definição dos objetivos e a necessidade de uma estratégia com escolhas muito bem delineadas, sem sobreposição das diferentes responsabilidades. E Alexandre Mestre concluiu a sua intervenção: “Quando se pensar na prestação de Portugal nos Jogos Olímpicos, parece-me que é fundamental, na lógica do cidadão, termos noção dos objetivos. Se olharmos para 2012, já os próprios atletas expressaram esta dificuldade, mas estou confiante, porque creio que para o Rio de Janeiro já foram acomodadas muitas destas recomendações que respondem a alguns dos diagnósticos que foram feitos. Constato o bom relacionamento entre o COP, o Governo e o Instituto Português do Desporto e Juventude e os excelentes resultados que os atletas portugueses têm conseguido ao longo deste ciclo olímpico. Mas é também fundamental para o cidadão que as expectativas estejam devidamente clarificadas e tudo devidamente explicado, antes e depois dos jogos, porque, no fim, a pergunta feita será sempre a mesma: ‘quantas medalhas?’ E este é o cerne da questão: gerir expectativas com um trabalho feito previamente e depois comunicar muito bem”.
João Abrantes: domínio técnico
João Abrantes centrou a sua intervenção mais sobre o domínio técnico, e confrontado com a pergunta “se, pelos seus resultados, o atletismo português já ultrapassou muitos das questões levantadas no diagnóstico avançado?”, começou por referir que há uma realidade a que não podemos fugir: o atletismo conquistou 10 das 23 medalhas olímpicas, notando que só o começou a fazer a partir dos Jogos de Montreal de 1976 e ligando este facto ao aparecimento ao mais alto nível de um treinador chamado Mário Moniz Pereira, que acreditou que, dando aos nossos atletas as mesmas condições que os atletas estrangeiros tinham, era possível terem o mesmo nível de competitividade e lutarem pelos lugares mais altos do pódio. Após este momento o atletismo nunca mais parou, e desde essa altura, 1976, Portugal conquistou 16 medalhas, 10 das quais pertencem ao atletismo, ou seja 63%, incluindo as quatro únicas de ouro. Retomando o seu raciocínio, recuperou então parte do já referido pelos anteriores oradores. “É importante analisar com profundidade algumas questões, nomeadamente o perspetivar metas, definir objetivos, porque é a única maneira de fazermos uma avaliação correta. O que eu sinto, principalmente desde os jogos de Barcelona, é que esses objetivos nos são colocados de fora para dentro. Ou seja, em vez de ser o movimento olímpico, em vez de serem as federações, treinadores, atletas, dirigentes, a definirem esses objetivos, eles são quase impostos pela comunicação social e pelo público em geral, e damos então connosco a falar apenas na conquista de medalhas. Isto é extremamente redutor, porque classificações de finalista, nos oito primeiros, e de semifinalista são classificações muito importantes a que a maioria dos países dão um relevo enorme, e nós em Portugal, sendo um país com uma prática desportiva das piores da Europa, acabamos por estar a exigir aos nossos atletas que para terem êxito têm de conquistar medalhas.” João Abrantes defendeu assim que há um grande trabalho a ser feito na definição dos objetivos de acordo com a nossa realidade, alertando que só o facto de um atleta conseguir estar presente nuns jogos olímpicos já é um sucesso. E aqui levantou outra questão diretamente relacionada com a definição de objetivos com base nos diversos estudos que tem efetuado sobre a participação portuguesa na alta competição, alertando para a conclusão a que chegou: “se o atleta fizer na grande competição internacional a sua melhor marca do ano, 92% dos atletas ficam na meia-final, ou seja, nos 16 primeiros lugares. O problema é que nós temos uma taxa muito reduzida de atletas que consegue estar ao seu melhor nível na grande competição, não só no atletismo mas na generalidade do desporto português. Isto significa que, a nível do treino e da preparação dos atletas, temos é de nos concentrar nas razões do insucesso – porque é que há tão poucos atletas a conseguirem estar nas grandes competições ao seu melhor nível e o que provoca esse insucesso”. E neste contexto, o treinador apontou dois tipos de razões: uma que está relacionada com o planeamento, e aí respeita à parte da metodologia, da teoria do treino, da preparação do atleta, e a outra que está relacionada com fatores psicológicos. “Ou seja, há muitos atletas que estão no seu máximo de forma na altura da grande competição, mas naquele momento específico acabam por não aguentar a pressão. E isto tem muito a ver com a já referida definição dos objetivos.” A ansiedade é uma inimiga do bom desempenho, e se a fasquia for colocada demasiado alta para o nível de um atleta, diminui a perspetiva de sucesso e aumentam os níveis de ansiedade: “basta olhar para Londres, onde tivemos 77 atletas mas apenas 31 conseguiram ser semifinalistas, e não esqueçamos que temos modalidades em que os atletas a partir do momento em que estão nos jogos são automaticamente semifinalistas. E esta fasquia é o patamar mínimo para o apoio aos atletas olímpicos. Portanto, temos alguma facilidade em apurar atletas, tivemos 13 modalidades presentes em Londres e neste momento temos já atletas de 20 modalidades a serem apoiados com vista ao Rio de Janeiro. Logo, o nosso trabalho tem de começar a centrar-se na preparação específica desses atletas, para que consigam estar ao mais alto nível no momento certo”. João Abrantes chamou ainda a atenção para a necessidade de em Portugal se olhar para o problema da integração profissional dos atletas de alta competição, uma vez que adiam este percurso para consolidarem o seu futuro por 10, 15 anos, o que é mais um fator a criar instabilidade. José Manuel Constantino retomou as palavras de João Abrantes e reforçou a ideia de que, de facto, ninguém pode estar refém de agendas ou pressões mediáticas e que participar nuns jogos olímpicos só é alcançável pelos melhores dos melhores, e que é obrigação do presidente do COP valorizar, desde logo e junto da opinião pública, o mérito desportivo dos atletas que lhes permite participarem na maior competição desportiva que existe à escala global. Por outro lado, relembrou ainda, em relação a alguns aspetos técnicos da preparação dos atletas já abordados, que Portugal tem um problema, que é ser deficitário do ponto de vista do conhecimento científico em muitas áreas, nomeadamente na área da Psicologia do Desporto. E, a concluir, ressaltando tudo o que foi abordado em termos da preparação dos atletas, do seu rendimento, da pedagogia que tem de ser feita sobre estes assuntos e sobre a incapacidade de se inverter tudo num curto espaço de tempo, concretamente a questão das medalhas, deixou uma pergunta em aberto: “Isso impede que consigamos quantificar uma expectativa de resultados para os Jogos Olímpicos do Rio? A minha resposta é ‘não impede’, mas é cedo. Lamento não o conseguir fazer a quatro anos, mas conseguiremos quando tivermos uma perceção mais nítida sobre a composição da nossa delegação.” A concluir, também Alexandre Mestre reforçou esta necessidade de se fazer uma gestão de expectativas, sobretudo por aqueles que estão mais próximos dos fatores de sucesso, nomeadamente atletas e treinadores, e que, nesta lógica e concretamente em relação à comunicação social, provavelmente faz sentido pensar-se numa estrutura que possa fazer esta mediação – aliás uma necessidade também identificada pelos atletas: “muitas vezes, até mais do que estrutura, é uma questão de figura, e qualquer chefe de missão tem um papel chave a desempenhar neste domínio”. E João Abrantes relembrou algo que muitos parecem ter tendência a esquecer, segundo as suas palavras: “hoje vivemos uma realidade nova. Por exemplo, se olharmos para a lista dos 100 melhores atletas do mundo de sempre na maratona, não há nenhum atleta europeu. São todos quenianos e etíopes. Basta ver, nomeadamente no atletismo, que deixámos de competir com meia dúzia de países e passámos a competir com 200 países, onde todos têm talentos, bons treinadores e excelentes meios de preparação e de apoio aos atletas. Portanto, neste momento, o nosso problema está no futuro, mais ainda quando temos poucas pessoas a praticar desporto e muita dificuldade em encontrar talentos. Mais uma vez, basta ver que nos últimos campeonatos do mundo de atletismo houve 44 países a ganhar medalhas e, pela primeira vez, os Estados Unidos não foram os mais medalhados. Portanto nós temos de nos reinventar”.