As Novas Tecnologias na Saúde foi o tema central de mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, que reuniu mais um painel de especialistas, no passado dia 17 de abril, no Hotel Tiara Park Atlantic, em Lisboa.
Helena Monteiro, investigadora e vice-presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, António Murta, managing director da PATHENA, e Paulo Sousa, CEO da MAXDATA, foram os três oradores convidados para mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, com o objetivo de trazer para o espaço público novas ideias, novas abordagens, mas também novas preocupações sobre o que se espera para um futuro próximo. As Novas Tecnologias na Saúde foi o tema central deste debate onde se procurou compreender qual a realidade atual neste domínio e como será o futuro, concretamente qual o impacto das tecnologias na prática da medicina, nos médicos e na sua relação com os doentes e nos próprios sistemas de saúde, públicos ou privados. O debate foi aberto com uma mensagem do secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, que, não podendo estar presente, não quis, no entanto, deixar de se associar a esta iniciativa da FRONTLINE. Em síntese, o secretário de Estado destacou que nesta área se têm sentido nos últimos anos grandes desenvolvimentos, já com reflexo nos serviços prestados e naquilo que é a acessibilidade dos cidadãos e dos profissionais à saúde em geral, referindo-se ao que tem que ver com o eHealth, um nome genérico para a utilização de tecnologias de informação em saúde, e aos acréscimos sentidos nos últimos tempos, quer na capacidade de acesso à informação e de gerar informação, quer naquilo que ajuda os utilizadores a terem capacidade de aceder ao sistema. Questão sensível abordada por Leal da Costa foi a dos custos associados às novas tecnologias, quando hoje sabemos que, normalmente, as tecnologias de saúde, em particular aquelas que se prendem com a tecnologia ligada à prestação imediata de cuidados, estão associadas a um aumento dos custos da mesma – aliás, particularidade muito própria do setor da Saúde em comparação com outros –, concluindo que, “desse ponto de vista, resulta claro que uma das nossa principais obrigações, mais do que necessidade, é proceder a uma avaliação rigorosa das tecnologias de saúde disponíveis, quer em termos da necessidade de utilização das mesmas quer em termos das suas capacidades”. Para além de outros temas recorrentes, como a escassez de recursos, a questão das avaliações de tecnologia – onde se torna fundamental a ponderação do custo dessa mesma tecnologia em função do valor acrescentado que gera e dos benefícios que pode ter para o sistema –, o secretário de Estado não quis deixar de centrar o seu enfoque no que, de facto, considera fundamental, para além de toda a tecnologia disponível, os recursos humanos: “independentemente de toda a tecnologia que queiramos usar, a verdade dos factos é que os recursos humanos em saúde são o mais importante. São aqueles que vão utilizar a tecnologia, e sobre esta matéria não nos devemos deixar distrair. A boa tecnologia é tanto melhor quanto mais bem usada e, paradoxalmente, o facto de haver mais tecnologia torna-nos ainda mais dependentes do saber e da capacidade humana de a utilizar. Temos de saber fazer escolhas, temos de saber organizar um sistema de saúde, um SNS vocacionado para a inovação tecnológica, mas onde essa inovação não seja feita à custa de desperdícios e onde possamos ganhar uma maior capacidade humana de prestação de serviço”.
No painel de oradores, coube a Helena Monteiro a primeira intervenção, no sentido de enquadrar a realidade atual neste domínio no setor da Saúde em Portugal, começando por considerar vital que é necessário perceber, desde o início, a complexidade do sistema onde nos encontramos, não só pelo tipo de organizações mas também pelos processos que as envolvem neste ecossistema da saúde: “É preciso ver que, a nível mundial, a adoção de novas tecnologias no setor da Saúde começou mais tarde por comparação com outros setores de atividade, e hoje estamos num processo de transformação acelerado. Outro aspeto que temos de ter presente, quando falamos de tecnologias, é o dos vários layers dessa mesma tecnologia. Ou seja, estamos a falar de instrumentos, de técnicas, de aplicação de métodos associados à gestão do conhecimento, entre inúmeras outras coisas”. Neste contexto, defendeu que é fundamental, ao sabermos que vamos estar a trabalhar com vários layers, que estes estejam rigorosamente definidos e integrados: “isto porque nós, quando estamos a trabalhar diariamente numa organização, por exemplo um hospital ou um centro de saúde, só vemos o primeiro layer, que são as pessoas e os processos, que são as atividades que as pessoas têm que executar com mais ou menos automatismo. No entanto, abaixo deste layer, tenho uma multiplicidade de níveis e preciso que funcionem todos bem. Isto dentro de uma organização, mas como ela está ligada a outras organizações, eu preciso igualmente que todas elas funcionem bem, assim como a sua interligação. Basta olhar para a multiplicidade de soluções tecnológicas adotadas na área da Saúde, que vão desde a área administrativa aos sistemas de informação clínicos, à telemedicina, aos sistemas de saúde pública, aos registos, à aprendizagem, e onde todos nós, utentes ou profissionais, convivemos a todo instante. Mesmo quando pensamos que o sistema está estável, temos a tecnologia em constante evolução, logo, eu vivo sempre com a possibilidade de algum encaixe se desencaixar, mas muitas vezes minimizamos este impacto por não termos total conhecimento do risco associado”. Por fim, Helena Monteiro sintetizou o quadro de desafios que se colocam neste domínio das tecnologias da saúde, nas suas duas grande áreas de intervenção, nomeadamente a Inovação Tecnológica (Tecnologias de Informação e Comunicação) e a Inovação Tecnológica Clínica, ressaltando quatro eixos fundamentais: a Adoção, a Manutenção, a Evolução e a Expansão de sistemas, com reflexos nos domínios da sua integração, da sua interoperabilidade e a necessária automatização de processos, alteração de regras.
A Paulo Sousa, CEO da MAXDATA, coube introduzir as questões da segurança na utilização das novas tecnologias na área da Saúde, começando por abordar os dois caminhos distintos mas complementares que vão dominar as tecnologias na saúde nos próximos 10 a 15 anos: a Saúde no Bolso em segurança e a Saúde na Nuvem (cloud) em segurança e na junção destes dois caminhos, encontrando soluções muito interessantes. “O que estamos aqui a falar é de termos um PHR – um processo clínico eletrónico que possa ser implementado numa cloud, e já houve muitas tentativas frustradas, ou então andarmos com ele no nosso bolso. Neste último caso, que considero o mais eficaz, estamos a falar de um projeto europeu em que estamos envolvidos, cujo objetivo é desenvolver um dispositivo físico e seguro que se possa acoplar a um smartphone e onde estão guardados os nossos dados críticos de saúde e que só podem ser acedidos mediante uma autorização nossa que passa a ser biométrica.” Para Paulo Sousa é a partir desta solução que se desenvolve uma multiplicidade de novas possibilidades, uma vez que o dispositivo passa a estar integrado com o ecossistema da saúde, com as unidades de saúde e com outras fontes de informação, quer a nível nacional, como a Plataforma de Dados da Saúde, quer a nível internacional. Por outro lado, vai permitir ao utilizador várias modalidades de utilização: Modo Standalone, em que o utente consulta os seus dados de saúde em qualquer momento e permite uma ligação direta ao 112; Modo de Integração Automática, onde as unidades de saúde disponibilizam uma rede wi-fi especial que vai permitir, por exemplo, a admissão automática dos utentes com upload da respetiva história clínica armazenada no dispositivo ou, à saída, o download automático da nota de alta, exames, etc., para o dispositivo; Modo de Emergência, onde técnicos de emergência médica têm autorização especial para aceder ao dispositivo e obtêm apenas life saving information. No que respeita ao segundo caminho, o da implementação na cloud, para Paulo Sousa a questão crucial é a emergência de um novo paradigma, aquilo que é denominado por supercloud, na prática, a criação de uma interface uniformizada que permita o acesso às várias clouds sem necessidade de constante mudança de requisitos tecnológicos por todos os utilizadores, para além de se ter de garantir um patamar de segurança e confiabilidade que hoje ainda não existe. A supercloud permitirá assim conciliar os dois mundos, garantindo, por um lado, disponibilidade total ao nosso processo clínico eletrónico, e permitindo, por outro, colocar muitas soluções tecnológicas da saúde para uma utilização conjunta, por exemplo, por um número alargado de hospitais, o que permitiria uma redução de custos brutal ao nível das infraestruturas de cada hospital.
António Murta começou por traçar um perfil do que deverá acontecer no domínio do cruzamento das tecnologias com o setor da Saúde nos próximos cinco a dez anos, com reflexo na prática médica por via dos custos e pela emergência de um conjunto alargado de novas tecnologias. “Se olharmos para o crescimento dos custos da saúde nos últimos anos nos países desenvolvidos, vemos que estão a crescer 2,5% acima do crescimento da economia e é uma trajetória que só pode ser suportada por compensação de outros setores. Mas mais grave é quando nós constatamos que hoje temos um sistema de saúde agudo, que está bem apetrechado para tratar patologias agudas, com hospitais, com centros de saúde, mas as doenças que de facto estão a matar são as doenças crónicas, responsáveis por cerca de 60 a 70% da mortalidade. Portanto o orçamento está desequilibrado, é um orçamento curativo quando a prevenção só consome 5% do orçamento.” É este desequilíbrio que, para António Murta, tem de ser corrigido e que vamos ter de nos movimentar para padrões de outcome, no que respeita à avaliação de resultados: “Acredito que daqui a 10 anos grande parte dos fármacos só serão pagos com base em outcome, o que significa que vai ter de ser demonstrada a sua eficácia, e não no geral mas para aquele paciente específico. Ora, isto vai representar uma revolução e significa também que a intensidade de software da indústria da saúde vai subir muitíssimo. Tudo isto vai ter de ser compaginado com algo evidente: os médicos estão sob tensão, sete minutos é o tempo médio que um médico tem para tratar um paciente nos sistemas públicos na Europa. Portanto, os sistemas que vamos criar não podem induzir sobrecarga na prática clínica.” Outra ideia sustentada foi a de que a tecnologia vai ter de mudar alguns ingredientes da prática da medicina, ou seja, em primeiro lugar alterar a equação da relação entre médico e paciente, isto porque os médicos hoje não acompanham os pacientes. Os pacientes é que aparecem aos médicos quando têm dor ou se sentem mal-dispostos. Esta realidade tem de mudar, em particular no que respeita aos doentes crónicos. E a este respeito citou o exemplo da Amil: “A Amil trata 8 milhões de diabéticos no Brasil, mas trata-os por telefone, fazendo a sua monitorização. Não obstante, qualquer um de nós pode ir correr com umas sapatilhas que têm um chip que mede tudo e mais alguma coisa como se fôssemos um atleta profissional. Eu achava mais útil que se fizesse isso com um glicómetro. É uma questão de prioridades. Mesmo um médico que acompanhe 500 doentes crónicos pode hoje dispor de uma plataforma digital que lhe permita, com recurso a novas tecnologias, quase diariamente acompanhá-los e parametrizá-los. Isto significa alterar completamente este ciclo de relação entre o médico e o paciente.” Quanto ao futuro, para António Murta duas realidades são incontornáveis nos próximos anos: “Primeiro, todos vamos ter um medical tool kit em casa – um conjunto de dispositivos que vão falar e enviar os nossos dados para a cloud onde o nosso médico passará a ter acesso a esses dados de maneira segura. Portanto, a possibilidade de acompanhar as pessoas vai aumentar exponencialmente e em tudo isto vai ser central a partilha de dados segura, de uma maneira séria. Em segundo, daqui a 10 ou 20 anos todos vamos ter um medical record digital com todo o nosso historial clínico.”