UM NOVO CICLO NA BANCA EM DEBATE
Um Novo Ciclo na Banca foi o tema central de mais um debate do ciclo Portugal 2030, que reuniu mais um painel de especialistas, no passado dia 17 de março, no Hotel Tiara Park Atlantic, em Lisboa.
Luís Mira Amaral, presidente do Banco BIC Português, e Rui Semedo, presidente do Banco Popular Portugal, foram os dois oradores convidados para mais um debate do Ciclo Portugal 2030, promovido pela Revista FRONTLINE. Um Novo Ciclo na Banca constituiu o tema central deste debate, onde se procurou encontrar respostas para os desafios que se colocam, num futuro próximo, ao sistema bancário português, principalmente depois da crise financeira que vivemos atualmente, e as suas repercussões na economia e na vida das pessoas. Neste quadro, coube a Mira Amaral abrir os trabalhos, contextualizando as grandes questões numa abordagem do sistema bancário português, no âmbito da zona euro, deixando bem claro que as principais preocupações se terão de centrar a nível europeu, pois não faz sentido alguma vez equacionar o nosso país numa situação fora da União Europeia ou da zona euro. Foi neste quadro que o presidente do Banco BIC também deixou bem expresso que enquanto não houver vontade política, nos líderes da Europa, para a criação da união bancária e, de alguma forma mitigada, da união política entre os Estados-membros, dificilmente se conseguirão os avanços desejados para a consolidação de um espaço de igualdade de condições de financiamento entre todos os Estados-membros devido aos prémios de risco da dívida soberana dos Estados periféricos, como a recente crise veio a provar. Mas para Mira Amaral ficou também a certeza de que hoje temos condições para poder afirmar que o que aconteceu em 2008 no sistema financeiro americano, e que depois se propagou pelo mundo, não se voltará a repetir da mesma forma. Sabemos certamente que ou tra crise nos atingirá, não sabemos é qual será a sua natureza e impacto, pois que as novas formas de regulação procuram sempre evitar a crise anterior, mas não evitarão a próxima, que, graças à inovação financeira, será diferente da anterior. No contexto da banca portuguesa, referiu que o ajustamento dos balanços tem sido efetuado, a desalavancagem dos principais bancos foi feita, mas que ainda persiste e irá persistir um sério problema de rendibilidade para os bancos portugueses, devido à compressão da margem financeira e às imparidades.
Desconstruir a complexidade do sistema financeiro
Rui Semedo, Presidente do Banco Popular Portugal, centrou a sua intervenção mais sobre a análise da realidade da banca em Portugal, desconstruindo toda a complexidade do sistema financeiro quando se percebe que toda esta crise, com origem fora da Europa, está associada, nos países do Sul da Europa, ao facto de a integração na zona euro ter criado, para todos os agentes económicos, grandes facilidades de financiamento, cujos efeitos negativos temos agora que contrariar. Para Rui Semedo tornou-se óbvio que a banca deixou há muito para trás o seu estado natural que era, de uma forma simples, financiar todo o crédito com os depósitos dos seus clientes, e isto aconteceu porque os bancos tiveram capacidade para ir muito além daquilo que é a capacidade de as economias, através da poupança local, financiarem o seu próprio investimento. Chegou-se, assim, a uma situação paradoxal, agora em processo de ajustamento, em que o crédito chegou a atingir nalguns casos o dobro daquilo que eram os depósitos, porque os mercados internacionais, os denominados mercados grossistas, funcionavam com fluidez e com preços que não incorporavam plenamente a distinção pelo risco. E na sua análise deixou ainda duas ideias bem vincadas: “Se há uma certeza que tenho, é que não deixará de haver bancos e que eles continuarão a desempenhar um papel fundamental na economia. No entanto, pensar hoje a 15 anos pode ser um exercício que não faz sentido, embora tenha a garantia de uma coisa: olhemos para trás para a banca, para a história da banca; apesar de toda a transformação, apesar de todo o processo regulatório, apesar do impacto da tecnologia, apesar de todo o processo de inovação financeiro das últimas décadas, os bancos fazem hoje na sua essência aquilo que sempre fizeram, e é bom não esquecer o que é um banco – uma plataforma facilitadora da circulação dos recursos da economia. Este é o papel simples da banca – principalmente a comercial – e ela não se tem afastado deste rumo. Agora é importante relembrar que o ativo dos bancos é um espelho das escolhas feitas no tempo pelos agentes económicos. Se, por exemplo, o ativo de um banco é constituído por crédito à habitação ou ao consumo, é porque os cidadãos, os agentes económicos, decidiram optar, num determinado momento e com os incentivos que existiam, por se endividar nestes domínios. Ou seja, os bancos não são eles próprios geradores das escolhas dos clientes, mas sim parte do mesmo sistema”.
Liquidez no mercado de capitais
Neste contexto, Mira Amaral relembrou que se atravessámos um período caraterizado por um problema de liquidez nos mercados grossistas, que deixaram de funcionar por uma desconfiança enorme por parte dos agentes, principalmente depois da falência do Lehman Brothers – e este foi o principal problema com que os bancos se confrontaram depois de 2008 –, esse problema conseguiu-se ultrapassar, em certa medida a nível europeu e português, pela intervenção do BCE, mas persistiu outro, bem mais complicado: “o do endividamento e do recurso a dinheiro fácil, transversal a todos os agentes económicos, e viemos a constatar que o funcionamento da economia como um todo apresentava problemas estruturais que se fizeram sentir com particular incidência em Portugal. Portanto o modelo faliu e aí passamos a uma segunda fase, que é a fase, em que de alguma forma ainda estamos agora, onde a banca na generalidade dos países europeus tem um problema na qualidade dos seus ativos e da sua recuperação”. Ambos os oradores foram unânimes em reconhecer que agora se torna necessário saber qual é o verdadeiro estado de saúde de cada banco e que 2014 vai ser um ano duro nesse sentido, porque os reflexos óbvios desta situação é conduzir a novas exigências de capital, e o problema não será identificar se é o banco A ou B que precisam, mas sim responder à pergunta: “E agora, de onde é que vem o capital?”
Uma questão que mereceu também algum debate, particularmente no que respeita à situação em Portugal, foi a do financiamento às empresas, tendo ambos os oradores expressado a sua opinião no sentido de que hoje não há um problema de financiamento às empresas, há, sim, um problema que é muito normal nas fases em que estamos, onde tudo aquilo que parecia fácil para o processo de análise do risco passou a ser muito mais seletivo, e num mercado pequeno como o do nosso país, em que toda a banca se orienta para os mesmos targets, aquilo a que assistimos é a um processo caraterizado pela dificuldade em fazer crédito e pressão sobre o preço desse mesmo crédito. Não há propriamente um problema de liquidez para as boas empresas, mas um problema de risco de crédito para empresas com elevado endividamento e muito concentradas num mercado doméstico em retração. Este problema de falta de mercado e de falta de capitais próprios não pode ser resolvido pela banca comercial! Destaque ainda para o período de debate, com as intervenções, ente outras, do economista Patinha Antão e de Fernando Santo, ex-secretário de Estado da Administração Patrimonial da Justiça.