SAÚDE E DESENVOLVIMENTO EM DEBATE
Saúde e Desenvolvimento em Portugal foi o tema central da apresentação do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, inserida no ciclo de debates Portugal 2030, que reuniu uma centena de convidados, no passado dia 6 de maio, no Hotel Miragem, em Cascais.
O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, foi o orador convidado de mais uma iniciativa do ciclo de debates Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE e que contou com a presença de uma centena de convidados. Sob o tema central Saúde e Desenvolvimento, o ministro focou a sua intervenção em quatro eixos fundamentais, nomeadamente o Sistema de Saúde Português; a Crise e o Sistema de Saúde; Sustentabilidade e Valor em Saúde e os Desafios do Sistema de Saúde, havendo depois espaço para debate de ideias com os convidados. Aproveitou também a ocasião para anunciar, em primeira mão, a colocação, este ano, de mais 400 médicos de família, a maior colocação de que há memória desde sempre. De referir também a presença de Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais, a quem coube, numa curta intervenção inicial, saudar a presença do ministro, destacando o contributo já dado pelo governante em prol da área da Saúde no seu município. Adalberto Campos Fernandes começou a sua intervenção expressando a hesitação que tinha tido quando convidado para debater a Saúde e o seu desenvolvimento em Portugal no horizonte temporal de 2030, já que, desde logo para 2016, muitas eram as dificuldades de previsão, clarificando que na sua intervenção iria assim enunciar algumas linhas de tendência e partilhar algumas expetativas relativamente ao futuro, sem entrar por questões de natureza do programa do Governo ou sobre a ação do Ministério da Saúde, mas antes revisitando o setor numa ótica mais abrangente. Em síntese, o que resultou das suas palavras: “Hoje falamos muito daquilo que é recorrente discutir quando se aborda o sistema de saúde, as suas dificuldades, a questão da sustentabilidade, do futuro, numa sociedade que está cada vez mais envelhecida, infelizmente em Portugal ainda muito pobre e com problemas de carga de doença que nos colocam relativamente mal na comparação internacional. Mas Portugal não difere muito no panorama internacional quando vemos a leitura que a OMS faz da evolução do país nos últimos 30 anos no conjunto dos 53 membros que compõem a região. Somos um país com um padrão país rico em morbilidade e mortalidade, embora com respostas na qualidade de vida nos últimos anos que nos aproximam de um país pobre; vivemos quase tanto ou até mais do que alguns dos nossos concidadãos do Norte da Europa, mas os últimos 10 anos da nossa vida não são bons. Se olharmos para 2030, no conjunto da União Europeia, nós teremos 24% de população com mais de 65 anos, sendo que Portugal é hoje um dos dois países mais velhos da europa. E vivemos no mundo que está dominado pela doença crónica que naturalmente acompanha este envelhecimento. Mas também vivemos numa confrontação muito dura, que hoje ocupa muito da agenda política da EU, que tem a ver com o peso que a inovação, não só a disruptiva, mas também a de baixa qualidade, introduz na pressão orçamental. Fala-se da sustentabilidade dos sistemas de saúde, do sistema de saúde em Portugal, e muitas vezes não é esse o meu registo nem o do atual Governo. Pensa-se que reduzir ou atenuar os problemas de sustentabilidade tem que ver com restringir o acesso, mandar as pessoas para fora do sistema público ou prejudicar os profissionais. Não é esse o problema da sustentabilidade do sistema de saúde português, nem espanhol, nem francês. Não é a carga nem o valor do trabalho e não são, muito menos, as restrições que se possam pôr ao acesso, evitando que quem tem necessidades de saúde não as tenha satisfeitas. Qual é a obsessão de um ministro da Saúde num país pobre, envelhecido e com poucos recursos? Acesso e equidade. Os portugueses têm direito pelo esforço fiscal que fazem a que o Estado cuide deles, e a minha preocupação é garantir acesso, mas em condições de equidade, e evitar aquilo que tem acontecido nos últimos anos, que uma parte significativa da população tenha cuidados a mais e uma outra parte cuidados a menos. Mas temos de ser sérios, temos de controlar a despesa e ter uma preocupação com a sustentabilidade. Ainda há dias se referia num artigo que para acomodar a inovação terapêutica o orçamento da Saúde devia ir para 11,4 mil milhões de euros. E a questão que se coloca é: ‘Onde vamos buscar os 3 mil milhões que faltam?’ Mas perguntar-se-á então se Portugal se tem portado muito mal naquilo que é a determinante da despesa, na sua variação? Não, e somos mesmo um dos países onde anualmente a despesa pública tem crescido menos, mas um país que tem ciclos depressivos e de reduzido crescimento tem enormes dificuldades em satisfazer as políticas sociais. Nós temos um problema económico, e não vale a pena iludi-lo, que condiciona muito aquilo que são as nossas escolhas ao nível da saúde. Falamos de um país que tem feito uma transição lenta, que ainda é hoje muito ‘hospital-cêntrico’, muito consumidor de recursos num nível secundário, que tem o maior número de urgências hospitalares da OCDE, o que é incompreensível, gasta muito mais em hospitais que os países mais ricos da Europa, que vê no hospital o último reduto para a solução dos seus problemas.”
Prioridade de ação
Foi precisamente centrado nesta última questão que o ministro da Saúde introduziu a prioridade de ação para o país, a de haver uma aposta fundamental, intensa, que denominou mesmo de obsessiva, nos cuidados de proximidade. E aproveitou a oportunidade para anunciar, em primeira mão, a colocação, já no mês de junho, de mais 400 médicos de família, que considerou a maior de que há memória desde sempre e um sinal do foco de inversão de um sistema que se centra nos hospitais e se exclui daquilo que é a sua natureza mais importante, que são os cuidados de saúde primários. E continuou a sua intervenção com uma pergunta em aberto, mas de resposta simples, ou seja, onde é que gastamos dinheiro no sistema de saúde? Passou então a explicitar: “no fator humano e no tecnológico – medicamentos, dispositivos. Portugal gasta hoje com medicamentos mais de 2 mil milhões de euros por ano, num orçamento de 8,8 mil milhões, e se associarmos aqui os dispositivos médicos, consideramos que 35% da despesa dá-se com este tipo de fornecimentos, muito associados à inovação e que os Estados não controlam”. Voltando às suas palavras iniciais sobre o envelhecimento e a natalidade, Adalberto Campos Fernandes retomou então aquilo a que chamou uma trajetória de elevadíssima preocupação: “se nada for feito, se não criarmos condições para que os nossos jovens possam começar a regressar, se não conseguirmos atrair outras populações, se não dermos incentivos à família e aos jovens casais, estaremos em 2050 a viver numa sociedade que será de mulheres, viúvas, doentes e pobres. Esta é a tendência que o país apresenta na projeção demográfica para os próximos anos… Se olharmos a crise que se arrasta desde 2010, que está longe de estar terminada e não apenas em Portugal, ela confrontou-nos num país que está velho, pobre e com uma carga de doença crónica que nos coloca muito mal em termos internacionais. Somos dos países da EU com maior prevalência de diabetes, doença que é altamente consumidora de recursos e introduz uma pressão muito grande não apenas sobre o sistema mas também sobre a qualidade de vida das pessoas”.
A saúde não é só problemas
Mas a saúde é só problemas? Adalberto Campos Fernandes respondeu que não e sublinhou o orgulho que hoje temos, quando estamos no estrangeiro, de “vender” o nosso Serviço Nacional de Saúde, que face aos seus indicadores é considerado um bom sistema de saúde. Por outro lado, e segundo o ministro, temos razões para acreditar que a saúde pode trazer valor à economia, apontando o exemplo de iniciativas conjuntas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde: “estamos a falar de um casamento virtuoso entre medicina, enfermagem assistencial, ensino, investigação e desenvolvimento, que deu origem aos centros académicos clínicos, uma aposta na criação de uma malha que liga a prestação de cuidados à formação do conhecimento, entre outros projetos, por exemplo, ligados a start ups, para fazer da saúde um instrumento de construção de valor e riqueza”. Ao terminar a sua intervenção, o ministro colocou a tónica nos desafios que se esperam no setor, lançando a pergunta para a audiência: “O que é que nós todos queremos nesta sala, independentemente do que fazemos, do nosso posicionamento pessoal, politico? Queremos um país onde na saúde seja preservada a universalidade. A universalidade tem de ser assegurada e a equidade tem de ser garantida, mas temos de promover a qualidade num contexto de eficiência e sustentabilidade. Por outro lado, estamos confrontados com um mercado global e intenso de inovação e desenvolvimento que não controlamos. Estamos a assistir a uma transformação do conhecimento e do capital humano constante e por isso temos que inventar todos os dias os processos, não só da gestão política, mas também da gestão empresarial, seja ela pública seja privada. Do ponto de vista político, a nossa aposta é regenerar a rede de cuidados de saúde primários, garantindo que até ao fim da legislatura qualquer português tem um médico de família, e libertar os hospitais de uma procura inadequada e inapropriada, fazendo-os ser aquilo que eles são, centros de cuidados agudos diferenciados que devem apenas receber 20% das pessoas que têm necessidades de saúde. Quanto ao papel do Estado, questão recorrentemente debatida, centra-se no primado de que este não pode abdicar, nem desistir, de um conjunto de responsabilidades que são muito evidentes, nomeadamente reduzir assimetrias e desigualdades no acesso e na qualidade dos cuidados, regular o setor em nome do interesse público e do individual, mas também ser indutor do desenvolvimento social e económico.”
Clarificação de áreas de intervenção
Por último, Adalberto Campos Fernandes deixou bem claro que é fundamental clarificar as áreas de intervenção, não podendo continuar todos a fazer as mesmas coisas, ao mesmo tempo, desperdiçando valor e sem manifesta utilidade social. Ou seja, é fundamental que o Estado, dentro da sua própria rede enquanto Serviço Nacional de Saúde, os privados e os prestadores sociais se organizem para que a clarificação das áreas de intervenção seja cooperativa e não competitiva. Por outro lado, sublinhou também a necessidade de o hospital público se refundar e passar a ter a capacidade de reter médicos que queiram fazer uma carreira pública, já que hoje a competição neste domínio com os privados é fortemente prejudicial ao setor público. No período de debate que se seguiu após a intervenção do ministro da Saúde, houve ainda espaço para questões que percorreram um vasto conjunto de temas, desde o financiamento do serviço de saúde, passando pela prevenção de doenças crónicas, nomeadamente a diabetes, até ao futuro de alguns subsistemas como a ADSE.