Orçamento do Estado

por Samuel Fernandes de Almeida 

Um orçamento que antecipa uma maioria e não serve o país. A proposta de Orçamento do Estado para o ano de 2019 antecipa uma vitória clara do Partido Socialista nas eleições legislativas do próximo ano. É uma vitória anunciada perante uma direita encurralada nos seus equívocos e estratégia, e simultaneamente um orçamento que não serve os interesses do país, o seu desenvolvimento e crescimento económico. 

Comecemos pelos equívocos. A entrada em cena da Geringonça colocou a direita em estado de choque, em particular o PSD com uma liderança desgastada com a governação de Passos Coelho e que acabara de vencer as eleições. Este desnorte face a uma nova realidade parlamentar levou os partidos do centro-direita a centrar seu discurso nos riscos de desequilíbrio orçamental, com um aumento desmesurado da despesa e consequente arrastamento do país para a violação do PEC, com todas as consequências daí advenientes. Numa palavra, os portugueses foram alertados para os riscos iminentes de descontrolo do défice das contas públicas. E ao fazê-lo, PSD e CDS colocaram-se como reféns desta estratégia, esvaziando o seu espaço de intervenção política se tais cenários não se viessem a confirmar, como foi o caso. Para 2019, o Ministério das Finanças prevê um défice público de 0,2%, o mais baixo da democracia portuguesa. Nesta legislatura, o Governo redistribuiu seletivamente parcelas de rendimentos junto do seu eleitorado potencial – pensionistas e funcionários públicos –, alterou a “cesta” de receita fiscal, mexendo no IRS e centrando o crescimento da receita nos impostos indiretos (por natureza indolores e naturalmente proporcionais e não progressivos), congelou investimento e despesa pública com cativações – as cativações em três anos de legislatura já superam as cativações totais do Governo de Passos Coelho – e desta forma obteve o equilíbrio orçamental. Uma parte dos portugueses tem aparentemente mais dinheiro nos seus bolsos, embora a carga fiscal nunca tenha sido tão elevada como ocorre no presente ano de 2018. Aliás, entre 2015 e 2018 a carga fiscal passou de 34,4% para cerca de 37%, o valor mais elevado desde 1995. A justiça fiscal deste sistema é bastante questionável, mas a sua eficácia política é notável. O peso dos impostos diretos continua bastante mais baixo que na média da EU (29,6% versus 34,2%), ao passo que os impostos indiretos estão muito acima da média europeia – 43% versus 34% –, o que evidencia uma economia e um sistema fiscal alavancado no consumo e no mercado interno, bem como uma enorme iniquidade na distribuição da carga fiscal. Mas esta receita funciona e encostou a direita às cordas. Mário Centeno jogou no campo tradicional do adversário e ganhou de goleada. A maioria absoluta está aí à porta.  

Interesses do país 

Mas este é um orçamento e uma política que não serve de todo os interesses do país. Desde logo, estamos a aumentar de forma contínua a despesa primária (salários e pensões) à custa do investimento público e de receita fiscal intimamente ligada ao ciclo económico. Importa recordar que estamos a viver um ciclo único em termos macroeconómicos, com taxas de juro negativas, o preço do Brent historicamente baixo e um crescimento global robusto (cerca de 4% de crescimento em 2018). Por outro lado, o orçamento é completamente omisso em temas tão centrais como a natalidade, a poupança – que está novamente a níveis historicamente baixos de cerca de 4% – ou em incentivos estruturantes para o crescimento. Mas mais preocupante é que esta foi mais uma legislatura perdida. Importa revisitar alguns dados. Em termos de convergência com a EU, Portugal nestes quatro anos não vai crescer mais que a média europeia, apresentando uma série neutra, sendo que nos últimos 15 anos divergimos em cerca de 2%. Continuamos, pois, a crescer de forma insuficiente face aos nossos parceiros europeus. Por outro lado, o crescimento económico continua sobretudo assente no consumo privado, mantendo a procura externa um resultado negativo. Pior, em 2019 as exportações irão perder peso e desacelerar o seu crescimento para 4,4% (ao invés de cerca de 7% estimado para 2018).  O investimento, ainda que alavancado em amplos apoios comunitários, continua a perder representatividade na composição do PIB, sendo de destacar a quebra ou estagnação do investimento público. A balança comercial mantém-se equilibrada, mas sem gerar excedentes significativos nesta legislatura. Importa reter que em 2010 a balança comercial apresentava um saldo negativo de 13 mil milhões de euros, tendo o ajustamento sido feito na última legislatura.  A taxa de poupança continua a decrescer de forma contínua, cifrando-se em cerca de 4%, o que compara com a média de 11% na EU. Menos poupança significa mais necessidade de capital externo e necessidades de financiamento. De igual modo, o stock anual de crédito às empresas e economia continua historicamente baixo – cerca de 29bi em 2017 versus 43bi no período de 2010/2015 –, o que significa pouca abertura da banca para novos projetos, reforçando a sua aposta no consumo e no crédito à habitação.  A dívida pública continua bem acima dos 125% do PIB, quando a média europeia não ultrapassa os 75%. Mas o mais preocupante é que os salários continuam a crescer, ao passo que a produtividade decresce continuamente. Este é um fator crítico para o nosso crescimento futuro e a própria competitividade da economia. Saliente-se que o PIB per capita em Portugal por cada hora trabalhada é de 12,3 euros, sendo a média europeia de 20,2 euros. Na Irlanda é de 31,4 euros.  

Perfil da economia 

Trabalhamos mais horas, produzimos menos que a média europeia, o que significa que, em parte, a nossa economia continua fortemente alavancada em setores com pouco valor acrescentado. E por fim, numa das nossas bandeiras, a educação, continuamos com uma percentagem baixa de pessoas qualificadas no mercado ativo, bem abaixo da média europeia (25,2% de licenciados versus uma média de 33,4% na EU). Em suma, o próximo OE não apresenta qualquer estratégia sustentada nos fatores críticos para o nosso desenvolvimento, como seja o investimento, o aumento da produtividade e a reforma da Administração Pública. A maioria absoluta está perto do Rato, e o país continua a discutir o IVA nas touradas.