Por Samuel Fernandes de Almeida
OE2016: REVERSÃO OU RETROCESSO?
A Proposta de Orçamento do Estado é um exercício errático de más opções estratégicas para o país, interrompendo um caminho iniciado na última legislatura. Retomamos a receita da distribuição de riqueza ainda não gerada e no consumo interno. Os sinais para os agentes económicos são claros e as notícias não são boas.
Comecemos pelo ponto de partida. Portugal tem uma dívida pública de cerca de 128% do PIB, os gastos públicos anuais consomem cerca de 50% da riqueza produzida e o nosso crescimento tem sido anémico na última década. Neste quadro, parece relativamente claro que o país deveria continuar a apostar na modernização e reforma do Estado e de algumas das suas instituições, criando e adotando medidas seletivas de captação de investimento externo. Num quadro de endividamento e escassez de formas de financiamento, o debate deveria estar centrado nas opções estratégicas de alocação de recursos públicos em setores de alto valor acrescentado, no incremento do tecido produtivo e na dinamização do nosso setor exportador. Infelizmente, não é esse o caminho escolhido. A despesa corrente aumenta 4,5% – quase 3 pp acima do crescimento do PIB real – com uma redução do saldo global primário positivo de 0,9% para 0,4%. Ao aumento da despesa pública contrapõem-se medidas de carácter fiscal – que mantêm a carga fiscal inalterada – apesar das medidas de desagravamento do exercício fiscal anterior que se refletem neste ano de 2016. Ou seja, apesar de as medidas do anterior Governo preverem um desagravamento fiscal de cerca de 400 milhões de euros (quociente familiar, deduções à coleta e redução da taxa de IRC), a carga fiscal global mantém-se inalterada. Todos conhecemos a receita: aumento da despesa pública para impulsionar o consumo e o crescimento, tudo temperado com medidas de agravamento fiscal.
Falemos de competitividade
Aliás, este orçamento constitui um retrocesso em matéria de competitividade fiscal e atratividade de investimento, o qual, note-se, está em queda desde o último trimestre do ano transato, não se vislumbrando no atual contexto como será atingido um crescimento do investimento privado de 5%. De igual modo e numa nota colateral, não podemos deixar de sinalizar de forma negativa o recurso excessivo a normas de carácter interpretativo, um mecanismo administrativo para contornar as limitações constitucionais de aplicação retroativa das normas tributárias. Analisemos agora algumas das medidas. Em sede de IRC, o encurtamento do prazo de prejuízos fiscais de 12 para 5 anos é uma medida profundamente penalizadora no atual contexto e deixa-nos na cauda da Europa em matéria de competitividade fiscal. Países como Espanha, Luxemburgo ou Reino Unido permitem a dedução de prejuízos sem qualquer limitação temporal. Aliás, se pretendemos investimento qualificado e reprodutivo, temos de criar mecanismos fiscais seletivos que beneficiem o retorno do investidor e fomentem a aposta em setores económicos inovadores e com forte componente tecnológica. Neste contexto, as alterações no regime de participation exemption e patent box – regime mais favorável para rendimentos de patentes e marcas – constituem um fator de instabilidade fiscal, sem ganhos aparentes. Como justificar tais mudanças quando os respetivos regimes viram a luz do dia há pouco mais de um ano e com o apoio do Partido Socialista? Aliás, não se entende a reformulação dos limiares mínimos de participação social – de 5% para 10% – quando Portugal está a transpor uma diretiva comunitária que visa precisamente combater os fenómenos de esquemas artificiais em cadeias de participações sociais. Portugal não pode deixar de se posicionar como uma plataforma de investimento em África, nem desarticular as suas políticas fiscais com o desenvolvimento e fomento da economia do Mar e do alargamento da nossa plataforma continental.
Medidas de agravamento fiscal
Mas as medidas de agravamento fiscal não se ficam por aqui. As SGPS são confrontadas com a tributação dos resultados internos (que estavam suspensos desde 2001) e verifica-se um agravamento da tributação autónoma nos grupos de sociedades. O setor bancário também vê agravada a sua carga fiscal, num contexto de grande exigência para o setor em termos de alavancagem e rentabilidade. Por fim, não questionando a bondade da medida – mas sim a sua oportunidade –, o fim da isenção parcial de IMT para os Fundos de Investimento ocorre decorridos que estão pouco mais de seis meses sobre a entrada em vigor do novo regime fiscal destes organismos. A tudo isto há que somar o agravamento do IS – a repercutir nos clientes de uma forma ou outra – e dos impostos especiais sobre o consumo. As únicas boas notícias são para o setor da restauração – curiosamente um dos que melhor se adaptou e restruturou durante a recente crise – e a devolução mais acelerada da sobretaxa de IRS. Em suma, este é um orçamento profundamente ideológico e com vários riscos na sua execução. A reforma do Estado e do sistema político ficam de vez na gaveta, retomam-se privilégios antigos no setor público – horário de trabalho, feriados e idade de reforma –, cavando um fosso cada vez maior entre as gerações mais jovens que partem, e os que por cá ficam na esperança de que nada mude.