“A DIFERENÇA CULTURAL É UM DESAFIO CONSTANTE”
Em 1998 decidiu ir para Macau para descobrir novos mundos e para exercer Pediatria, especialidade em que se tinha formado em Portugal. Hoje, 15 anos depois, Filomena Laia McGuire é uma profissional de sucesso, responsável pelo Berçário da maternidade do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Destacando a diferença cultural entre Portugal e Macau como um dos principais desafios que enfrenta todos os dias, afirma que gostaria que existissem em Macau “mais especialistas em várias áreas médicas e outros técnicos como, por exemplo, terapeutas da fala e equipas multidisciplinares para apoio a doentes com patologias crónicas ou às suas famílias”. Consciente de que a formação em Portugal “é mais diversa e completa”, Filomena Laia McGuire não descura este campo e tenta participar regularmente em encontros em Hong Kong, Singapura, Japão ou Austrália.
A escolha de Macau para exercer medicina foi uma imposição ou, por outro lado, uma vontade que se concretizou?
A escolha de Macau não foi uma imposição. Sempre senti fascínio pelo Oriente, agradava-me conhecer novos mundos, sempre gostei de viagens, algo que me deve ter ficado desde a infância… Ainda jovem médica, vi um anúncio de jornal a pedir médicos para Macau, e quando, ao apresentar a candidatura no Gabinete de Macau, a funcionária me disse que preferiam médicos especialistas, o assunto ficou arrumado! Mas passados uns anos, já especialista em Pediatria, por desígnios do destino, enquanto recuperava de uma fratura do tornozelo, ao arrumar gavetas, encontrei a tal candidatura. Então na altura pensei: “porque não tentar?”. O meu marido concordou, e passado nem dois meses, eu tinha sido aceite. A política tinha mudado e os portugueses já não eram prioritários em Macau… Mas a política voltou a mudar e a China queria manter a presença portuguesa no território. Assim, a 13 de fevereiro de 1998, sexta-feira, embarcámos em Lisboa num avião da TAP, via Banguecoque, e aterrámos no aeroporto de Macau a 14. Até agora nem a aziaga sexta-feira 13, ou o azarento 14 dos chineses foram mau presságio…
Quais foram as principais motivações para aceitar trabalhar em Macau?
As motivações têm a ver com a vontade de conhecer novos mundos e com o facto de estar convencida de que o Oriente era muito “contemplativo”, muito zen, muito espiritual… Hoje estou convencida de que a imagem que nós temos do Oriente nos foi dada pelo Japão, com os seus jardins de pedra que estimulam a meditação. Mas já há muito que sei que o deus desta zona é o dinheiro e o poder. Ignorava qual seria exatamente o meu salário, sabia que não se ganhava mal mas não foi de facto, na altura, a minha motivação. Nesta aventura tive o apoio de um dos meus mentores, um dos meus mestres, o Prof. João Videira Amaral, que me conhecia bem, assim como do Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário, de Macau, e do seu diretor, Jorge Humberto.
Quais são os principais desafios que enfrenta no seu dia a dia?
Todos os sítios novos têm as suas particularidades, mas Macau era mesmo diferente. Quando cheguei, o hospital Conde de São Januário tinha uma das melhores, senão a melhor, unidades de Neonatologia do país, pelo menos no que toca a instalações e equipamentos. O Portugal de 1998 não tinha nenhum ventilador de alta-frequência, aqui havia três. Agora já não é assim, em Portugal existem ótimas unidades de Neonatologia. A comunicação em medicina é fundamental, a linguagem do recém-nascido é universal, mas sempre tive a ajuda de uma enfermeira bilingue, chinês -português ou chinês-inglês, no diálogo com os pais. A diferença cultural é um desafio constante.
Em termos culturais, e no exercício da sua profissão, sentiu alguma dificuldade em se adaptar?
Sempre tive a mania de que era muito adaptável e que o faria em qualquer sítio… mas Macau é de facto diferente e, ou se gosta e nos adaptamos, ou não se gosta e é muito difícil a adaptação. Eu gostei e gosto de Macau, consigo viver com as diferenças, mas nem sempre as interiorizei. Ainda hoje acho surpreendente a capacidade que os chineses têm de não exteriorizarem o que sentem, pelo menos ao olhar de uma ocidental. A sua face mantém-se inexpressiva nas mais diversas circunstâncias. Particularmente como pediatra, acho chocante a baixa percentagem de aleitamento materno. Há diferenças na diversificação alimentar, mas aparentemente sem problemas para as crianças. Também foi uma surpresa o papel matriarcal da avó paterna. A mulher na China é sempre relegada para um plano muito secundário exceto no primeiro mês após o parto, em que é super apaparicada, especialmente se for mãe de um rapaz.E é quando muitas das decisões, que cabem aos pais, na minha opinião, precisam sempre do aval da avó! Mas paterna…
Em termos profissionais, quais as vantagens de exercer medicina em Macau, quando comparado com Portugal?
Atualmente, será sem dúvida a vantagem económica. Quando cheguei cá não se pagavam impostos, neste momento já se pagam mas num valor ínfimo. Profissionalmente, o meu serviço é muito homogéneo em relação à formação pediátrica e é sempre muito agradável poder discutir um caso com outros colegas mais experientes, particularmente dos hospitais de Hong Kong, com os quais temos protocolos de colaboração e videoconferências semanais. O serviço possui uma ótima biblioteca com numerosas revistas, o que o torna comparável a muitos hospitais onde trabalhei em Portugal.
E desvantagens?
A principal desvantagem é não saber falar o cantonense, a língua mais falada aqui. Isso é sempre um ponto fraco e, apesar de atualmente já perceber se a mensagem que eu quero passar aos pais está a ser bem traduzida, continua a haver muita coisa que não percebo e muita que não consigo transmitir. Mesmo sendo utilizada a língua inglesa na comunicação entre os profissionais do hospital, é muito frequente a comunicação em cantonense, o que nos segrega em muitas situações. Sei que procurei diversidade e encontrei um sítio diferente onde pude criar os meus filhos mostrando-lhes uma outra cultura. Não necessariamente melhor, porque acho que aqui também se paga um preço bastante elevado por estarmos longe da família e dos amigos, e é preciso gerir estes afetos à distância… (…)