JOSÉ FERNANDES E FERNANDES

ENTREGA TOTAL

Dono de um currículo invejável, José Fernandes e Fernandes, director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e do Instituto Cardiovascular de Lisboa, acredita que para se praticar medicina é preciso uma entrega total, que muitas vezes compromete a relação com a família. Por isso, critica fortemente a Ordem dos Médicos, uma vez que, tal como afirma, falta a este organismo, há muitos anos, “a capacidade de enfrentar os verdadeiros problemas dos médicos, dos doentes e da medicina em Portugal”. Autor de uma vasta bibliografia científica, publicou em 2009, Nó Górdio
– A Cumplicidade Escondida
, uma colectânea de textos escritos ao longo de 10 anos, sobre temas políticos, sociais, da medicina e do ensino.

 

Formado em Medicina, especializado em Cirurgia Vascular, autor de uma vasta bibliografia científica, director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e do Instituto Cardiovascular de Lisboa. Quem é o Dr. José Fernandes e Fernandes?

Essencialmente um médico que teve oportunidades de formação profissional e contacto com os melhores centros médicos na Europa e Estados Unidos, que procurou incorporar na sua prática os desenvolvimentos técnicos e científicos na área de Cirurgia Vascular e lutou para compatibilizar este desiderato com as responsabilidades públicas de ensino e promoção da inovação e investigação no domínio das doenças vasculares.

Também um cidadão, que procurou ser “espectador comprometido”, como mencionou Raymond Aron, trazendo ao debate público algumas preocupações e reflexões, com o objectivo de contribuir para a discussão informada, sem ideias fixas ou preconcebidas, cultivando a liberdade de espírito e a discussão informada.

 

A sua mais recente obra, Nó Górdio – A Cumplicidade Escondida, tem um título bastante curioso. A que se deveu a sua escolha?

Foi inspirada na lenda de Alexandre da Macedónia, uma figura histórica controversa, mas fascinante, que ainda hoje inspira estudos sérios e obras de ficção sobre a sua odisseia e a sua personalidade. A lenda do Nó Górdio é certamente um mito, mas vale como expressão da capacidade de decisão, de resolver problemas, necessária no exercício difícil da liderança.

Procurei exprimir também a perplexidade perante hesitações na tomada de decisões, indispensável à resolução dos problemas da saúde e do ensino, e noutros aspectos da vida portuguesa, em que se precisava de um pouco mais de ousadia!

 

Qual é o principal cúmplice de um cirurgião? O pessoal que acompanha toda a cirurgia, os instrumentos ou o seu poder de decisão e de discernimento em momentos mais complicados?

Escrevi um dia que a decisão cirúrgica era a última fronteira da relação médico-doente, onde a responsabilidade do médico é tanto maior quanto mais afectadas estão as capacidades da pessoa doente e maior é a sua ansiedade e perplexidade perante um acto cirúrgico, cujos meandros não conhece, mas que percebe como uma “invasão” à sua integridade corporal. Na cirurgia há uma entrega quase absoluta do doente, habitualmente anestesiado, sem controlo das suas faculdades mentais, mas que confiou na decisão do cirurgião e na sua capacidade para o tratar. Pela natureza das coisas, a cirurgia é quase sempre a última oportunidade, quando a terapêutica farmacológica ou outra, menos invasiva, não é suficiente. Há um ethos cirúrgico, isto é, um conjunto de atributos que nos são passados pelo exemplo, pela prática dos nossos mestres, e que se vão incorporando na personalidade do cirurgião. Dedicação, espírito de sacrifício – as necessidades do doente passam à frente de tudo, até da vida pessoal e familiar –, capacidade de decisão e rigor e responsabilidade na acção. (…)