ISABEL MEIRELLES

coreia-do-norte-bombaA PERIGOSA GUERRA DO NUCLEAR

A República Democrática Popular da Coreia do Norte tem um dos regimes políticos mais fechados do planeta e nasceu da fragmentação, em 1948, da antiga Coreia, tendo sido criadas duas nações autónomas com ideologias geopolíticas absolutamente antagónicas.

Com o fim da União Soviética e do apoio da sua principal aliada, a economia da Coreia do Norte entrou em colapso, até ao extremo de provocar a morte por subnutrição de mais de 2 milhões de pessoas, apesar de ter, ainda hoje, uma reserva de riqueza mineral imensa. Trata-se também de um regime sanguinário, difícil de acreditar que exista em pleno século XXI. Um dos exemplos é o assassinato de Kim Jong-nam, meio-irmão do líder norte-coreano Kim Jong-un, que vivia fora do país, com uma arma química considerada das mais potentes e letais do mundo, alegadamente por ter ido visitar a Disneylândia de Tóquio e de ter sugerido necessidades de reformas políticas no país. Também o ministro da Defesa foi executado com um tiro de bateria antiaérea em frente a centenas de pessoas por, supostamente, ter mostrado deslealdade ao presidente e por ter adormecido durante um evento em que Kim Jong-un estava presente. O ex-mentor e tio do presidente norte-coreano, Jang Song-thaek, de 67 anos, considerado o “número dois” no poder foi, igualmente, condenado por um tribunal militar e executado sob a acusação de traição.

Diferentes crimes917204

Poderíamos ad nauseuam repetir casos destes confirmados por um relatório da Comissão de Investigação da ONU sobre os direitos humanos no país, publicado em 2014, que informou sobre a sua violação sistemática, revelando crimes contra a humanidade, como “extermínio, homicídio, escravatura, desaparecimentos, execuções sumárias, torturas, violência sexual, abortos forçados, privação de alimentos, deslocamento forçado de populações e perseguições por motivos políticos, religiosos ou de género”. Ou seja, trata-se de um fenómeno que toca as raias da insanidade coletiva, que infelizmente revisita a história de outros ditadores em tempos e modos diferentes. Porém, este desvario é tão mais perigoso porquanto está em vias de colocar em causa a paz mundial.

trumpAmeaças feitas

Com efeito, Washington e Pyongyang estão a recrudescer as respetivas ameaças com a Coreia a lançar quatro mísseis balísticos em direção ao mar do Japão, sendo que três deles caíram numa zona especial reivindicada por Tóquio, tendo o aniversário das Forças Armadas norte-coreanas sido marcado por exercícios de artilharia suscetíveis de atingir Seul. Num site oficial do partido único, a Coreia do Norte ameaça mesmo afundar o porta-aviões americano USS Carl Vinson, que se encontra perto da península coreana, e no qual vê uma chantagem militar, caso Washington insista nas investidas estratégicas na região, designadamente em instalar um sistema antimísseis na Coreia do Sul, decisão que foi tomada por Barack Obama e que agora é colocada em prática por Donald Trump, para além dos 28.500 soldados americanos que estão estacionados no território sul-coreano como parte de uma missão permanente mantida desde o fim da Guerra da Coreia em 1953.

Tensão crescente100727-N-6984M-061

O presidente chinês, Xi Jinping, que chegou a ser o principal aliado internacional e maior parceiro comercial de Pyongyang, anunciou que não vai comprar, durante este ano, mais carvão, principal exportação norte-coreana, devido às resoluções sancionatórias da ONU, que podem ir até à suspensão das exportações de hidrocarbonetos, caso se verifique um novo teste nuclear norte-coreano. A China, tal como o Japão, está igualmente a pedir ao seu fogoso homólogo norte-americano que mostre contenção face à crescente tensão entre os dois países, que poderia pôr em causa o equilíbrio daquela região, já de si instável, embora o Presidente dos Estados Unidos, em caso de guerra declarada, precise sempre da autorização do Congresso, sendo que, por enquanto, ainda se exploram todas as saídas diplomáticas. Porém, os norte-coreanos estão vocalmente, pelo menos, pouco dirigidos para um processo negocial e ameaçam fazer deflagrar uma guerra total que, neste caso, “varreria os Estados Unidos do mapa”. Este delírio discursivo visa uma coação psicológica baseada no medo, indispensável à manutenção do regime de Kim Jong-un. Aliás, todos os testes nucleares e de mísseis tiveram lugar quando algum evento marcante externo ocorria, como o que se realizou antes do primeiro encontro entre os presidentes da China e dos Estados Unidos, em que o tema norte-coreano foi a questão central das conversações.

Principal força

A Coreia do Norte não tem aliados nem amigos influentes, nem sequer já o apoio da China, mas tem inimigos muito poderosos, e a sua principal força dissuasora é a nuclear, onde tem progredido tecnologicamente com mísseis de alcance médio e intermédio, mas também intercontinentais, que permitem atingir não só os seus vizinhos, mas também os Estados Unidos e a Europa. Pareceria à partida fácil resolver o problema norte-coreano deixando simplesmente de lhe prestar qualquer auxílio, o que levaria o regime a implodir. Porém, tal implosão é ainda mais ameaçadora, porque significaria a chegada de milhões de refugiados às fronteiras da China e da Coreia do Sul, para além de que um colapso do regime conduziria à reunificação das duas Coreias e, logo, a presença nas fronteiras chinesas de indesejáveis forças militares norte-americanas. Assim, a estratégia dos países envolvidos está cercada pela contradição de ter de continuar a alimentar, ainda que sob a capa de ajuda humanitária, o regime da Coreia do Norte, porque o seu colapso provocaria, paradoxalmente, muito mais danos do que a manutenção do atual status quo!