AS INFRAESTRUTURAS DE TRANSPORTES E A DÍVIDA PÚBLICA
A discussão sobre os investimentos em infraestruturas de transportes voltou à ordem do dia, a propósito da expansão e remodelação da via-férrea e da localização do aeroporto civil no Montijo, como extensão da Portela.
Passaram 18 anos deste século e é inevitável questionar as opções de investimento público que foram tomadas, seus resultados e contributo para o desenvolvimento do país, bem como os negócios das parcerias público-privadas e todos os contratos que geraram despesa em vez de investimento. Se compararmos a situação no final do século passado com os primeiros anos deste século, ficamos chocados e apetece perguntar como foi possível. No final do ano 2000 a dívida pública era de 66.100 milhões de euros e representava apenas 50,3% do PIB. Nos últimos 20 anos do século XX realizaram-se elevadíssimos investimentos em infraestruturas e em particular depois da adesão de Portugal à CEE, em 1986. Contudo, presumo que há a ideia de que foram os investimentos em infraestruturas de transportes que mais contribuíram para a dívida pública, mas não é essa a realidade quando comparamos estes dois períodos. Após o 25 de Abril, Portugal fez uma revolução nas infraestruturas, não só de transportes, mas também no abastecimento de água, de energia elétrica e de gás e nas redes de saneamento. Chegámos ao fim do século com quase 100% das habitações com este tipo de serviços, o que compara com cerca de 50% em 1970. Se esta primeira opção é básica e contribuiu diretamente para a qualidade de vida, na opção seguinte, o desenvolvimento das infraestruturas de transportes, há uma notável história para contar e refletir, pelo trabalho que Portugal conseguiu fazer até ao final do século XX.
Plano Rodoviário Nacional
Recordo como mais emblemático o Plano Rodoviário Nacional, a rede de autoestradas, que em 1974 apenas ligava Lisboa ao Carregado e o Porto a Carvalhos, e outros itinerários principais que reduziram a dimensão do território, comprimindo tempo e espaço. Em 1991 foi inaugurada a ponte de São João (Porto); em 1995 a ponte do Freixo (Porto); em 1998 a ponte Vasco da Gama (Lisboa); em 1999 a travessia do comboio na ponte 25 de Abril. Para terminar esse apogeu, concretizámos a Exposição Mundial de 1998, com o maior projeto de requalificação urbana do país. Mas apesar de tudo as contas estavam equilibradas e foi possível passar pelo crivo que permitiu a adesão ao euro, em janeiro de 2002. Ao entrarmos no clube dos ricos, parece que as dívidas não eram para ser pagas, e começaram as opções errantes, na lógica de que o investimento público iria fazer crescer o PIB dinamizando a economia, mas no final os resultados foram em sentido contrário, tal como foram os da Estratégia de Lisboa para 2010. Convém recordar que aquela estratégia, associada ao nome de Lisboa, definiu o posicionamento político competitivo da Europa perante o Mundo consubstanciado no objetivo de “Até 2010 tornar a Europa o espaço económico mais dinâmico e competitivo do Mundo, baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social”. Vale a pena evidenciar e recordar a situação da UE 2010 e de Portugal em particular, pois o estado a que se chegou foi precisamente o contrário do anunciado, com destaque para o elevado desemprego jovem. É também com base neste engano europeu que os governos alimentaram a despesa com juros baixos.
A dívida
No final de 2005 a dívida já estava em 106.900 milhões de euros, com mais 89.300 milhões de euros (+62%), e nos cinco anos seguintes (2011) chegou a 196.200 milhões de euros. Em apenas 10 anos a dívida passou para o triplo, com mais 130.000 milhões de euros. Chegámos ao fim da linha e foi necessário recorrer ao Programa de Assistência Económica e Financeira. Naqueles primeiros 10 anos construíram-se mais autoestradas, não prioritárias, as pontes Infante D. Henrique (Porto, 2003), Rainha Santa Isabel (Coimbra, 2004) e da Lezíria (Carregado, 2007), que já estavam programadas no final do século passado. Em 2011, também se inaugurou o aeroporto de Beja, desde sempre em repouso. Ao nível do quase, lembro que “quase” tivemos o novo aeroporto em Lisboa, na Ota, e depois de iniciado o debate público e analisadas as opções, foi anulada a decisão e passou para Alcochete (2009), para agora se equacionar o Montijo. “Quase” tivemos a decisão de uma nova ponte sobre o Tejo, como “quase” tivemos o comboio de alta velocidade, mas acabámos por ter serviços públicos de transporte de pior qualidade.
Investimento público
Parece claro que as opções de investimento público não foram alinhadas com a estratégia de desenvolvimento do país, para além dos modelos de financiamento das parcerias, que geraram enormes encargos. Ao nível das infraestruturas, as opções de investimento deveriam ter passado pela prioridade na via-férrea, pelo novo aeroporto de Lisboa e pela eventual nova travessia, pois no século passado a opção foi exageradamente nas redes viárias. Entre 1976 e 1998, os investimentos rodoviários representaram cerca de 69,5% do total, a ferrovia apenas 3,1%, os investimentos portuários 4,1% e os aeroportos 3,4%. Em junho de 2014, após ter terminado o Programa de Assistência Económica e Financeira, a dívida pública já tinha aumentado para 220.684 mil milhões de euros (132,4% do PIB), incluindo o empréstimo da troika, e continuou a crescer para 231.100 milhões de euros em dezembro de 2015, e ainda mais em setembro de 2018 com 248.960 milhões de euros, embora em menor percentagem do PIB. A espiral do aumento da dívida que começou em 2005 (67,4% do PIB) provocou o aumento de 182.860 milhões de euros desde o início do século (+276%). Há quem procure associar o investimento em infraestruturas ao crescimento da dívida pública, lembrando o que também sucedeu na última metade do século XIX, devido ao plano de modernização do país promovido pelo general Fontes Pereira de Melo. Grande equívoco! Na escala do tempo e da História foi uma grande transformação em apenas 45 anos, e no fim do século XIX Portugal tinha cerca de 2 mil quilómetros de via-férrea, incluindo as notáveis linhas do Douro, várias pontes e uma rede viária já considerável. Foram investimentos indispensáveis ao desenvolvimento do país, atendendo à situação no início da Revolução Industrial, ao contrário da dívida gerada sem que tenha havido investimentos que permitiram desenvolver o país e fazer crescer a economia. Para além da dívida e das opções que alimentaram a despesa, fica também o registo da estagnação, do empobrecimento generalizado, da destruição de organizações que tinham dado provas e a substituição dos modelos que contribuíram para os bons resultados.
Junta Autónoma de Estradas
Recordo o fim da Junta Autónoma de Estradas, criada em 1927 e extinta em 1999, com a sua divisão em três novos institutos; o Ministério das Obras Públicas, criado em 1852 e extinto em 2011, e o Conselho Superior de Obras Públicas, criado em 1852 e substituído, em 2006, por um Conselho Consultivo, que também foi extinto em 2011. Poderemos afirmar que no final do século passado se encerrou o modelo de organização que conduziu ao desenvolvimento das infraestruturas de transportes desde meados do século XIX, referencial responsável por algumas das mais notáveis obras de engenharia realizadas entre a última metade do século XIX e o fim do século XX. Passaram 18 anos, que opções foram concretizadas? No final desta década voltamos a assistir a uma nova opção: o aeroporto do Montijo dedicado à aviação civil, sem que seja demonstrado que a localização seja a melhor, face a outras alternativas, repetindo-se assim o que tem caracterizado as opções neste século. Apetece perguntar como foi possível gastar tanto em tão pouco tempo e fazer tão pouco, com a agravante de os portugueses terem ficado mais pobres e com encargos anuais de juros que superam o custo do Serviço Nacional de Saúde.