ESPECIAL ANIVERSÁRIO

OS ROSTOS DA FRONTLINE

 

Mais um ano cumprido e mais 10 personalidades marcantes da nossa vida política, económica e social, da esfera empresarial e da sociedade civil voltaram a dar rosto à FRONTLINE. São testemunhos que marcam e moldam a nossa realidade. Testemunhos de pessoas, cujas ideias, projetos e paixões assumiram, na conjuntura em que foram produzidos, determinados significados que hoje provavelmente já poderão ter outra leitura, mas cujo efeito não se diluirá no tempo. Aqui ficam, em síntese, traços e afirmações expressas por todos eles nas suas entrevistas à revista.

 

TEIXEIRA DOS SANTOS

“HÁ QUE RECUPERAR A CONFIANÇA”

Foi o mais mediático ministro de José Sócrates e para muitos “profeta da desgraça” mal sucedeu a Campos e Cunha na pasta das Finanças. Mas Teixeira dos Santos revelou uma resiliência inabalável e, na altura desta entrevista à FRONTLINE, com eleições legislativas à porta, garantia que saía de consciência tranquila, continuando a acreditar que era o Partido Socialista que melhores condições reunia para governar o país, mas já sem dúvidas de que era inevitável o recurso à ajuda externa como consequência da crise política instalada. Com o PEC 4 rejeitado, o ministro das Finanças também não deixava margem para dúvidas de que os tempos de sacrifício para os portugueses se iriam agravar, numa dura crítica a algum discurso eleitoralista que já se fazia ouvir: “Por isso fico perplexo com o discurso de que são injustificáveis novos sacrifícios. É um discurso enganador. Ou Portugal mostra que é capaz, por si, de levar a cabo este trabalho exigente, ou cairá nos braços da ajuda externa. E, alerto, neste caso, a condicionalidade que nos será imposta será certamente mais gravosa para todos nós.”. (…)

 

EDUARDO CATROGA

“PRIORIDADE PARA O AUMENTO DA PRODUÇÃO NACIONAL”

Eduardo Catroga foi assumidamente o rosto da rutura com o status quo socrático, o que levou Portugal a novas eleições legislativas que culminaram com a ascensão de Passos Coelho ao poder e forçaram o pedido de ajuda externa sobre o qual o então primeiro-ministro José Sócrates sempre se mostrou relutante. Mas, mesmo assim, Catroga não se mostrou disponível para aceitar novamente funções governativas, como o guerreiro que descansa depois de travar o último combate. Reconhecendo ser uma questão que lhe haviam colocado nos últimos meses e à qual sempre respondeu com toda a sinceridade, considerou que a sua geração (estava a caminho dos 69 anos, como referia na altura) devia ajudar em tarefas (concentradas no tempo), mas que devia ser uma nova geração a assumir funções executivas de governação. Quanto à situação económica do país, e passados já alguns meses à altura da entrevista à FRONTLINE, o seu discurso permanence irredutível desde o primeiro dia em que foi chamado pelo PSD para negociar uma saída viável para o país ainda com o PEC 4 no horizonte: “A situação financeira atual é consequência de erros acumulados nos últimos 15 anos, e em particular nos últimos seis, devido a uma política económica e financeira irresponsável do Governo de José Sócrates, que agravou os desequilíbrios económicos e financeiros que vinham de trás (e cuja raiz se encontra no Governo de António Guterres). Aquando das negociações, nos finais de outubro de 2010, e apesar da viabilização do Orçamento do Estado de 2011 – após o falhanço de três PEC’s anteriores e do descalabro das contas públicas em 2009 e 2010 –, o caminho para o abismo era praticamente inevitável.” (…)

 

GERMANO DE SOUSA

“SOU UM DEFENSOR INDISCUTÍVEL DO SNS”

Sem fugir a toda a controvérsia e discussão que hoje atingem o setor da Saúde em Portugal, com particular destaque para o Serviço Nacional de Saúde, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos continua a expressar a sua convicção de que no nosso país os profissionais de saúde prestam um “bom serviço”. Hoje dedica a maior fatia do seu tempo aos centros de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, já considerados uma referência nacional a nível da inovação, qualidade e rigor, mas é um homem atento à realidade que o rodeia e, apesar de tudo, com uma visão otimista sobre o futuro: “a Saúde em Portugal está bem e recomenda-se. Foram, ao longo do tempo, criadas condições para que os indicadores da saúde dos portugueses fossem idênticos à média europeia, sendo mesmo superiors em alguns aspetos”. Mas a crítica aberta vem logo de seguida, quando afirma que assim funcionassem tão bem a Justiça, a Educação e a Economia. Quanto ao Serviço Nacional de Saúde, do qual se assume um defensor indiscutível, as suas palavras também não deixam margem para dúvida: “O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido o grande obreiro da qualidade da saúde. (…)

 

CARLOS MOEDAS

“UMA NOVA GERAÇÃO NA POLÍTICA”

Surgiu após as últimas eleições como o braço direito de Passos Coelho e, para já, ficará recordado como o homem que conseguiu, ao fim de longo tempo, ganhar mais um deputado para o PSD no bastião comunista de Beja. Ao atual secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, uma primeira pergunta era inevitável, afinal quem é Carlos Moedas? A sua primeira referência é ser alentejano; a segunda é ser um engenheiro quase pioneiro no programa Erasmus, o que o levou a concluir o curso em Paris e desde cedo a começar a trabalhar além-fronteiras. É uma memória viva que traz presente consigo: “Não foi fácil, mas aprendi a respeitar os nossos emigrantes e as minorias em geral. Ser diferente implica ser 10 vezes melhor do que os outros para chegar ao mesmo sítio. Sair do nosso país, enfrentar o desconhecido, lutar para vencer num país que não é o nosso, tem um valor inestimável.” Depois veio Harvard, o MBA, a Goldman Sachs e o apoio inestimável de um homem chamado António Borges, afinal o mesmo homem que acabou por ser o responsável pelo seu ingresso na vida política quando, em 2008, o convidou para o Gabinete de Estudos do PSD até, quatro anos depois, ter chegado a uma posição de destaque no mais recente Governo social-democrata. (…)

 

JOÃO LOBO ANTUNES

SOLUÇÃO: “TRABALHO, TRABALHO, TRABALHO”

A única solução para Portugal sair da crise é “trabalho, trabalho, trabalho”. Assim nos fala João Lobo Antunes, reputado neurocirurgião e conselheiro de Estado do Presidente da República. Confia mais em Passos Coelho do que confiou no anterior Governo e vive preocupado com as gerações mais novas num país que não é de velhos, mas é certamente um país de mais envelhecidos, o que considera ser provavelmente um dos maiores desafios para a sociedade portuguesa do ponto de vista social, económico e moral. E nesta fase crítica, é na incerteza que vê o país mergulhado, não deixando de ressaltar o paradoxo que essa mesma incerteza encerra, quando afirma que a “incerteza é talvez o traço mais marcante da modernidade e articula-se também com o medo, com o risco e, inevitavelmente, com o erro. Curiosamente, isto sucede num tempo em que celebramos orgulhosamente os triunfos da ciência e da técnica”. A saúde é um tema inevitável em Lobo Antunes e, quanto à sustentabilidade do modelo do serviço público, a sua visão é claramente de rutura perante a afirmação de que “o tendencialmente gratuito está já na Constituição, o que não está é o tendencialmente insustentável”. (…)

 

ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

“MEDIDAS POLÍTICAS EM SAÚDE, RISCO DE INCOMPREENSÃO E REJEIÇÃO

Afirma com convicção que Portugal progrediu muito na área da Saúde nos últimos anos e não acredita que o Sistema Nacional de Saúde, tal como o conhecemos hoje, esteja em risco. Para Adalberto Campos Fernandes, ex-presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte e atual presidente do Conselho de Curadores do Centro Académico de Medicina de Lisboa, a situação de dificuldade que vivemos neste momento vai contudo tornar mais urgente a aplicação de medidas reformistas, o que certamente vai melhorar o desempenho global do sistema de saúde: “Os sistemas de saúde, ao longo da sua existência, passam sempre por períodos de ajustamento. A reforma dos sistemas de saúde é, aliás, um processo contínuo e permanente. Nos diferentes países, independentemente dos modelos de financiamento e de organização, verifica-se a necessidade de introduzir mudanças que melhorem o equilíbrio entre a oferta e procura de cuidados de saúde e o quadro global de eficiência e de qualidade.” Do mesmo modo, olha para os compromissos assumidos com a troika não como uma ameaça, mas como uma oportunidade, já que, no seu entender, visam, no essencial, melhorar a eficiência global do sistema de saúde, visto que a maior parte das medidas vão no sentido de defender o SNS, exemplos do reforço da transparência e da avaliação que precisamente cumprem esse objetivo. (…)

 

MARIA DE BELÉM

“DIREITO À VIDA E Á SAÚDE

Tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Partido Socialista a convite de António José Seguro, convite que a orgulhou mas que também trouxe à ribalta, como publicamente reconhece, que “faltam mulheres nos altos cargos da política e que isso prejudica a própria política”. Este é um tema que lhe é grato e de que fala com paixão mas com ideias bem estruturadas. O que trazem então as mulheres de melhor à política, sintetiza Maria de Belém em poucas palavras: “trazem a sua própria experiência. Trazem preocupações que devem também encontrar uma priorização no espaço da decisão política. Trazem uma forma de ser e de estar que não é construída no feminino ou masculino, mas tem uma carga milenar muito própria. E digamos que trazem ou deveriam trazer alguma amenização ao discurso político”. Ao momento de crise que o País atravessa o seu discurso é sereno, alertando para a necessidade de agir com bom senso e equilíbrio por oposição a um reajustamento feito com uma calendarização apressada e apertada que levará certamente a rupturas muito graves do ponto de vista social e económico. (…)

 

FERNANDO SANTO

“SOU UM GESTOR COM FUNÇÕES GOVERNATIVAS”

Aceitou o convite da ministra Paula Teixeira da Cruz para liderar a Secretaria de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos da Justiça, tendo sido o primeiro engenheiro de formação a ocupar o cargo. O desafio de estar com o Governo, só o aceitou por ir exercer funções de pura gestão, e a falta de capacidade financeira para fazer face aos compromissos, incluindo salários, e os prazos apertados, assume como as maiores dificuldades que encontrou desde que chegou ao Ministério da Justiça. Mas Fernando Santo também não deixa de criticar as opções tomadas nos últimos anos, nomeadamente a venda de património e consequente arrendamento do mesmo por valores que acabam por ser desvantajosos para o Estado. É assim a vida de um engenheiro que já foi bastonário da sua Ordem e que explica este “salto” como a consolidação da sua experiência de vida, associada à formação e experiência profissional, que são o suporte para desempenhar as suas atuais funções: “durante os seis anos em que estive como bastonário, tive a oportunidade de estudar e debater muitas matérias de interesse público, desde o ensino, passando pela energia, reabilitação urbana, até às grandes obras públicas. (…)

 

ANTÓNIO SARAIVA

“SOU UM ARQUITETO DE PONTES”

 Foi um dos parceiros mais empenhados no sucesso do acordo da reforma laboral conseguido com o atual Governo, mas o mesmo empenho é colocado no sentido crítico com que olha para muitas situações em Portugal. O atual president da CIP lembra aos trabalhadores que é preciso mudar a atitude e critica, por exemplo, com aqueles que nas empresas públicas fazem greves quando têm salaries e regalias muito acima da maioria dos portugueses. Aliás, a administração pública tem sido um dos seus “cavalos de batalha” e é perentório que esta consome demasiado dos nossos recursos, “seja por excesso de recursos humanos, seja por despesa que está instalada. A administração pública consome cerca de 50% daquilo que produzimos”. Mas vai mais longe, com a frontalidade que lhe é reconhecida, ao afirmar que não há desemprego da parte pública e “essa coragem política vai ter que existir porque o peso da administração pública, que nos custa 50% do que produzimos, não se pode manter. O país tem uma carga fiscal em excesso para alimentar este monstro. Tem que haver coragem política de corrigir isto”. (…)

 

JOSÉ MANUEL SILVA

“MEDICINA POR VOCAÇÃO”

Assumiu o cargo de bastonário da Ordem dos Médicos há menos de um ano e confessa que a complexidade excedeu as suas expetativas, dada a situação difícil que o país atravessa. Na sua opinião, os problemas não estão dentro da classe médica ou até mesmo no SNS, antes resultando das consequências que a crise atual tem tido ao nível da saúde: “neste momento temos problemas em todo o lado e as pessoas depositam no bastonário da Ordem dos Médicos uma grande esperança que possa contribuir para a resolução dos problemas, mas infelizmente este não tem os meios para o fazer de uma forma autónoma”. Outra das suas manifestas preocupações é o que alega ser o clima de medo que se vive entre os médicos, uma situação nova e que considera ser uma consequência de estarmos perante o advir de um possível excesso de médicos – porque a teórica falta dos mesmos resultava sobretudo de questões de organização –, o que leva os profissionais de saúde a começarem a sentir que o seu emprego e a sua sobrevivência podem estar em risco, e que levanta novos problemas, sobretudo na forma como são tratados os doentes. E, neste raciocínio, vai contundentemente mais longe: “um médico com medo, pelo poder que tem na ponta da sua caneta, que pode usar bem ou mal, pode trazer constrangimentos extremamente complicados ao Serviço Nacional de Saúde e ao tratamento dos doentes”. (…)