OS ROSTOS DA FRONTLINE
Mais um ano cumprido e dez personalidades marcantes da nossa vida política, económica e social, da esfera empresarial e da sociedade civil voltaram a dar rosto à FRONTLINE. São testemunhos que marcam e moldam a nossa realidade. Testemunhos de pessoas, cujas ideias, projetos e paixões assumiram, na conjuntura em que foram produzidos, determinados significados que hoje provavelmente já poderão ter outra leitura, mas cujo efeito não se diluirá no tempo. Aqui ficam, em síntese, traços e afirmações expressas por todos eles nas suas entrevistas à revista.
“As pessoas não aguentam mais sacrifícios”
Em abril de 2012, António José Seguro afirmava em entrevista à FRONTLINE que assumia um compromisso de “fazer política de forma diferente” e que o PS estava a fazer uma oposição “honesta e construtiva ao atual Governo”, apresentando “uma alternativa política merecedora da confiança e do entusiasmo dos portugueses”. Para o líder da oposição, a tónica do seu discurso político nessa altura, de que o Governo funcionava mal e não estava a contribuir para a resolução dos problemas, não era diferente do que afirma hoje, nem tão-pouco a convicção já expressa de que “as pessoas não aguentam mais sacrifícios”, ou a preocupação com o “aumento brutal do desemprego”. Chegar à liderança do Partido Socialista não era um sonho antigo mas sim um imperativo que o atual líder do partido descreveu como o dever cívico de se candidatar à liderança do PS, em nome de uma ideia para Portugal e pelas causas e pelos princípios por que sempre se bateu. O passado, mesmo o seu passado político, é algo que remete para outros momentos de conversa, preferindo focar sempre o discurso no futuro, no futuro de um país que, nas suas palavras, “precisa de viver um novo ciclo político com políticos que não prometam uma coisa antes de eleições e façam o contrário quando chegam ao Governo. O futuro Governo tem que ganhar a confiança dos portugueses”. (…)
“Faltam mulheres nos cargos de liderança”
A afirmação de que faltam mulheres nos cargos de liderança em Portugal não é nova, mas a atual secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade confessa “que a possibilidade de realmente contribuir para mudar a situação das mulheres, no sentido de lhes ser reconhecida a participação igualitária a que têm direito na vida pública e privada”, é muito motivante. O desafio, aceitou-o por gostar do trabalho parlamentar e também por pensar que, no momento que o país atravessava, ninguém deveria recusar a oportunidade e o dever de participar na vida pública do seu país. Não é propriamente uma novata na política e cumpriu o seu primeiro mandato entre 2002 e 2005, quando integrou as listas do PSD a convite de Durão Barroso, tendo regressado ao Parlamento em 2009, pela mão de Manuela Ferreira Leite, por quem expressa uma admiração convicta e não esconde que tem pena de não a ter visto chegar ao cargo de primeiro-ministro: “Com a eleição de Manuela Ferreira Leite teríamos ganho uma governante competente e íntegra, que teria sabido interromper o ciclo de endividamento e de incapacidade de cumprimento dos compromissos que nessa altura já se vivia, apesar dos esforços do então Governo para iludir a situação. Portugal teria entrado mais cedo no caminho de rigor e de contenção que, em minha opinião, tem necessariamente de percorrer; acredito mesmo que se teria evitado o pedido de ajuda externa.” (…)
“Preocupa-me o endeusamento do ministro das Finanças”
Na sua entrevista à FRONTLINE, o atual CEO do Banco BIC Português revelou o que muitos esperavam ouvir da sua boca: muito poucas expetativas positivas para o futuro imediato no que toca ao crescimento económico de Portugal; medidas exageradas de austeridade vão prejudicar gravemente a economia e “sérias dúvidas” sobre a “capacidade reformista” deste Governo, uma vez que em termos de reformas estruturais a única que foi feita, e que se deveu essencialmente ao espírito de negociação da CIP e à coragem política da UGT, foi a do mercado de trabalho, em sede de concertação social. Em Mira Amaral é difícil encontrar uma linha de separação entre o antigo ministro da Indústria e o atual CEO do Banco BIC, tal é a consistência do seu discurso, onde ressalta sobretudo um pessimismo angustiante para quem quer continuar a tapar o sol com a peneira: “Eu não sei se a Europa está num beco sem saída, a verdade é que está numa situação muito difícil. Mas neste caso, devo dizer-lhe que quem culpa os programas da troika e a senhora Merkel pelo que aconteceu está a ver o filme ao contrário. O que aconteceu foi que, no tempo das vacas gordas, alguns países como Portugal foram altamente indisciplinados, gastaram demasiado, endividaram-se muito e, depois, quando veio a crise financeira, essa dívida pública que já existia não permitiu mais financiamento externo e chegámos a um impasse.” (…)
“Portugal é Europa”
Aos 35 anos de idade, Cecília Meireles, secretária de Estado do Turismo do Governo de Pedro Passos Coelho, foca o principal objetivo da sua legislatura em dar maior destaque ao destino Portugal, mas reconhece que é necessário mudar mentalidades e sobretudo optar por outras estratégias neste setor. Mas o essencial da sua mensagem acaba por ter uma forte componente política quando afirma que “este Governo tem feito um enorme esforço para identificar os erros e as mudanças estratégicas e corrigir a trajetória no que toca ao turismo”. Nesta linha de pensamento, as ideias e prioridades estão bem identificadas e isso mesmo expressou na sua entrevista à FRONTLINE sobre a definição dessas mesmas prioridades para o setor: “Nas últimas décadas o olhar esteve muito centrado sobre a oferta, sobre aquilo que nós construíamos. A ideia era: se construirmos um bom resort, depois aparecerão os turistas para o encher… surgirá a procura. O que se passou foi que a realidade comprovou que não era exatamente assim. A grande reforma é olhar para as coisas ao contrário. É ir buscar os turistas. É ir aos nossos mercados tradicionais e perceber como é que nos podemos adaptar àquilo que eles querem. É ir a mercados inovadores e perceber que tipo de oferta é que temos e o que é que pode corresponder àquilo que eles procuram. E depois temos de trazer esses turistas para Portugal. Esta forma de ver as coisas, ao contrário daquela como eram vistas, é a principal mudança.” (…)
“Ainda bem que sou incómodo”
Trocou a cidade de Vancouver, no Canadá, para regressar a Lisboa, porque achou que o seu contributo “era importante” para ajudar o país a “ultrapassar as dificuldades” e assim, convidado por Pedro Passos Coelho, assumiu a pasta da Economia. O ministro, que conta com uma vasta experiência académica nessa área, implementou até à data diversas reformas importantes, como, por exemplo, a reforma da lei laboral, mas as opiniões, sejam da oposição, de críticos, até de alguns mais próximos, não o têm poupado ao apontarem-lhe grande fragilidade política e um papel secundário face ao ministro das Finanças, quando Portugal precisa de ter uma aposta forte nesta área. Mesmo assim, Álvaro Santos Pereira não desanima e reconheceu à FRONTLINE que, em apenas um ano, o Governo conseguiu eliminar “constrangimentos à competitividade da economia”, bem como aumentar “a capacidade de financiamento das empresas e suprimir os obstáculos que estavam a impedir que a economia crescesse”. Aos críticos, o ministro afirma que responde sempre da mesma maneira, com trabalho e com as reformas que já foram feitas e mantém a mesma postura que o motivou a aceitar o desafio que lhe foi lançado por Passos Coelho, sintetizada em poucas palavras: “Sempre tive uma postura muito ativa e crítica sobre a forma como Portugal estava a ser governado ao longo dos últimos anos. Achei que era importante, para além de ter essa postura crítica, contribuir para uma mudança profunda e estrutural do país, senti que era meu dever, enquanto português, dar a minha ajuda. Tenho três filhos pequenos e quero que eles possam ter um futuro em Portugal.” (…)
“As crises políticas nunca são desejáveis”
Há cerca de oito meses atrás, na sua entrevista à FRONTLINE, o líder parlamentar da bancada do PS ainda defendia que Portugal “precisava de visão e estabilidade” e as crises políticas eram sempre algo a evitar. Defendia mesmo que se a queda/demissão do Governo se viesse a confirmar, seria “um péssimo sinal” e que a aposta socialista era a construção de uma alternativa que implicava “uma mudança de paradigma e uma regeneração da forma de fazer política e de fomentar a cidadania e a participação”. Hoje, a realidade é diferente com este mesmo Partido Socialista a abrir portas para essa demissão, mas, à parte desta exceção, o pensamento de Carlos Zorrinho mantém-se atual ao falar da crise e do que Portugal precisa neste momento: “Portugal precisa de visão e estabilidade. A estabilidade por si só é um valor incompleto. A estabilidade na mediocridade ou na ausência de soluções torna-se foco de estagnação e de desesperança. Por isso é importante recuperar uma perspetiva ambiciosa de posicionamento económico e político de Portugal no mundo. Um país de média dimensão, bem relacionado, multicultural e com uma localização geoestratégica privilegiada deve assumir-se não como uma periferia irrelevante da União Europeia, mas antes como uma ponte entre potências regionais, fazendo da rede e da combinação criativa uma fonte de criação de riqueza.” (…)
“A Ordem está a ser alvo de uma vingança mesquinha”
Irreverente, controverso, incómodo e mais mil palavras haveria para caracterizar o atual bastonário da Ordem dos Advogados que, sem papas na língua, afirma que “a Ordem está a ser alvo, por parte do Governo e da atual ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de uma vingança mesquinha, própria de quem não tem visão de Estado, embora preste um serviço público de inegável valor, ao participar na administração da justiça”. E é este mesmo Marinho e Pinto que, ao mesmo tempo, conforme reconheceu à FRONTLINE, se mostra orgulhoso por poder afirmar que a Ordem dos Advogados está agora “mais empenhada na cidadania, menos voltada para os seus interesses corporativos e mais para os direitos e interesses legítimos dos cidadãos”, e que não está dependente do Governo, embora seja “uma associação pública, que exerce competências delegadas pelo Estado”. O cargo que exerce, define-o como muito trabalhoso e exigente de uma disponibilidade total e de uma capacidade de combate e de luta bastante superior àquilo que ele próprio pensava antes de o ter assumido, onde são muitas as frentes em que a ação de um bastonário se desenrola, nomeadamente no relacionamento institucional com órgãos do Estado, com o Governo, com a Assembleia da República, mas também com o Presidente da República, com os Tribunais, com os magistrados. (…)
“Prometer vitórias é demagógico”
O atual presidente do Sport Lisboa e Benfica, eleito pela primeira vez a 3 de novembro de 2003, tem sido um homem no relançamento do clube e um dos responsáveis pela construção do novo Estádio da Luz e pelo novo centro de estágios do Seixal. “Anos difíceis em que conseguimos superar enormes obstáculos e inúmeras dificuldades”, relembrou Luís Filipe Vieira na sua entrevista à FRONTLINE, ao falar de um Benfica que é a instituição com o maior número de sócios e, como faz questão em sublinhar, “somos, como costumo dizer, uma pátria de muitos países, em que a lusofonia tem particular destaque”. A primeira pergunta era inevitável, o que é ser-se presidente do Benfica? Orgulho, muito trabalho e sentido de missão ressaltam com alguma modéstia do discurso de Luís Filipe Vieira, para quem não se contabilizam horas nem os sacrifícios que se fazem na dedicação ao clube. Um clube que, pese embora o pendão de vitória do seu presidente, só conseguiu ganhar dois campeonatos nos nove anos de exercício dos seus mandatos. Mas o presidente não se deixou intimidar: “Essa é uma pergunta típica de quem desconhece o que era o Benfica há pouco mais de uma década. Se o ponto de partida quando cheguei ao clube fosse o que temos hoje, garanto-lhe que o equilíbrio a nível de resultados desportivos seria totalmente diferente. Dificilmente se consegue ganhar quando não há dinheiro, quando não há infraestruturas, quando temos que lutar com um sistema viciado que anula qualquer tipo de mérito. Foi contra tudo isto, em momentos diferentes e durante anos, que lutámos e tivemos de contrariar. A nossa primeira prioridade foi, como não podia deixar de ser, salvar o Benfica e foi – é bom nunca o esquecer – uma tarefa colossal. Depois foi necessário denunciar uma série de práticas criminosas que viciavam os resultados desportivos. Foram duas duríssimas batalhas travadas de forma contínua. No futebol nada é imediato.” (…)
“Cascais é acima de tudo um compromisso”
Entrou na política muito novo quando, por influência dos seus pais – fundadores do PSD – participou na fundação da JSD, mas apesar de ter passado por várias empresas dentro e fora do país, é na política “enquanto exercício de cidadania” que o atual presidente da Câmara Municipal de Cascais se sente “sinceramente realizado”. Quanto às eleições autárquicas, marcadas para este ano, está confiante de que vai sair vitorioso, admitindo como natural que a “avaliação positiva” feita pelos munícipes se transforme “numa vitória em outubro próximo”. A aposta em obras que façam a grande diferença na vida das pessoas, a aposta na componente social e ao mesmo tempo a necessidade de criar garantias para que Cascais continue a ser o mais atrativo e o mais competitivo possível, de modo a que, por isso mesmo, se mantenha como uma referência de desenvolvimento económico, têm sido as linhas de orientação estratégica que marcaram este seu mandato à frente do município. E mesmo apesar do contexto da atual crise económica e financeira em que um dos problemas muitas vezes referenciados é o grande endividamento das autarquias, o autarca revela toda a sua tranquilidade, elogiando o trabalho sempre feito pelas diversas forças políticas: “Em Cascais, o endividamento da autarquia nunca foi um problema – e não é um mérito desta maioria, é algo que já está enraizado. Todos os governos locais que foram passando tiveram sempre a preocupação de não suportar níveis de endividamento elevados. Cascais, para aquilo que é a sua capacidade de endividamento, está na ordem dos 40% – tomara que o país estivesse nos 60%, que é o objetivo europeu. Nesta perspetiva, estamos bem, o que não implica que não estejamos preocupados com a evolução das receitas.” (…)
“A visão (do país) é aterradora”
Álvaro Beleza, dirigente nacional do Partido Socialista e responsável pela área da Saúde, onde tem como função “apresentar propostas que garantam a defesa e sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, não poupou a críticas o atual Governo na sua entrevista à FRONTLINE. Ao mesmo tempo que enfatiza que estar na política tem de ser para “contribuir para um país melhor”, acusa o Executivo de Passos Colho de revelar uma total “insensibilidade social para com o sofrimento dos portugueses” e de estar apenas preocupado em “levar por diante a sua política ultraliberal e a sua receita de austeridade a qualquer preço”. O pessimismo é mesmo amargo quando confrontado com a visão que o seu partido tem da situação económica, social e política de Portugal: “A visão é aterradora. E, por isso, o PS tem muito para melhorar quando for Governo. Portugal é neste momento um país governado por meros técnicos mercantilistas sem sensibilidade para os problemas sociais e económicos do país, sem capacidade de fazer reformas profundas, mas apenas cortes cegos, sem experiência na economia produtiva, sem engenho nem arte para gerar crescimento e emprego.” (…)