ELEIÇÕES ALEMANHA

EUROPA DE OLHOS NA NOVA ALEMANHA

Merkel ficou perto da maioria absoluta, mas perdeu o seu aliado de Governo. A Europa olha agora para a Alemanha, em busca de sinais do que pode ou não mudar no xadrez da união.

 

Angela Merkel foi coroada rainha da Alemanha nas eleições de setembro no país, atingindo um resultado de 41,5% dos votos, o melhor dos últimos 23 anos, ficando muito próxima da maioria absoluta. Descartando de imediato a hipótese de governar sozinha, porque a Alemanha precisa “de um governo estável”, Merkel avançou para a busca de um grande executivo de coligação entre a sua CDU e a esquerda rival do SPD, que queria vender cara a participação no Governo exigindo uma reforma profunda da política europeia de Berlim. Por terra, ficaria o tradicional aliado: o FDP quase que desapareceu nesta eleição, não chegando aos 5% dos votos (que desta vez se ficou pelos 4,8%). Dito isto, não vale a pena pensar que algo de substancial irá mudar na estratégia alemã para resolver a crise europeia e, consequentemente, a portuguesa. É certo que o SPD defende um alívio na aplicação da receita de austeridade que tem sido ditada por Berlim aos países sob resgate, mas nem por isso defende uma total inversão da estratégia. E se em 2009 Merkel partiu para um acordo de coligação com o FDP mais fragilizada, desta vez chegou à mesa das negociações numa posição de força, graças à votação perto da maioria absoluta alcançada em setembro.

 

Oportunidade para países sob resgate

Portugal e Grécia vão aguardar, ainda assim, com a expectativa de que Peer Steinbruck, o candidato do SPD, mostre alguma solidariedade, depois de, no passado, ter defendido um Plano Marshall II para estes países. Agora é certo que os sinais positivos que têm chegado da zona euro, com ténues previsões de crescimento em muitos países, tira força aos líderes do Sul para reivindicar mais da chanceler alemã. A chegada ao poder de um partido mais à esquerda no Parlamento alemão é, assim, vista como umaoportunidade nos países sob resgate para alívio da pressão, mas no final a equação pode não ter grandes variáveis distintas do passado. Mesmo antes da reeleição, o então ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble defendia num artigo no Financial Times que “a receita da austeridade já está a dar provas de sucesso”, deixando claro para os governantes que estão a aplicar medidas impopulares dentro de portas – como é o caso de Passos Coelho em Portugal – que “os sinais de melhoria não são motivo para recuar, são razão para perseverar”. Terminadas as eleições, o Wall Street Journal escreveu que é tempo de a zona euro voltar a focar-se no combate à crise e que Portugal é um dos “problemas urgentes” com que Merkel terá de lidar. O título do artigo é tão-somente: “Portugal pode estar a cozinhar uma tempestade”. De acordo com o Wall Street Journal, Portugal é o único dos países em crise que “não tem vindo a retirar qualquer benefício de uma melhoria da perceção em relação à zona euro”.

 

Merkel obrigada a olhar para dentro

As eleições internas mostraram porém que Angela Merkel terá que concentrar mais esforços dentro de portas, depois de um último mandato muito envolvido nas questões europeias e nas políticas para salvar o euro do colapso e recuperar o peso do bloco da moeda única na economia mundial. E é sabido que os alemães não veem com bons olhos o facto de terem de suportar os programas de resgate dos países da Europa do Sul, como Grécia ou Portugal. Ainda assim, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã considerou que a vitória confortável de Angela Merkel permite à Alemanha “focar-se nas questões europeias, uma vez que a estabilidade doméstica fica assegurada”. Em declarações àLusa, Bernardo Meyrelles afirmou que essa focagem pode permitir à chanceler, “que já se consagrou em termos nacionais e locais, afirmar-se como líder europeia, alguém que pode contribuir para a retoma económica e para a consolidação europeia”.Uma coisa é certa, com maior ou menor sensibilidade, Merkel continuará a ser uma peça-chave no xadrez que o Governo português tem que montar para sair da crise. Depende do seu aval a flexibilização da meta do défice que tem sido pedida e terá sempre que passar pela Alemanha a negociação seja de um segundo resgate, seja de um programa cautelar – cujo modelo está ainda a ser analisado pelo Tribunal Constitucional alemão, que tenta perceber se o mesmo entra ou não em choque com o princípio de ajuda direta do BCE aos Estados-membros do euro.Os resultados das últimas eleições tiveram efeitos no panorama político alemão. No FDP, grande derrotado nestas eleições, Philipp Rösle, líder do partido, apresentou a demissão.Com esta terceira reeleição, que a irá manter no poder até 2017, Merkel tornou-se a mulher que mais tempo irá ficar à frente de um país europeu, batendo o recorde da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Apelidada de Dama de Ferro, czarina e até Hitler, é ela o rosto mais visível da política europeia nos últimos anos. Filha do pastor luterano Horst Kasner e da professora de inglês e latim Herlind Jentzsch, Angela Dorothea Kasner é licenciada em Física pela Universidade de Leipzig.À data de fecho desta edição continuavam ainda as negociações entre a CDU e o SPD para a “Grande Coligação” que Merkel ambicionava.