“CRIÁMOS UM SISTEMA LEGAL CAPAZ DE ASSEGURAR E DAR UMA FIABILIDADE A ESTA SOCIEDADE, QUE PODE DESAPARECER”
A pensar, essencialmente, nos jovens que fazem parte da sociedade de Macau, Rui Cunha, antigo magistrado, avançou com o projeto de uma fundação que tem por objetivo refletir, estudar e difundir o Direito naquela região. Preocupado com o rumo que o Direito está a tomar, o advogado acredita que “não há Direito, não há sistema jurídico que possa sobreviver, quando não existe uma doutrina”. Contudo, não tem dúvidas de que “o Direito em Macau tem virtualidade suficiente para poder fazer face a todos os sistemas jurídicos” e que, por isso mesmo, merece ser “preservado”. Tal como refere, em entrevista à FRONTLINE, é urgente que exista uma mudança de mentalidades e de atuação. Mas a cultura precisa também de ser apoiada nas suas várias vertentes: música, artes, literatura, desporto etc., e este é também um pilar importante da Fundação Rui Cunha.
O que é que o levou a criar a Fundação Rui Cunha?
A ideia surgiu devido a algo que me preocupa bastante, o Direito em Macau. Este corre o risco de, dentro de um certo período, vir a ficar completamente subvertido ou necessitar de uma mudança que faça apagar um passado de 400 anos. Nós criámos um sistema legal capaz de assegurar e dar uma fiabilidade a esta sociedade, que pode desaparecer, levando a que, daqui a uns anos, tenhamos aqui uma segunda Malaca. Entendo que o Direito em Macau tem virtualidade suficiente para poder fazer face a todos os sistemas jurídicos da região e, por tudo isto, merece ser preservado. Procurando apontar os pontos fracos, aquele que me parece mais flagrante é a carência de difusão do próprio Direito de Macau. Não há Direito, não há sistema jurídico que possa sobreviver, quando não existe uma doutrina. Quase que não existem obras sobre o Direito de Macau, sobre a jurisprudência. Até 2004, houve ainda um esforço para difundir estas obras, mas depois deixou de haver esse cuidado.
Apercebemo-nos da existência de uma erosão que avassalará o sistema local e que, a certa altura, o vai obrigar a ter de se aproximar do Direito da República Popular da China, que entretanto se vai solidificando e vai ganhando cada vez mais contornos que o permitem identificar-se como um sistema jurídico válido em qualquer outra potência mundial, ou optar pelo sistema anglo-saxão, de Hong Kong, que, pela facilidade, pelo comércio, pelas ligações, criará a necessidade, a certa altura, de uma revolução interna. Antes de criar a fundação, pensei que, trabalhando aqui há 30 anos, esta seria a altura própria para dar e retribuir o que foi feito por mim. Pretendo deixar um alerta para a possibilidade de podermos minimizar este processo de erosão e criar um Direito sólido e com identidade. A ideia inicial era a de lançar um centro de reflexão, estudo e difusão do Direito de Macau, mas que só sobreviveria enquanto eu vivesse. Decidi então explorar a sua viabilidade e nasceu assim a Fundação Rui Cunha, que tem como missão promover e incentivar o centro. (…)