JOSÉ CARIA

naom_58fd1575aa90aLAISSEZ-FAIRE, LAISSEZ-PASSER

É preciso compreender a dimensão e algumas das motivações que permitiram a Macron chegar ao Eliseu, para se compreender os desafios reais que o novo presidente tem pela frente.

“A Europa de que nós precisamos será reformulada e relançada.” A frase pertence ao presidente improvável de um país mergulhado numa crise política sem precedentes, que, no passado dia 14 de maio, tomou posse como o mais novo presidente da República Francesa. Para os mais atentos, o discurso de Emmanuel Macron – mesmo quando acentuou a tónica de que “o mundo e a Europa necessitam hoje, mais do que nunca, de uma França forte e segura do seu destino… que saiba inventar o futuro” – poderia ter saído de qualquer um dos seus dois últimos antecessores, o republicano Sacorzy ou o socialista Hollande, com a mesma convicção política que Macron emprestou às suas palavras. Mas a verdade é que o establishment político francês, dividido entre uma esquerda e uma direita moderadas e base da arquitetura democrática, aliás, transversal à generalidade dos países da Europa ocidental, sofreu uma pesada derrota logo na primeira volta das eleições presidenciais, com os seus candidatos naturais – Benoît Hamon do Partido Socialista e o republicano François Fillon – a serem afastados da corrida presidencial.

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O que se espera então de Macron, ex-ministro da Economia de Manuel Valls, que emprestou o seu nome à Lei Macron para promover o crescimento económico e as oportunidades, que fundou o movimento Em Marcha, em abril de 2016, antes de renunciar ao cargo de ministro e que se descreve como um político “nem da direita nem da esquerda”? Primeiro é preciso compreender a dimensão e algumas das motivações que permitiram a Macron chegar ao Eliseu, para se compreender os desafios reais que o novo presidente tem pela frente, a começar logo no próximo mês de junho com a realização de eleições legislativas, onde se vai decidir a estabilidade da sua governação por força da maioria parlamentar que, através do Em Marcha, ou por força de coligações, conseguir alcançar (quadro a que poderá não ser estranho o sucesso do exemplo político português conhecido por “geringonça”). Mas voltemos a Macron… Ficou claro que a sua passagem à segunda volta das eleições presidenciais foi muito determinada pela clara punição imposta aos dois partidos do tradicional arco da governação, mas o que os eleitores franceses nunca esperaram foi o exponencial crescimento eleitoral dos projetos políticos de afirmação radical, nomeadamente na extrema-esquerda, com Jean-Luc Mélenchon, ex-socialista e fundador do movimento França Insubmissa e, por oposição, Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, nacionalista e antieuropeísta. Se 19,6% de votos conseguidos por Mélenchon se acabaram por diluir nas intenções expressas, mas sem impacto imediato, já os 21,3% conseguidos por Marine Le Pen garantiram-lhe uma passagem à segunda volta, e foi aqui que soaram “as campainhas de alarme”.

facade_jardin_palais_de_lc3a9lysc3a9eO futuro político da França

Se também é verdade que, logo após o debate crucial entre Macron e Le Pen durante a campanha para a segunda volta, poucas dúvidas subsistiram sobre o potencial vencedor, também é legítima a pergunta que condiciona o futuro político de França: terá Macron condições políticas para impor o seu projeto governativo ou viverá refém de ter sido eleito por oposição a um “mal maior”? Cada qual albardará os números de forma mais conveniente, mas atenda-se à realidade que eles espelham: Macron foi eleito com 66,1% dos votos expressos contra os 21,3% de Marine Le Pen, uma vitória de uma expressão incontestável. Mas de onde vieram os votos de Macron, para além dos 24,1% obtidos na primeira volta e dos apoiantes dos candidatos derrotados. Quem votou no atual presidente? Votaram 71% dos eleitores do socialista Benoît Hamon; 52% do candidato da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon e 48% dos apoiantes do conservador Francois Fillon. Mas o número mais impressionante acaba por ser outro, quando, numa sondagem recente, 43% dos franceses reconheceram que votaram em Emmanuel Macron para evitar a vitória de Marine Le Pen. Se, de facto, a condicionante Le Pen pode ter tido uma influência determinante na eleição de Macron, também é preciso reconhecer outro dado significativo expresso nesta mesma referida sondagem, onde 33% dos eleitores franceses afirmaram que votaram em Macron reconhecendo-lhe a capacidade de protagonizar uma renovação do sistema político em França. De qualquer forma e independentemente das análises políticas, sociológicas ou mesmo ideológicas que se procurem, existe uma verdade que nem Macron quis abertamente aflorar no seu discurso de posse e que se alicerça em três paradigmas que resultaram destas eleições presidenciais francesas: o atual establishment político francês e o modelo que ele representa em termos de expressão eleitoral do cidadão faliu; as democracias europeias no quadro da União Europeia precisam rapidamente de encontrar um sistema político que responda a um novo quadro de uma democracia mais participativa; a expressão política das alas mais radicais consolida a sua força em conjunturas sobretudo resultantes de ausência de resposta por parte das forças políticas moderadas no quadro de uma democracia participada, mas rapidamente entram em erosão quando essas respostas estruturam um discurso antidemagógico e dirigido às pessoas. E este último paradigma será preciso seguir com muita atenção olhando para o que acontecerá em França nos próximos meses. Marine Le Pen foi a grande derrotada deste ciclo político, ficando muito aquém dos 40% que a Frente Nacional tinha colocado como fasquia a atingir nestas eleições presidenciais, o que deu azo a um movimento de crítica nunca antes visto. É verdade que, contrapõem muitos analistas, Marine Le Pen não foi eleita, mas conseguiu uma vitória expressiva ao obter a maior votação de sempre da Frente Nacional, traduzida em 10,6 milhões de votos. Mesmo assim, Marine Le Pen está “sob fogo” e resta saber qual será o espaço de manobra que Emmanuel Macron lhe dará se souber articular um discurso de coesão nacional, dando uma resposta moderada aos anseios de muitos dos eleitores que fugiram para as franjas radicais, sejam Le Pen ou Mélenchon.