LUÍS REPRESAS

74V_5610“A MÚSICA, SE NOS AJUDAR A ABRIR BRECHAS NA PAREDE ÚNICA, ABRE JANELAS PARA A MULTIPLICIDADE DE OPÇÕES QUE EXISTE DO OUTRO LADO”

 

Com uma vida cheia de projetos conseguidos, bons parceiros, sonhos realizados, risos e momentos inesquecíveis, Luís Represas é um dos autores, compositores e cantores mais conhecidos em Portugal. Depois de alguns anos sem apresentar ao público nenhum trabalho a solo, surge agora, em 2014, com o álbum Cores, em que cada canção é “uma realidade que se ouve mas também se vê”. As cores, tal como as notas e as pessoas, “maravilham quando associadas, ao contrário de quando caminham solitárias”. Quanto à música feita no nosso país, Luís Represas não tem dúvidas de que estamos a passar por um “momento complicado”. Embora estejamos perante um período de grande criatividade, no qual surgem cada vez mais artistas, a verdade é que os recursos são cada vez mais escassos para pôr em prática as ideias. “Temos de ser duplamente criativos para encontrarmos caminhos coerentes mas exequíveis”, conclui.

 

É um cantor sobejamente conhecido em Portugal. Como descreve a sua carreira até aqui?

Cheia. Cheia de projetos conseguidos, cheia de bons parceiros, cheia de sonhos realizados, cheia de momentos inesquecíveis, cheia de risos mas também de lágrimas, como convém ao bom crescimento. Enfim, cheia de liberdade para fazer o que quero, quando quero, com quem quero e como quero (dependendo dos recursos, claro). Basicamente feliz, e assim deverá continuar.

Quais foram os momentos mais marcantes da mesma?

Sem querer desvirtuar todos os outros, houve um momento que me foi particularmente marcante: o arranque de uma nova vida, depois do fim dos Trovante, ao cabo de 16 anos de trabalho e crescimento. A angústia de soltar amarras de um porto até aí seguro. Valeu-me o Pablo Milanês, que me apresentou os seus músicos e que marcou estes últimos 22 anos da minha vida na música. O pianista Miguel Nuñez, que me soube entender e mostrar-me quem sou eu, músico, fora do “aconchego” dos Trovante. Foram momentos complicados mas muito felizes.

Que nomes destaca como sendo as suas principais influências a nível musical?74V_5576_1

São tantos… muitos. Desde sempre ouvi muita música das mais variadas origens. Em todas elas encontrei referências que, mais ou menos, deposito na música que faço. Independentemente das culturas ou das épocas em que foram ativos. Mas de Portugal, destaco, sem dúvida, o Fausto e o Sérgio Godinho. O Zeca é transversal.

Como olha para a música feita atualmente em Portugal?

A música feita no nosso país está a passar por um momento complicado. Se por um lado atravessa um período de grande criatividade e quantidade de novos artistas e autores, por outro, deparamo-nos com cada vez menos recursos para pormos em prática as nossas ideias e soluções. Assim, temos de ser duplamente criativos para encontrarmos caminhos coerentes mas exequíveis.

Quais são, atualmente, os seus músicos preferidos?

Aqueles que me emocionam e a quem dou por bem empregue o tempo em que os ouvi. Muitas vezes acontece, talvez um pouco fruto da normalização da indústria mundial, sobressair um tema de um artista (porque nem todos são músicos) no meio de outros bem desinteressantes. Assim acontece quando ouvimos cada vez mais música a metro e, volta não volta, aparece alguma coisa que nem dá tempo para fixar de quem é. Músicos e artistas com horizontes de carreiras que deixam pegadas na história da música é coisa rara.

Porquê a escolha do nome “Cores” para este seu álbum de originais?

Ao ouvir o CD depois de concluído, as canções começaram a sugerir-me cores. Cores que, ao contrário de uma parede cinzenta e normalizada, nos apontam escolhas, opções, alternativas na interpretação. Cada canção é uma realidade que se ouve mas também se vê. Por dentro. As cores, tal como as notas e tal como as pessoas, maravilham quando associadas, ao contrário de quando caminham solitárias.

Este é um disco que quer trazer cor a um Portugal enfadonho?

Não é Portugal que está enfadonho, são as mentalidades. Mentalidades mantidas por quem nos quer ver enfadonhos. Tristes, deprimidos, acomodados, numeralizados. E os números existem para serem manipulados. A música, se nos ajudar a abrir brechas na parede única, abre janelas para a multiplicidade de opções que existe do outro lado. Cores fruto das mais variadas misturas de opções.

74V_5725_1Como foi recebido este seu novo trabalho? O que o distingue?

A receção tem sido boa e penso que as diferenças estão bem patentes neste CD. Em todos os anteriores, entreguei sempre a direção dos arranjos a grandes músicos, como Miguel Nuñez, Bernardo Sassetti, José António Romero, José Calvário, embora a produção sempre fosse coassumida por mim. Neste caso, desde o primeiro momento em que as canções começaram a respirar, assumi os arranjos e fui, com a ajuda do Luís Fernando na produção, construindo os caminhos por onde as músicas iriam até chegarem ao seu destino. Foi muito o pôr em prática aquilo que vim observando e aprendendo ao longo destes 38 anos de música, e olhar para as músicas não apenas pelo ângulo do compositor e intérprete.

Desde 2008 que não tínhamos um disco seu de originais. Como justifica esta pausa?

Durante estes anos não estive parado, houve três projetos que me absorveram o tempo e a disponibilidade, emocionais e reais, necessários para compor: o CD/DVD Ao Vivo no Campo Pequeno, o CD Luís Represas e João Gil, um disco de originais partilhado, e a Missa Brevis, de João Gil, na qual participei cantando o Ensemble Cantate. Só depois de tudo isto se abriu a janela de tranquilidade e inquietação que me deixou começar a escrever.

Quando está a compor, o que surge primeiro, a letra ou a música?

Isso é totalmente aleatório, mas a maior parte das vezes surgem as duas a par e passo.

Em termos de letras e músicas, com quem partilha este álbum?

As músicas são todas minhas, exceto um tema fantástico do Fausto Bordalo Dias, o Fausto, “Porque me olhas Assim”, que estou para gravar há anos. De resto, colaboraram comigo o Pedro Rolo Duarte, a Margarida Pinto Correia, a escritora angolana já desaparecida Alda Lara e a Carolina Represas.

Os singles “Tipo” e “O Aprendiz” tiveram a colaboração da sua filha como autora. Como foi esta colaboração? Conseguiu o distanciamento necessário para criticar quando necessário?

Fazia tempo que alimentava a ideia de trabalhar com ela. Desde muito nova que lhe identifico uma forma de lidar com as palavras que me agrada muito. Desta vez insisti, começando por lhe dar um “mote”, a palavra “Tipo” – bordão geracional –, acabando a Carolina por escrever a letra, muito mais próxima de uma noção entusiasmante do amor do que propriamente uma referência total ao “Tipo”. Assim ainda gostei mais. No caso de “O Aprendiz”, entreguei-lhe a música já feita para que escrevesse a letra, o que é um exercício totalmente diferente. Tema livre. O distanciamento ganha-se privilegiando o enfoque no trabalho e não no autor, prática que tenho com todos os que até agora trabalharam comigo. Se a Carolina quiser continuar, o que me parece normal, pois o gosto pela escrita é de sempre, penso que nós, compositores, temos uma boa parceira.

Numa das suas músicas canta “tomara que fosse sempre assim”. O que gostaria que fosse sempre assim?

Que a ideia que temos da utopia, da utopia concretizada, fosse real. E mesmo que não seja real, que a simples vontade que temos de que o seja ajude a construir um pedaço de caminho, para talvez nunca se lá chegar. Ou não.

Com quem gostaria de pisar o palco?74V_5442

Com todos os que me emocionam e com os quais tenho o desejo de partilhar música. Felizmente ainda são muitos. E outros surgirão.

O que é que ainda o continua a motivar para continuar a criar?

A música, a vida.

Quais são os seus projetos para 2014?

Está construído o espetáculo para levar este disco, estas canções, e outras, ao público. Seja em formato de trio, mais acústico e intimista, seja no formato mais alargado, com mais músicos, irei para a estrada, cá ou onde quer que me chamem. Como cantou o Milton Nascimento, “todo o artista tem de ir aonde o povo está”. E em outubro estarei no CCB e no Coliseu do Porto para matar saudades desse público fantástico.