ISABEL MEIRELLES

Divórcio Litigioso ou por Mútuo Consentimento

A novela do Brexit que ainda não tem final escrito, mas que tem como conclusão do acordo de saída, ou nem por isso, a data de março de 2019, divide os intermediários da União Europeia liderados por Michel Barnier, mas sobretudo os negociadores britânicos partidários de um hard Brexit, ou seja, de uma rutura total com os parceiros europeus.

Foi nesta sequência que um terramoto de demissões se abateu sobre o Governo britânico, nomeadamente com a saída de David Davis, responsável pelas negociações com Bruxelas e muito pouco entusiasta das mesmas, dado que apenas terá passado, desde o princípio do ano, quatro horas com Barnier, bem como o seu adjunto Steve Baker e, sobretudo, do ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Jonhson, que consideram que Theresa May fez concessões inaceitáveis e pisou as linhas vermelhas anteriormente desenhadas. Na sequência, Theresa May reuniu os seus ministros em Chequers, forçou uma clarificação sobre o Brexit e conseguiu que o seu Governo se unisse em volta de um Brexit mais pragmático que soft e que, depois de uma maratona negocial, tenha adotado um plano que será apresentado a Bruxelas e aos restantes Estados-membros no Conselho Europeu de outubro. Este acordo, no essencial, passa pela criação, com a União Europeia, de uma zona de comércio livre para bens industriais e agrícolas, aceitando a harmonização das regras da UE, mas apenas as necessárias para que o comércio flua sem dificuldades, embora o Parlamento britânico tenha aqui a última palavra, tendo em vista a sua incorporação na ordem jurídica interna.

Indústria dos serviços

Também a indústria dos serviços se encontra prevista no plano de May, incluindo os produtos financeiros, mas com maior flexibilidade regulatória e forte reciprocidade. Quanto à livre circulação de cidadãos da União, o quadro de mobilidade não é claro e, em conjunto com a questão da fronteira entre o Reino Unido e a Irlanda do Norte, estes são assuntos decisivos para que este acordo possa ser considerado. Tanto mais que Boris Johnson já tinha comparado este plano da primeira-ministra com um plano para “polir um monte de esterco, considerando que o Reino Unido está a caminho de se tornar uma colónia”. Assim, Theresa May enfrenta uma instabilidade sem precedentes, dado que Johnson, a quem Donald Trump referiu que poderia ser um excelente primeiro-ministro, lhe pode vir a disputar a liderança do Partido Conservador, bem como dentro deste, onde pode enfrentar uma moção de censura por parte dos deputados conservadores eurocéticos e defensores de um hard Brexit, como Jacob Rees-Mog, líder do influente European Research Group, composto por 80 deputados tories, capazes de recolher as 48 assinaturas necessárias para fazer cair o Governo. Também os trabalhistas liderados por Jeremy Corbyn reclamam a liderança do processo, considerando que a oposição se encontra incapaz de o conduzir.

Instabilidade interna

Contudo, para além desta instabilidade interna, mais serenada com o acordo obtido pelo Governo sobre o Brexit, a grande questão centra-se na reação dos negociadores europeus, tantas vezes repetida de que é impossível dividir as quatro liberdades de mercadorias, pessoas e trabalhadores, serviços e capitais, em que se funda o mercado único e a união aduaneira, a que apelidam de cherry pickingContudo, para não lançar mais gasolina para a fogueira, quer Barnier quer Guy Verhofstadt, porta-voz do Parlamento Europeu para o Brexit, preferem saudar a definição de uma estratégia por parte do Governo britânico, embora esta tenha ainda de ser trabalhada para incluir outros cenários. Apesar de todas as tempestades, o barco do Brexit continua a navegar, embora esteja longe de encontrar um porto seguro onde o mútuo acordo seja encontrado. Este divórcio amistoso interessa sobretudo a Portugal, até porque o mercado britânico absorveu, em 2015, 6,7% das exportações portuguesas e, em 2016, foi o país que mais investiu em território luso, designadamente nos têxteis, vinho, imobiliário, turismo e no setor da energia.

Situações de desvantagem

Os ingleses são também os principais visitantes estrangeiros e têm uma comunidade de cerca de 40 mil britânicos, a maioria dos quais reformados, sendo que no Reino Unido vivem também cerca de meio milhão de portugueses. Em suma, um hard Brexit, enquanto divórcio litigioso, pode trazer algumas oportunidades, mas traça, sobretudo, situações de desvantagem para todos os envolvidos, pelo que o poderio da União Europeia, tão posto ultimamente à prova, se irá medir para encontrar a solução consensualmente possível. Como dizia Richard Bach, não é o desafio que define quem somos nem o que somos capazes de ser, mas como enfrentamos esse desafio: podemos incendiar as ruínas ou construir, através delas e passo a passo, um caminho que nos leve à liberdade.