OS ROSTOS DA FRONTLINE
Mais um ano cumprido, e mais 10 personalidades marcantes da nossa vida política, económica e social deram rosto à FRONTLINE. São testemunhos de pessoas, cujas ideias, projetos e paixões assumiram, na conjuntura em que foram produzidos, determinados significados que hoje provavelmente já poderão ter outra leitura, mas cujo efeito não se diluirá no tempo. Aqui ficam, em síntese, traços e afirmações expressas por todos eles à nossa revista. As entrevistas completas estão disponíveis em www.revistafrontline.com
EDUARDO FERRO RODRIGUES
Temos uma democracia consolidada
Quando assumiu o cargo de presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues considerou o seu maior desafio o da representação institucional e externa do Parlamento, para além dos mais conjunturais, como o das comemorações dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa, que sempre fez questão reputar da maior importância: “A Constituição resistiu à prova do tempo, como disse Henrique de Barros, presidente da Constituinte. É o garante das regras do jogo democrático que todos respeitamos e dos direitos sociais e culturais que fundamentam as políticas públicas.” Convicto, em jeito de balanço, dos seus primeiros meses de exercício e das reformas que, nesse mesmo exercício, pretendia concretizar, não deixou de reforçar uma ideia central, a de que o presidente da Assembleia é o presidente de todos os deputados, mas não pode ser um presidente indiferente, mais ainda face ao crescente sentimento de desconfiança que assistimos em relação às instituições democráticas e à necessidade de promover uma democracia de proximidade: “Fui eleito no dia 28 de outubro de 2015. Passaram menos de seis meses de uma agenda parlamentar intensa, com dois governos a tomarem posse, dois programas de Governo, a posse do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e, mais recentemente, a conclusão da discussão do Orçamento do Estado para 2016. Foram meses muito intensos, foram meses cheios, com mudanças visíveis na nossa cultura parlamentar, mas faço um balanço muito positivo.” Outra questão central na sua entrevista passou naturalmente pelo equilíbrio de género no exercício da atividade e cargos políticos em Portugal. O atual presidente do Parlamento deixou claro que gostaria que existisse um maior equilíbrio de representação entre homens e mulheres na Assembleia da República, reforçando, no entanto, que a situação no nosso país tem evoluído e que essa evolução representa uma tendência irreversível para uma participação cada vez maior das mulheres, não só na AR, mas em todas as áreas, apesar de reconhecer que faltam mulheres em cargos de liderança no próprio aparelho de Estado: “não apenas no aparelho de Estado, mas também nas grandes empresas cotadas, na administração das universidades, etc. Ainda assim, há exemplos importantes que podem servir de estímulo para que haja mais mulheres na linha da frente da vida política. A minha antecessora era uma mulher, Assunção Esteves; Maria de Belém foi presidente do PS; a líder do CDS é uma mulher, Assunção Cristas; Ana Catarina Mendes é secretária-geral adjunta do PS; o PSD também já teve uma mulher a liderar o partido, Manuela Ferreira Leite. Há muitas mulheres ministras e secretárias de Estado. O caminho é este, é um bom caminho, no sentido de uma democracia mais representativa e paritária”. Já quanto ao número de deputados, para Ferro Rodrigues, a situação em Portugal está enquadrada na média dos parlamentos europeus em matéria de rácio deputado por eleitor, chamando a atenção para o facto de termos uma virtualidade que nos obriga a ter cuidado quando discutimos questões que, muito facilmente, resvalam para o populismo: a pluralidade da representação partidária na Assembleia da República é um bem em si. E fechou com um olhar sobre o futuro: “Daqui a 10 anos já teremos ultrapassado os 50 anos do 25 de Abril. Espero que tenhamos um país mais próximo dos nossos sonhos: um país mais justo e solidário, a crescer e a criar empregos, com oportunidades de realização e mobilidade social para todos. E um país respeitado e com uma palavra a dizer, na Europa e no mundo.”
FERNANDO ARAÚJO
O SNS é a grande conquista do Estado Social
Licenciado em Medicina e com uma pós-graduação em Gestão, Fernando Araújo, o atual secretário de Estado Adjunto e da Saúde, traça na sua entrevista um diagnóstico muito preciso de um Sistema Nacional de Saúde que enfrenta diversos desafios estruturais, como o envelhecimento da população, a diminuição da taxa de natalidade ou o crescimento do número de utentes com doenças crónicas, a que devemos dar resposta e onde o acesso aos cuidados de saúde tem de ser garantido a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social, com equidade a nível nacional. É nesta assunção que, segundo as suas palavras, se enquadram as prioridades do Governo para o setor, nomeadamente recuperar o desempenho do SNS, relançando a reforma dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados integrados a idosos e a cidadãos em situação de dependência, mas, ao mesmo tempo, concretizando uma reforma hospitalar profunda, a par de um amplo programa de reforço da intervenção na saúde pública. Fernando Araújo não deixou de relembrar que o contexto de ajustamento económico e financeiro vivido nos últimos anos teve um impacto real na vida dos cidadãos portugueses e que a Saúde viveu um período de desinvestimento, com barreiras ao acesso, profissionais desmotivados e redução da sua capacidade de resposta, mas o fundamental agora é olhar para o futuro: “Para termos um SNS mais eficiente é fundamental ter uma maior capacidade para responder melhor e mais depressa às necessidades dos cidadãos, simplificando o acesso, aproveitando os meios e recursos de proximidade e ampliando a capacidade de resposta. Reduzir as ineficiências e redundâncias no sistema, introduzir medidas de transparência a todos os níveis. Neste domínio, a divulgação da informação do desempenho no Portal do SNS constituirá um importante impulso para a mudança.” Questão sempre incontornável é também a dos profissionais de saúde, nomeadamente os médicos, mas para o secretário de Estado o problema não se centra no maior ou menor número de profissionais existentes: “Portugal apresenta, de acordo com os dados disponíveis da OCDE, um rácio de 3,8 médicos por cada mil habitantes. Este valor excede a média da OCDE que iguala 3,1 médicos por cada mil habitantes. No entanto, no SNS verificam-se assimetrias no acesso a cuidados de saúde especializados em determinadas regiões do país, designadamente no interior e em determinadas especialidades. Tal fenómeno, associado a uma concentração marcada de recursos médicos especializados nos grandes centros urbanos, evidencia a necessidade de uma melhor organização e planeamento do sistema. […] A falta de médicos da especialidade de Medicina Geral e Familiar é um problema com que nos deparamos. Em dezembro de 2015, existiam mais de um milhão de utentes sem médico de família atribuído. É intenção deste Governo, até ao final da legislatura, prosseguir o objetivo de garantir que todos os portugueses tenham uma equipa de família. É aposta do Governo a criação de novas Unidades de Saúde Familiar, a colocação de médicos aposentados e a agilização da colocação de especialistas recém-formados nas especialidades com maiores necessidades.” E o olhar de Fernando Araújo para o futuro é tranquilo na convicção e salvaguarda de que, para este Governo, o acesso de todos os cidadãos a cuidados de saúde de qualidade é uma prioridade, assim como a reposição do equilíbrio na partilha do financiamento entre as famílias e o Estado.
JOÃO PEDRO MATOS FERNANDES
A mobilidade elétrica vai dar um salto
Entrou para o Governo com uma pesada herança, nomeadamente reverter as reformas no setor das águas e nos transportes urbanos, reavaliação do Plano Nacional de Barragens, o cumprimento do Acordo de Paris e a problemática entre a Uber e os táxis. Por isso mesmo, a primeira e incontornável questão para o ministro do Ambiente passava pela análise dos seus primeiros meses de governação, mas o balanço de Matos Fernandes foi otimista: “Foram seis meses muito intensos, numa pasta muito vasta, em termos de temas, mas onde penso que ficou muito claro o nosso empenho na descarbonização da economia, da sociedade. Tive a sorte de logo no início do meu mandato ter começado a COP de Paris e, passadas duas semanas, ter sido assinado o Acordo de Paris. Não posso nunca desligar o início do meu mandato a este facto. Temos como objetivo reduzir os gases que provocam efeitos de estufa no nosso país, adaptando também o país àquilo que já são os efeitos em termos de alterações climáticas. O litoral português é a zona da Europa que mais sofre, já hoje, com as alterações climáticas, e por isso estamos a fazer um enfoque muito grande nas políticas de proteção da costa portuguesa. Em termos mais genéricos, gostaria de recordar que foram seis meses em que pusemos a mexer os fundos comunitários na área do Ambiente.” Já quanto ao Plano Nacional de Barragens, o ministro destacou um conjunto de conclusões, deixando claro que é preciso perceber que a situação de hoje não é a mesma de há 10 anos atrás, dando por exemplo o caso do rio Tejo – que reduziu, nos últimos 10, 12 anos, mais de 20% do seu caudal –, ao mesmo tempo que avançaram bastante outras formas de produção de energia, onde a energia a partir da fonte solar é aquela que mais avançará em termos de produção: “Aquilo que nós sabíamos é que as barragens, que têm certamente vantagens do ponto de vista da produção de energias usando energia limpa, são causadoras de impactos ambientais locais com significado. Sabendo nós que estávamos em condições de cumprir as metas a que nos obrigámos para 2020, que é produzir 60% da energia elétrica a partir de fontes renováveis, conseguimos dessa forma poder anular a construção de duas barragens das quatro que foram avaliadas.” Sobre a mobilidade elétrica, que Matos Fernandes definiu como “uma das bandeiras” do seu Governo, ficou claro o lamento sobre o tempo já perdido neste dossier. Para o ministro do Ambiente, se se tivesse continuado aquilo que veio do último Governo socialista, estaríamos provavelmente hoje numa situação invejável, mas perdemo-la e já não a recuperaremos do ponto de vista tecnológico, mas, mesmo assim, a visão do futuro é otimista: “A mobilidade elétrica vai dar um salto muito grande, e o papel do Estado é importante, nomeadamente através da criação de uma infraestrutura de carregamento e da criação de benefícios fiscais. Mas aqui a indústria vai ter um papel nuclear e estou profundamente convencido de que, daqui a cinco ou dez anos, os veículos elétricos serão já uma fatia muito grande do mercado no nosso país e pela Europa fora.” Quanto à Uber, é caso encerrado nas suas palavras, ao afirmar que é fundamental sermos capazes de olhar para a regulamentação existente, reconhecer a importância que os táxis têm na mobilidade urbana e criar condições justas para que novos operadores possam aceder ao mercado.
ASSUNÇÃO CRISTAS
O líder do CDS é um candidato a primeiro-ministro
Na sua entrevista à FRONTLINE, a nova líder do CDS foi muito assertiva quanto ao rumo que pretende para o seu partido, num misto de desejo e preocupação face ao crescente populismo que vem emergindo por essa Europa fora, definindo-o como um partido que vai ao encontro daquilo que é a preocupação quotidiana das pessoas: “As pessoas compreendem mal e estão muito distantes do discurso excessivamente técnico, economicista, muito financeiro, e esse é um trabalho que tem sempre de ser feito. Nesta primeira fase a nossa prioridade foram as pessoas e os seus problemas quotidianos. Lá iremos à parte das empresas, a seguir, e a outros aspetos. Queremos estar presentes naquilo que achamos que um Governo e um Estado podem ajudar a resolver.” Na sua liderança definiu, no imediato, três temas centrais de ação política, a saber, a natalidade e o apoio à família, a proteção aos idosos e o envelhecimento ativo e, por último, as questões da saúde: “Apostamos em temas concretos do quotidiano das pessoas, é esta a abordagem que me interessa. A nossa abordagem tem raízes doutrinárias e o CDS é, essencialmente, um partido de matriz democrática cristã e, com certeza, com linhas mais conservadoras ou mais liberais. As pessoas estão no centro da nossa política, o que nos inspira é uma lógica muito humanista e personalista.” Quanto ao atual elenco governativo, as críticas também não foram poupadas no que considera ser um balanço muito negativo dos primeiros seis meses de governação socialista. Nas suas palavras, este é um Governo que está a desiludir todos aqueles que acreditaram que era o fim da austeridade, todos aqueles que esperavam condições para, por exemplo, investir e criar emprego, quando se sabe que o investimento é o elemento mais negativo que se reflete neste país e que mostra bem a falta de confiança. Quanto ao futuro, a resposta a se António Costa conseguirá cumprir o seu mandato, Assunção Cristas coloca-a nas mãos dos portugueses, mas com a convicção expressa de que o Governo está a falhar os seus objetivos. Quanto aos seus parceiros, saiu reforçada a ideia de que CDS e PSD têm um objetivo comum, que é ser a alternativa a um Governo de esquerda do Partido Socialista, apoiado nas esquerdas radicais, mas a ideia de uma coligação eleitoral parece afastada para já: “Com certeza que o líder do CDS é um candidato a primeiro-ministro. É evidente que, olhando para o nosso histórico e para a percentagem que nós temos, ainda não chegámos lá, mas eu acho que não podemos perder a esperança de um dia ver um líder do CDS a liderar o país também.” E tema que sempre foi grato ao CDS, o da reforma da Segurança Social, não pôde escapar à entrevista a Assunção Cristas. Para a líder centrista é hoje evidente que, com o modelo atual e da forma como foi revisto, em 2007, por Vieira da Silva, de facto pode não faltar dinheiro para a Segurança Social, haverá dinheiro para pagar pensões, mas elas serão cada vez mais pequenas. E concluiu o seu raciocínio: “o problema é o modelo atual não pagar pensões de acordo com as expectativas das pessoas. Sabemos que a questão demográfica é o que está na base de tudo isto, quando vivemos mais tempo do que o que vivíamos antigamente, obviamente que se cria uma questão de como é que vamos financiar, durante tanto tempo, as pessoas”.
CARLOS MINEIRO AIRES
Os engenheiros são a alavanca da economia
Questão central na entrevista da FRONTLINE ao atual bastonário da Ordem dos Engenheiros foi precisamente a da formação académica destes profissionais, muito por força da adoção do processo de Bolonha. Para o bastonário, há, desde logo, que clarificar uma ideia central, que é a da excelência do ensino que se pratica em Portugal: “o ensino da Engenharia no nosso país é excelente, ao contrário do que muitas pessoas querem fazer crer. Acho que temos escolas de excelência, curiosamente algumas delas desconhecidas – refiro-me a politécnicos –, que ensinam áreas diferentes das restantes e com grande qualidade. No que respeita ao ensino da Engenharia, não devemos ter grandes preocupações. Aliás, vejo com preocupação algumas opiniões que sugerem que se deve ajustar o ensino à procura. Se um país decide desinvestir na Educação, então algo não estará bem. Haverá áreas em que se poderá pensar assim, mas, na área da Engenharia, desinvestir na educação e na formação do engenheiro é completamente absurdo e impensável. Os engenheiros são a alavanca da economia, são quem alimenta a economia”.
E o bastonário foi ainda mais longe ao reconhecer que formamos não só bons engenheiros para trabalhar no país, como todos aqueles que optam por uma carreira no estrangeiro são reconhecidos e levam uma boa imagem do país, ajudando a criar o bom nome de Portugal no exterior. Quanto aos objetivos do seu mandato, Mineiro Aires sintetizou as suas ideias com base numa ideia central, a de terem um vasto programa eleitoral, bastante ambicioso, mas focado basicamente na profissão: “a questão da internacionalização não é, necessariamente, uma fatalidade, até pode ser um ponto forte, mas necessitamos estabelecer uma rede de ligação e uma rede de intercomunicação com os nossos membros que estão lá fora, para criar presença, isto por um lado. Por outro, aumentar a participação dos jovens e dos nossos membros. Devemos ainda aumentar a exposição da Ordem dos Engenheiros e a visibilidade da mesma perante a sociedade, mas para isso precisamos que o poder político reconheça a importância que os engenheiros têm e que podem ter. Queremos estar ao lado do poder político, queremos ajudar os políticos a decidir melhor, mas também esperamos que nos tratem com o respeito que ultimamente não tem existido, em alguns aspetos”. E quando confrontado com a questão de se a OE deve ter como papel acordar a sociedade para os problemas existentes a nível de infraestruturas e outras questões estruturais ou, pelo contrário, deve apenas preocupar-se com a profissão de engenheiro, o bastonário também não se deixou intimidar, centrando as suas palavras numa espécie de aviso à navegação: “A OE tem um papel de responsabilidade na sociedade, elevadíssimo. Temos de ser interventivos, temos como obrigação – uma vez que somos engenheiros e técnicos especialistas em determinados assuntos – de alertar e intervir. E eu recordo que, se por vezes nos dessem ouvidos, não aconteciam situações que têm acontecido. Portanto, é bom que, a montante, a Ordem possa ser mais ouvida de modo a evitar muitos problemas. A Ordem gosta de aconselhar e de ser informada sobre o que se está a passar, isto porque os engenheiros têm uma formação muito distinta do resto da sociedade, estamos muito despertos para aquilo que é o risco, para aquilo que pode pôr em perigo os nossos concidadãos e para as necessidades que persistem, em termos de obras públicas, vigilância, conservação ou manutenção.”
MIGUEL FRASQUILHO
O ano de 2017 será um ano desafiante
Em entrevista à FRONTLINE, Miguel Frasquilho, presidente da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), traçou o atual estado da economia portuguesa, tendo em conta o contexto europeu e mundial. Nas suas palavras, “em resultado do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido ao nível da correção dos equilíbrios estruturais da economia nacional (contas públicas e contas externas) e das reformas estruturais implementadas e de outras em curso em diversas áreas, a economia nacional tem um enquadramento mais favorável e é hoje percecionada como sendo mais competitiva”. O papel estratégico da AICEP em termos de promoção da exportação, de captação de investimento e de internacionalização é, para Miguel Frasquilho, muito claro na forma como sintetizou as suas ideias: “A exportação e internacionalização, por um lado, e o investimento, por outro, estão no ADN da AICEP. Dar todo o apoio às empresas e investidores é a nossa missão e, para uma pequena economia como a portuguesa, as exportações e o investimento são motores fundamentais para a obtenção de um crescimento sustentável. Embora a AICEP não exporte nem invista – são as empresas e os empresários que o fazem – a Agência é um pilar fundamental na estratégia de desenvolvimento do país e tem tido um papel muito ativo na ajuda e no apoio às empresas nacionais nos seus processos de internacionalização e na retenção e captação de investimento nacional e estrangeiro para Portugal.” Já em matéria de promoção da imagem de Portugal e das suas marcas no exterior, o presidente da AICEP começou por destacar um quadro caracterizado por termos hoje uma oferta de empresas, produtos e serviços de altíssima qualidade: engenharia, educação, formação, consultoria, agroalimentar, pesca, turismo, calçado, têxteis, moldes, automóvel, enfim, vários são os setores de atividade onde as empresas portuguesas têm dado cartas com os seus produtos e serviços, cada vez mais inovadores e de maior valor acrescentado, ganhando quota de mercado nos mercados tradicionais e conseguindo penetrar em novos mercados, fora da União Europeia, emergentes e de rápido crescimento. Este é, na sua opinião, o maior contributo que tornou o made in Portugal um ativo reconhecido internacionalmente e, muito importante, que acrescenta valor, uma situação que há alguns anos não se verificava. Quanto ao futuro, para Miguel Frasquilho e considerando as áreas de atuação da AICEP, 2017 será um ano desafiante confirmando-se duas condições essenciais, ou seja, uma previsível nova redução do défice público (para menos de 2% do PIB) e um crescimento entre 1 e 2% da economia nacional: “acredito que as exportações e o investimento acelerarão. Nestas áreas, 2017 será mais um ano exigente e de muito trabalho. Em virtude do objetivo delineado de diversificar mercados, proporcionando novas oportunidades às empresas nacionais e em resultado da quebra registada em alguns mercados onde Portugal nos últimos anos teve crescimentos assinaláveis nas exportações, como é o caso de Angola, onde a queda do preço de petróleo afetou naturalmente a manutenção dos níveis de exportação que se vinham verificando, tem havido um esforço muito grande de ampliação da rede externa (por exemplo, São Francisco, Seul, Riade, Zurique, Teerão, Havana, Díli, Bissau, São Tomé) que, certamente, dará frutos ainda mais visíveis no próximo ano”.
EDUARDO CABRITA
Devemos apreciar a normalidade democrática
Apesar do seu sólido currículo político, Eduardo Cabrita, o atual ministro adjunto de António Costa revelou na sua entrevista à FRONTLINE que esta está a ser uma experiência fascinante “pelo quadro exigente em que este Governo exerce funções”, num quadro político que classifica de original. Nas suas palavras, a experiência de um Governo do PS com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes é algo “totalmente inovador e uma grande surpresa para aqueles que não acreditavam na solução, pois ela funciona”. E, em jeito de balanço de quase um ano de governação, o ministro vai mais longe: “Eu estive no segundo Governo de Guterres e no primeiro Governo de Sócrates, portanto, sou um dos poucos desta geração política que trabalhou com os três primeiros-ministros socialistas. Direi que esta experiência é totalmente diferente, quer pelas características muito especiais do primeiro-ministro, quer também, no plano pessoal, pelo tipo de funções que desempenho, mas também pelo quadro político. […] A maior surpresa, para aqueles que não acreditavam na solução, é ela funcionar; para aqueles que defendiam a solução, é ela funcionar tão bem. Estamos num segundo orçamento e, embora possa haver alterações na especialidade, não há nenhuma dúvida de que este Orçamento do Estado será aprovado.” Neste contexto, outra questão que também mereceu a sua atenção subordinou-se ao tema das relações com o PCP e o Bloco de Esquerda, com Eduardo Cabrita a reforçar que a solução política encontrada representa um sinal de maturidade da democracia portuguesa e, independentemente de durar a legislatura toda ou de ter continuidade para próximas legislaturas, representar em si um ponto de viragem que não tem retrocesso, “com o encerrar de vez daquela ideia, politicamente xenófoba, do ato de governação, que significava que havia uns partidos e uns votos que valiam mais do que outros, porque uns valiam para governar e outros só valiam para protestar”, concluiu. O poder local foi também tema central na sua entrevista. Para Eduardo Cabrita, a realidade de hoje é felizmente bem diferente daquela que tínhamos há 40 anos e, embora reconhecendo que ainda temos problemas complicados pela frente mas que têm a ver com o patamar de problemas dos países desenvolvidos, nomeadamente o acesso à cultura, à educação, às infraestruturas de mobilidade, que mudaram muito, centra a tónica do seu discurso na necessidade inadiável do processo de regionalização: “Hoje estamos à beira de uma fase diferente e a descentralização é isso, ter um voto de confiança para que, a nível local, possam ser tomadas decisões. Uma das prioridades deste Governo foi também eliminar a crispação que houve, nesta área, nos últimos quatro anos, criando uma relação de confiança com os municípios e com as freguesias. Tentámos reatar uma relação de confiança, e a partir daí queremos fazer um caminho de descentralização. O que significa que desde coisas mais clássicas, como a gestão das escolas, até a algumas mais inovadoras, como os apoios sociais a pessoas em situação de pobreza ou em fragilidade social por qualquer razão, até à gestão das praias ou das zonas ribeirinhas, devem ser geridas numa dimensão local e com a participação das populações.” Quanto ao futuro, os recados ficaram para PSD e CDS, e uma ideia ficou muito clara na sua afirmação de que seria desejável que existisse uma oposição qualificada e construtiva: “devemos todos apreciar a normalidade democrática que se vive em Portugal, a paz social e o clima de diálogo social, que são valores fundamentais para construir com esperança o futuro”.
CARLOS CARREIRAS
Apelo à missão
Sá-carneirista convicto, desde muito cedo que Carlos Carreiras abraçou a militância política no PSD. Hoje, à frente dos destinos da Câmara Municipal de Cascais, recorda esses tempos como determinantes no seu percurso de vida: “Existe um apelo de missão desde muito novo, de dedicação a causas, de militante de causas, e encontrei no PSD todo aquele entusiasmo, todo aquele empolgamento que se viveu. O meu pai tinha já um passado de contestação ao anterior regime, já éramos uma família mais ou menos politizada e foi uma consequência natural.” Mas embora essa “consequência natural” sempre a quisesse ter exercido fugindo a funções executivas – sempre na lógica de uma participação de natureza cívica, de cidadania, embora partidária, mas não executiva –, como gosta de reafirmar, a verdade é que o destino lhe ditou outros caminhos. E um desses caminhos foi precisamente o do exercício de funções autárquicas. Quanto a Cascais, o balanço do seu primeiro mandato é verdadeiramente, nas suas palavras, positivo: “O balanço que tenho de fazer é sempre positivo, eu não sei estar sem que sinta que estou a fazer alguma diferença positiva, e nessa perspetiva, ainda tenho muitos outros projetos e objetivos a atingir que ainda não consegui. Mas o que já está feito, fi-lo de forma muito positiva.” E, neste sentido, prestou-se a clarificar algumas ideias que nortearam a sua ação: “Hoje estamos a viver um momento único de grandes restrições e ao mesmo tempo de grande apelo do ponto de vista social, e temos tido a capacidade de ter a criatividade suficiente para chegar a todos. Por isso conseguimos manter a coesão social dentro do concelho, em níveis muito aceitáveis, obviamente através de todo um conjunto de parceiros e de toda uma rede de instituições que trabalham em conjunto com a Câmara. Outra situação é a de estar a ultrapassar obstáculos que se arrastavam há mais de 20, 30, 40 anos, e foi preciso ter muita determinação para os enfrentar e para os conseguir ultrapassar.” Para Carlos Carreiras, outra questão incontornável no que diz respeito ao seu mandato é a do Orçamento Participativo da Câmara de Cascais, até hoje o orçamento mais votado e mais participado de toda a Europa. Para o autarca, tudo isto é mais importante quando hoje é reconhecido que não há nenhum modelo de desenvolvimento que não tenha por base a existência de laços reforçados de confiança, e sabemos que hoje, em especial nas sociedades ocidentais, estamos com níveis de confiança baixíssimos, nomeadamente entre o cidadão comum e o cidadão político. E concluiu o seu raciocínio: “No ano passado atingimos esse primeiro lugar na participação dos cidadãos, de Cascais, com 55 mil votos, e este ano vamos apresentar valores de 58 mil votos. Ora, 58 mil votos são mais do que aqueles que todos os partidos que estão representados na Câmara tiveram nas últimas eleições. Ou seja, houve mais cidadãos a eleger projetos no Orçamento Participativo do que a eleger vereadores para gerirem a Câmara Municipal de Cascais.” Por último, espaço ainda na entrevista para uma análise à ação do Governo socialista de António Costa. Para Carlos Carreiras, a prudência sempre foi tónica mestra no seu discurso: “A verdade é que António Costa se tem mostrado muito habilidoso, a começar pela forma como chegou a primeiro-ministro. Estamos agora no primeiro ano desta solução governativa e eu sou dos que defendo – mesmo não gostando – que as estruturas devem ser completas, portanto, não podemos andar, permanentemente, a alterar e a mudar de Governo. Contudo, acho que vai ficar evidente – ainda não está, mas acho que vai ficar – que essa habilidade é negativa para o país.”
CARLOS MARTINS
Temos que apostar na informação ambiental
Antes de falar de falhas preferiu falar da trajetória de grande sucesso de Portugal nas grandes áreas ambientais, como na área dos resíduos, no setor da água ou na dimensão dos recursos hídricos. Carlos Martins, secretário de Estado do Ambiente, revelou-se um otimista quando reconhece que somos um país que tem um modelo organizacional bastante interessante, mas que é preciso olhar para o futuro, para uma necessária mudança de paradigma: “Nas energias renováveis somos reconhecidos, a nível europeu e mundial, como um país que tem vindo a fazer uma trajetória de muito bom alinhamento com as preocupações nas alterações climáticas. Eu diria que entre os desafios que se colocam para o futuro está, sobretudo, uma maior articulação de políticas que têm que ver com questões transversais, nomeadamente a mobilidade, o ambiente urbano, as atividades industriais, a descontaminação dos solos, que são áreas que obrigam a uma intervenção de múltiplos setores da nossa sociedade e que têm um caminho ainda a percorrer no sentido de se articularem melhor. A questão central passa, em larga medida, por uma mudança de paradigma, que para ter sucesso tem de envolver melhor os cidadãos e tem de levar a uma mudança de comportamentos futuros.” Quanto ao exigido balanço dos primeiros meses de governação, vários temas surgem com a chancela de sucesso, nomeadamente o Acordo de Paris; a articulação que houve com os municípios para a configuração dos sistemas multimunicipais do grupo Águas de Portugal, que mereceu um alargado consenso; a revisão do Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, que considera como uma oportunidade para se iniciar uma questão fundamental, a da diminuição de barragens que já atingiram a sua vida útil e consequente reconfiguração do contínuo fluvial. E, nesta lógica, o secretário de Estado do Ambiente frisou igualmente o que se pode esperar da sua ação já para 2017: “vamos continuar a estar muito centrados na reorganização do setor dos serviços públicos de água e saneamento, na resolução de estrangulamentos da política de resíduos, na requalificação da rede de monitorização da qualidade do ar, que apresenta muitas insuficiências e na qual vamos investir durante este ano uma verba substantiva”. E concluiu com uma ressalva, a da aposta na informação ambiental, uma área muito significativa na desejável alteração do paradigma ambiental e o comportamento dos cidadãos nesse domínio. Almaraz não podia fugir ao diálogo e, para Carlos Martins, é assumido que Espanha ignorou os evidentes impactos e riscos transfronteiriços, ignorando igualmente o Governo e a população de Portugal: “Fica evidente que não foram ponderados devidamente aqueles que são os instrumentos de avaliação de impacto ambiental que são postos em prática em projetos desta natureza e, portanto, essa reciprocidade de atenção, dos dois países, deveria ter sido gerida de uma forma mais bem articulada, pelas autoridades do país vizinho.” Outra das prioridades que passa pela sua alçada é a do compromisso do Governo de, em 2018, ter concluída a segunda fase da rede piloto de mobilidade elétrica. Também neste domínio, o secretário de Estado do Ambiente revelou convicções firmes, assim como na certeza de que os 1604 postos de carregamento normal para carros elétricos na via pública, mais os 50 de carregamento rápido também previstos, estarão ativos durante o próximo ano.
VIEIRA DA SILVA
A grande dificuldade é encontrar as prioridades
Homem reconhecido pelas suas capacidades políticas, voltou ao ministério que tinha ocupado entre 2005 e 2009 e onde realizou uma das mais importantes reformas estruturais feitas em Portugal. José António Vieira da Silva, atual ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, começou a sua entrevista à FRONTLINE com o natural balanço do mandato já decorrido. Para o ministro, o balanço é, para já, muito positivo, atendendo a que parte dos objetivos que o Governo tinha fixado para o primeiro ano de trabalho foram atingidos e frisando também que na área do emprego, do trabalho e da segurança social tem-se vindo a melhorar sistematicamente, e de forma consistente, a situação do mercado de trabalho – um objetivo fundamental do seu Governo: “Sem uma recuperação sustentada a nível do emprego, será sempre muito mais difícil voltarmos ao caminho do progresso e do desenvolvimento. Do lado da segurança social, destaca-se um conjunto de compromissos políticos que foram assumidos no domínio da recuperação dos rendimentos, da melhoria das prestações sociais, da melhoria da situação financeira da Segurança Social, e, felizmente, chegámos ao final de 2016 com esses objetivos genericamente atingidos. Temos uma taxa de desemprego mais baixa, uma situação mais equilibrada na Segurança Social, melhorámos uma boa parte das prestações sociais e o balanço é, globalmente, positivo.” Questão incontornável foi naturalmente a do tão falado risco de colapso da Segurança Social. Para o ministro, é importante notar que a Segurança Social é uma realidade que, por vezes, é discutida de uma forma excessivamente ligeira, porque se olha para ela esquecendo que é fortemente tributária de realidades que a envolvem. E levanta a questão de uma forma simples: “Ela depende, fortemente, da situação económica, também da situação social – do ponto de vista das necessidades –, mas não é possível termos uma Segurança Social duradouramente sustentável numa economia frágil. Existem dimensões que são estruturais, e nós temos vindo a aprofundar aspetos negativos da nossa democracia, como a natalidade, que começa agora a recuperar. De referir que a natalidade caiu mais de 15% em dois ou três anos, que é um dado que encontra poucos paralelos na História.” Neste contexto, existe ou não necessidade de uma reforma da Segurança Social? Para Vieira da Silva também aqui a resposta é inequívoca ao afirmar que Portugal não tem condições para fazer uma grande reforma, que mude a natureza do modelo, porque isso tem custos extremamente pesados e tem níveis de incerteza muito grandes. Assunto que também não passou esquecido foi o da atual solução governativa e, confrontado com a avaliação dos parceiros de coligação, o ministro optou por colocar a resposta na mão dos portugueses ao referir que tem vindo a crescer o número de portugueses que reconhecem que este equilíbrio parlamentar tem vindo a surpreender positivamente, porque trouxe um patamar de estabilidade e de recuperação da confiança que muitos julgavam que não era possível acontecer. E quanto a desafios para 2017, a resposta à entrevista foi clara: “O primeiro grande desafio que temos é o de continuar uma política de melhoria do mercado de trabalho, de reequilíbrio da Segurança Social. Por outro lado, temos também alguns dossiers que são, para nós, mais críticos, como a questão das reformas antecipadas. Há também a questão da revisão do regime contributivo dos trabalhadores independentes ou o lançamento da nova prestação social para a inclusão, para as pessoas com deficiência. Outro dos nossos grandes desafios é o de encontrar formas de chegar às pessoas, isto porque este ministério perdeu muitos trabalhadores, nos últimos anos.”