Em debate Portugal 2030

O “Acordo de Paris – Desafio às Políticas Ambientais” foi o tema central de mais um debate do ciclo Portugal 2030, promovido pela revista FRONTLINE, uma reflexão que reuniu o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, e o coordenador do Lisbon International Center for Water do LNEC, Jaime Melo Baptista. A conferência teve lugar no passado dia 22 de Novembro, no Hotel Epic Sana, em Lisboa. 

 

Coube ao secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, a primeira intervenção no debate subordinado ao tema “Acordo de Paris – Desafio às Políticas Ambientais”, que reuniu várias dezenas de especialistas entre os convidados que assistiram à conferência. 

Carlos Martins centrou a sua intervenção no Acordo de Paris, assumido como um compromisso global para lidar com um problema que coloca em risco vastas zonas do nosso planeta, e também numa análise sobre a situação em Portugal, destacando que está anunciada, já para dezembro, a apresentação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que traduz o objetivo assumido pelo Governo português na COP22, [Conferência do Clima, em 2016], em Marraquexe, de atingir a neutralidade carbónica em 2050. O Acordo de Paris foi um compromisso assumido em 2015, na Conferência das Partes – COP21, por 195 países, que no seu objetivo central visa limitar o aumento da temperatura a um máximo de 1,5º celsius, acima da registada no período pré- industrial. Para tal objetivo teremos de promover medidas de mitigação que visem limitar e reduzir as emissões de gases com efeitos nas alterações climáticas. E porque os efeitos já provocados dificilmente terão regressão, teremos de promover medidas de adaptação para preparar os territórios para novos eventos meteorológicos extremos, subida do nível do mar e efeitos na produção agrícola, biodiversidade, entre outros. Tal objetivo implica mudanças no paradigma de desenvolvimento, criando a necessidade de um modelo de apoios financeiros entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento (mais pobres), em moldes a acertar, para compensar as emissões. As recentes declarações e posicionamentos na nova Administração dos Estados Unidos da América, em matéria do Acordo de Paris, deixam preocupação, por traduzirem uma mudança negativa, passando a China a assumir um importante papel, entre as economias responsáveis pelas maiores quantidades de emissões. Importa, apesar de tudo, ter uma leitura mais positiva, pois as empresas americanas, sobretudo as que atuam em ambiente global, vão continuar comprometidas com os valores ambientais, sendo isso, de facto, o que conta para as mudanças. 

Portugal no contexto ambiental 

Os desafios decorrentes do Acordo de Paris aplicam-se a todos nós. O nosso modelo de produção e consumo conduzirá a alterações climáticas com proporções drásticas, e importa dar nota de que os cenários, na generalidade dos casos, colocam a península Ibérica numa situação de elevada vulnerabilidade aos efeitos das alterações climáticas. Os efeitos mais previsíveis traduzem-se em ondas de calor mais frequentes e com temperaturas extremas, maior risco de secas extremas, cheias também mais drásticas e frequentes, num quadro geral de fenómenos meteorológicos extremos. Antecipam-se algumas consequências diretas, como perdas agrícolas, subida do nível do mar provocando riscos no litoral, maior risco para ocorrência de incêndios. Portugal contribui com cerca de 1% para as emissões a nível global e podemos destacar como principais fontes de emissão de CO2 três setores: produção de energia com combustíveis fósseis; transportes a combustíveis fósseis; habitação – com baixa eficiência energética, com incorporação de matérias-primas e materiais que incorporam muita energia na fabricação e desperdício alimentar que chega a representar cerca de 30%. O secretário de Estado refere, de forma sumária, as medidas e ações que estão a ser promovidas pelo Governo, para responder aos três principais setores críticos: Na área de produção de energia, Portugal tem um mix energético, que assegura uma das melhores flexibilidades no conjunto dos países europeus, mas estão em curso investimentos para aumentar de forma significativa a energia solar, potenciando as nossas condições naturais; o aumento da produção hídrica, com a conclusão do Plano das Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico; a otimização da energia eólica nas horas de vazio, num ciclo combinado com a energia hidroelétrica e com a penetração de frotas elétricas com carregamento noturno.Na área dos transportes, existem medidas em curso para alargar a oferta e o uso de transportes públicos, de que a redução do custo dos passes sociais é um contributo objetivo, mas também o alargamento da rede do metro, da plataforma de estações, com mais duas novas estações, permitindo uma linha circular que distribuirá melhor a mobilidade com futuras expansões; a modernização das frotas da CARRIS e STCP, com mais de 500 veículos elétricos e a gás natural; a aquisição de 10 novas embarcações para a TRANSTEJO, também a gás natural, e o apoio, a empresas e particulares, para aquisição de veículos elétricos. Na habitação importa destacar os programas para a eficiência energética em edifícios públicos e para apoio a particulares. O Plano de Ação para a Economia Circular alinha por fim este movimento de maior eficiência da nossa economia, com particular ênfase na mudança de paradigma que faça dos nossos resíduos as matérias-primas alternativas à economia do futuro. Na Economia Circular, o uso eficiente do recurso água é vital, porque a sua escassez é hoje uma realidade incontornável em Portugal. 

Jaime Melo Baptista e a perceção do setor da Água sobre as alterações climáticas 

Na sua intervenção, Melo Baptista, coordenador do Lisbon International Center for Water, centrou-se no tema da água, começando por analisar a problemática dos recursos hídricos e serviços de águas face às alterações climáticas e os principais desafios que se colocam para o setor da Água em seis eixos principais: O que fazer em termos de alterações climáticas? O que fazer em termos de recursos hídricos? O que fazer em termos de ecossistemas? O que fazer em termos de agricultura? O que fazer em termos de água urbana? O que fazer em termos de cidades? 

A título de análise, olhe-se, por exemplo, para o preconizado para o primeiro eixo, concretamente no que respeita às alterações climáticas:  

  • Conhecer melhor o efeito das alterações climáticas, com os impactos e intensidade nas diversas regiões (secas, cheias e erosão costeira).
  • Reforçar a recolha, o processamento e a divulgação de dados de alterações climáticas e melhorar a previsão, a prevenção e gestão de riscos para os serviços de águas.
  • Articular a política da água com outras políticas públicas (agricultura, energia, saúde e ordenamento do território).
  • Intensificar um conjunto de iniciativas de adaptação, especialmente importantes para as entidades gestoras.
  • Intensificar iniciativas de mitigação, através da redução de emissões do setor da água.

Para Melo Baptista, desta análise resulta claro que a resposta a todos estes problemas só pode ser encontrada no paradigma da Economia Circular, mais concretamente na importância da economia circular nas cidades, passando por três áreas distintas de intervenção: Economia circular em termos de “água”; Economia circular em termos de “materiais”; Economia circular em termos de “energia”, retirando as seguintes conclusões da sua análise:   

O atual sistema linearizado implica elevados custos de investimento (transporte), utiliza intensamente os recursos hídricos (a água é utilizada uma só vez), consome muita energia no transporte e tratamento e tem dificuldade em ser implementado faseadamente (originando capacidade ociosa). 

Atualmente existe tecnologia para tratar a água de origens alternativas, salgadas, salobras ou de menor qualidade, multiplicando origens de água mais próximas dos centros urbanos e reduzindo custos de transporte e distribuição. 

Existe também tecnologia para reutilizar águas residuais, em locais relativamente próximos da utilização, e produzir energia a partir das águas residuais, transformando os serviços de águas de grandes consumidores em produtores de energia. 

Os futuros sistemas, tendencialmente semicentralizados, de serviços de águas permitirão igualmente um serviço de qualidade, mas utilizarão menos recursos hídricos do que atualmente, utilizarão menos energia e permitirão a recuperação de materiais, como nutrientes. 

Estes sistemas podem ser implementados faseadamente, de acordo com as necessidades. 

O Programa Nacional de Investimentos PNI 2030 e a água 

O coordenador do Lisbon International Center for Water terminou a sua intervenção com uma análise aos serviços da água na estratégia do PNI 2030, alertando para um conjunto de situações, nomeadamente: 

  • Este PNI pretende para Portugal uma melhor gestão dos serviços de águas, vitais para o bem-estar dos cidadãos, a melhoria do meio ambiente e o crescimento económico.
  • O PNI traduz genericamente bem as necessidades em termos de infraestruturas.
  • Mas, para Portugal ter sucesso de longo prazo neste programa, tem que impulsionar a governança convictamente nestes setores, com uma abordagem multidisciplinar e integrada.
  • Estes setores não são um problema tecnológico, mas um problema de governança.
  • Portugal tem que inovar empregando e mobilizando todas as partes interessadas na coprodução de investigação.

E, neste contexto, deixou o alerta sobre o que pode ser considerado, numa lógica de melhoria, para o setor da água, com base numa estratégia apoiada em áreas tão distintas como Investigação e Inovação, Educação, Formação e Capacitação, Reflexão Estratégica, Apoio à Indústria e Startups, Disseminação e Envolvimento Social, assentes numa matriz com quatro premissas fundamentais: transmitir de forma mais efetiva aos decisores, nomeadamente a nível ministerial, parlamentar e de autoridades locais; interiorizar estes desafios pelos profissionais de água, de modo a passarem a integrar a sua atividade diária; incentivar o setor privado a promover o empreendedorismo e o desenvolvimento de novos produtos e serviços no setor da água e divulgar estes desafios pelos cidadãos e pela sociedade, que são os utilizadores finais.