“A NOSSA CULTURA GASTRONÓMICANÃO PODE MORRER”
Com 65 anos, António Coelho é hoje um dos empresários portugueses mais bem sucedidos em Macau. Empenhado em manter viva a cultura gastronómica portuguesa e em levar os saberes e sabores nacionais mais além, este bom gourmet brinda já os comensais com dois restaurants de topo. Apostando essencialmente nos produtos nacionais, António Coelho revela que continua a utilizar “o azeite, o sal, a manteiga, o louro, o molho de tomate, o vinagre, tudo português.” Não ponderando, pelo menos para já, regressar a Portugal, afirma que a sua vida em Macau é realmente uma “paixão”.
Como nasceu o seu gosto pela cozinha? É uma herança de família?
Este gosto pela cozinha nasceu de uma maneira muito interessante, isto porque durante muitos anos o meu hobby era cozinhar aos fins de semana para a família. A certa altura conheci o Almeida – um grande amigo que já faleceu. Ele gostava muito de ir ao Benfica e vinha almoçar comigo quando havia futebol. Como era um bom gourmet, estava sempre a desafiar-me para novos pratos. E foi assim que tudo começou. Isto da cozinha é um vírus, e mais tarde, por força das circunstâncias – eu já tinha saído do Ministério da Saúde – tivea sorte de trabalhar, durante cinco anos, com um homem que adorava comer bem e beber melhor. Com ele conheci os melhores restaurantes de Portugal e da Europa. Por isso aprendi a ser um bom gourmet.
Qual a sua experiência profissional até aqui?
Depois de algum tempo apareceu-me um amigo que tinha uma rede de restaurantes e convidou-me para ir trabalhar com ele. Aí o virus volta a atuar! Aceitei o convite para ir trabalhar para um dos seus restaurantes, como diretor de Comidas e Bebidas. Aquele vírus não me deixava e comecei a trabalhar com o chef de cozinha que lá estava. Comecei a fazer investigação, a deslocar-me a várias localidades do país, onde faziam bem este ou aquele produto, a ir lá aprender. Levava coisas de Lisboa e trocava informações sobre vários pratos tradicionais portugueses. Mais tarde comprei o Cota d’Armas, em Lisboa, em sociedade com outra pessoa – hoje é o Santo António de Alfama. Entretanto, fui convidado para diretor de Comidas e Bebidas do Grande Hotel da Curia, depois, para ir para Cabo Verde, para desempenhar as mesmas funções no Hotel Trópico, e cada vez mais a cozinha estava dentro de mim.
A que se deveu a ideia de trazer os sabores portugueses para Macau?
Quando me convidaram para vir para Macau, já trazia uma certa bagagem comigo sobre cozinha portuguesa, e foi o que tentei fazer aqui. Primeiro noutros restaurantes, por conta de outros, e depois nos meus próprios restaurantes.
Foi bem recebido?
O resultado económico está à vista. Em termos pessoais e profissionais, e sem me querer autoelogiar, as recomendações que nós temos da Michelin ou do Lonely Planet e todas as reportagens que têm sido feitas pelas mais diversas revistas internacionais, connosco e sobre o restaurante, são prova disso.Eu tento defender muito os produtos portugueses e 85% daqueles que uso são portugueses. De vez em quando aparecem fornecedores de produtos similares, italianos, espanhóis, que são mais baratos, e mesmo assim sou teimoso e continuo a comprar produtos portugueses.
Qual o prato tradicional português mais apreciado pelos macaenses?
Os macaenses têm uma cozinha própria, eu sou membro da Confraria da Cozinha Macaense. Têm sabores muito próprios, resultantes de uma mistura da laia chinesa e portuguesa. Agora, ninguém resiste – a não ser que seja alérgico a marisco – a um bom arroz de marisco malandrinho, nem a um bom arroz de polvo, e muito menos a um arroz de pato. Ninguém resiste – a não ser pessoas que não comam vaca – a um bom bife à portuguesa com carne vinda de Portugal. E depois, claro, temos todos os outros pratos que são tradicionais. Eu sou um tradicionalista
por natureza.
Sentiu necessidade de fazer algumas adaptações, em termos de paladares, dos nossos pratos?
Não, a única coisa que faço é cortar no sal, mas isso já se faz na Europa. Não uso nenhum produto chinês. Mas parece-me que em Portugal, na comida portuguesa, já se começa a utilizar produtos chineses, como o molho de soja. Aqui continuo a utilizar o bom azeite português, o sal, a manteiga, o louro, o molho de tomate, o vinagre, tudo português. Nas sobremesas tento que sejam menos doces, porque os asiáticos não gostam tanto de doce como nós. Mas as pessoas continuam a comer bons crepes Suzete, um bom bolo de chocolate, um bom leite-creme e uma boa mousse de chocolate, só com um pouco de açúcar a menos.
Todos os prémios que já recebeu são um incentivo para continuar a criar e a apresentar verdadeiras relíquias da gastronomia portuguesa, aqui em Macau?
Os prémios são muito bonitos, dão-nos status e reconhecimento, mas as minhas grandes medalhas são o reconhecimento dos clientes. Tenho clientes que vêm do Japão, da Malásia, de Singapura, de Taiwan. Quando eles voltam aqui, para mim, isso é que é importante.
Considera a marca António uma aposta ganha?
Em termos pessoais é, em termos económicos vamos devagar. Mudámos o nome para António Group Lda. e isto num grupo de investidores diz muito. Temos já vinhos e água portugueses, incluindo vinho do Porto, com a marca António, o que revela que esta foi realmente uma aposta ganha. Agora não podemos é baixar os braços, porque quando uma marca tem o nome de uma pessoa é uma grande responsabilidade, obriga-nos a ter melhor staff, mais trabalho, mais controlo.
A que se deve a abertura do seu novo restaurante?
Não tínhamos espaço para responder a todas as solicitações.
Faz eventos para fora?
Sim, quando pagam o justo valor.
Qual é, aproximadamente, a sua faturação mensal?
É superior a um milhão, mas as despesas também aumentaram, temos muitas pessoas e os produtos encareceram. Em Macau, tudo o que é produtos alimentares encareceu. Mas ainda conseguimos manter vivo o nome da comida genuinamente portuguesa. A nossa cultura gastronómica não pode morrer, porque, se morre, acabamos com uma parte da cultura portuguesa.
Qual o segmento alvo? Quem frequenta os seus restaurantes?
É uma mistura em que 40% são chineses, 30% japoneses, 10% coreanos e 20% são turistas de várias nacionalidades.
Alguma vez ponderou regressar a Portugal?
Lembro-me do discurso de Durão Barroso a dizer que “Portugal estava de tanga”. Ora, como eu gosto de andar bem vestido, prefiro continuar em Macau.
Se tivesse que descrever a sua vida em Macau numa única palavra, o que diria?
Paixão.
Essa paixão ainda se vai manter durante muitos anos?
Enquanto eu tiver vida e saúde, sim.
O sucesso do António deve-se a si?
Não só. Primeiro houve um grupo de pessoas que acreditou em mim e que me trouxe para este novo projeto. O que nós temos é fruto do trabalho que desenvolvemos há mais de 16 anos em Macau.
É justo dizer que atrás de mim está uma boa equipa e uma ótima família. Tenho seis portugueses a trabalhar comigo, quatro na cozinha e dois na sala. Temos de continuar a ter paixão e amor à camisola.
Qual é o limite do António Group?
São 24 horas por dia, porque não há mais horas. Temos os restaurantes a funcionar 365 dias por ano, das 12h00 às 24h00. Em termos de inovações, vamos começar a apresentar um pequeno-almoço diferente, com doces portugueses, queijos, fiambre, presunto, chouriço, tudo português, pão feito cá e com bolos feitos por nós. Por outro lado, tentamos ter uma decoração 100% portuguesa, desde os azulejos aos talheres, até ao próprio equipamento de cozinha, que também veio de Portugal.