ESPECIAL ANIVERSÁRIO

OS ROSTOS DA FRONTLINE

Mais um ano cumprido, e mais nove personalidades marcantes da nossa vida política, económica e social deram rosto à FRONTLINE. São testemunhos de pessoas, cujas ideias, projetos e paixões assumiram, na conjuntura em que foram produzidos, determinados significados que hoje provavelmente já poderão ter outra leitura, mas cujo efeito não se diluirá no tempo. Aqui ficam, em síntese, traços e afirmações expressas por todos eles nas suas entrevistas à nossa revista. As entrevistas completas estão disponíveis em www.revistafrontline.com

Imagem1Luís Marques Guedes

O MANDATO MAIS DIFÍCIL DE 40 ANOS DE DEMOCRACIA

Foi a noção exata que tinha da situação do país que o levou a aceitar o cargo de secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Luís Marques Guedes relembra o retrato à altura de um Portugal que se encontrava numa situação dramática e que “teve de ir de mão estendida pedir ajuda aos nossos parceiros europeus, praticamente, para uma sobrevivência financeira que estava completamente posta em causa pela situação de pré-bancarrota”. E foi nesse caminho que, um ano e meio depois, assumiu com o mesmo empenho as funções de ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, para poder ter um conjunto mais alargado de responsabilidades, mas onde a noção de serviço continuou a ser a mesma. Pergunta anunciada e óbvia era a de que balanço fazia do seu mandato, e a resposta, elucidativa, foi a de um homem que assume que se voltasse atrás faria imensas coisas de maneira diferente, tanto na sua vida política, como profissional ou pessoal: “Não sou a pessoa mais adequada para falar sobre o meu desempenho e não gosto de o fazer. Sobre o balanço do exercício deste mandato por parte do Governo, posso dizer que este foi o mandato mais difícil que em 40 anos de democracia um governo constitucional alguma vez teve. A situação em que Portugal foi colocado em 2011 tornou o exercício da governação muitíssimo difícil e muito exigente. A necessidade de adoção de medidas que estavam pré-contratualizadas com a troika e com o Governo socialista anterior revelou-nos um programa duríssimo, de uma exigência enorme, que, do meu ponto de vista e do Governo, estava em alguns aspetos mal negociado”. E nas suas palavras concluiu sempre com os olhos postos no futuro, ao reiterar a ideia de que o seu Governo não foi eleito apenas para cumprir o programa de ajustamento, mas que ficou muitíssimo condicionado por esse fator. E o futuro lá coube novamente nas suas palavras: “A tarefa que temos pela frente é uma tarefa, no mínimo, para duas legislaturas: a primeira, fundamentalmente, foi cumprir o programa; agora já iniciámos uma nova fase, de crescimento, de recuperação da qualidade de vida e do poder de compra por parte dos portugueses, e esperamos poder prosseguir este rumo porque o nosso programa não era o programa da troika. O programa da troika foi negociado com o Governo anterior.” E que Portugal sobrou depois de tudo isto? Para Marques Guedes, um Portugal que terminou um período de emergência extraordinariamente exigente e, por isso, é um país de certa forma magoado, um país que passou por imensos sacrifícios, mas que hoje em dia tem um horizonte de esperança pela frente. Poderia ter sido outro caminho? Para o ministro não, mas fica também expressa a convicção de que, olhando a esta distância, teria havido espaço para outras opções: “no exercício deste mandato não lhe sei dizer onde tenha havido grandes erros, mas houve, com certeza, várias opções que foram tomadas – porque governar é escolher, é tomar opções, é decidir – que poderiam ter sido diferentes. Em pormenor não quero situar nenhuma. Acho que não houve um erro clamoroso”. E em ano de eleições, a crítica contundente também não escapou nas linhas da sua entrevista, principalmente em relação ao principal partido da oposição: “Era bom que o PS começasse a usar de uma responsabilidade diferente quando fala da situação do país. Era necessário, até para ganhar credibilidade junto dos portugueses, que o PS abandonasse o estado de negação, de dizer que tudo o que foi feito foi mal feito, quando é evidente que a maior parte daquilo que foi feito”, os resultados o demonstram, foi bem-sucedido.

Teresa CaeiroImagem1

FALTA ÀS MULHERES O ACESSO À LIDERANÇA

Considera-se uma mulher de causas que não desiste perante as adversidades. Teresa Caeiro, a vice-presidente do CDS-PP e da Assembleia da República, olha para o país com otimismo, para um Portugal pronto a ser relançado, que apresenta indicadores de crescimento e de confiança em todas as áreas: “Fomos capazes de recuperar a nossa soberania e a nossa credibilidade externa, o que é muito importante. Para além disto, prevê-se que tenhamos um crescimento económico de 1,6% e o desemprego está a descer.” E conclui o pensamento alertando para o conseguido na área da saúde: “Penso que este Governo e este ministro da Saúde conseguiram feitos extraordinários numa área tão delicada como a Saúde – é uma área onde há necessidades tendencialmente infinitas e recursos finitos, sobretudo no contexto em que nos encontrávamos, debaixo de um programa de resgate.” Aliás, o seu discurso na tónica da saúde não foi casuístico, pois muita da sua ação tem sido centrada nesta área e não escondeu aquilo que considera as suas conquistas, das quais destacou a violência doméstica, que é hoje um crime “estigmatizado pela população”; a inclusão no Plano Nacional de Vacinação da vacina contra o cancro do colo do útero; uma maior atenção para as doenças raras e, mais recentemente, a comparticipação do Estado, com 6 milhões de euros, na vacina PREVENAR, para apoiar as famílias mais necessitadas. Na política, o pensamento sintetiza-se em poucas linhas e sem margens de erro ou segundas interpretações: “Considero que o CDS continua a ser um partido humanista cristão e que as estruturas fundamentais que estiveram na génese da criação do partido estão a ter continuidade, nomeadamente a opção preferencial pelas pessoas mais vulneráveis. Este Governo, apesar da situação de enorme constrangimento financeiro e orçamental em que se encontrou, conseguiu arranjar forma de criar um programa de emergência social. E isso tem o cunho do CDS. Por outro lado, este é um partido que acredita numa fiscalidade moderada e que facilite a economia em vez de a prejudicar.” É neste quadro que expressa a sua convicção de que o Estado tem de criar condições para que o setor privado, as empresas, as famílias e a própria economia possam prosperar, sendo o CDS um partido que acredita profundamente que, criadas as condições para uma igualdade de oportunidades, o mérito, o esforço e o trabalho são fatores determinantes para o progresso e para o elevador social. E não deixa também cair em esquecimento a questão da responsabilidade intergeracional, onde cada geração tem responsabilidade quer em relação às gerações anteriores – tem obrigação de respeitar aquilo que herdou, de melhorar aquilo que de menos bom herdou –, quer em relação às gerações vindouras – de não as deixar com encargos que vão ser insuportáveis. Quanto ao papel das mulheres na sociedade portuguesa, acha que o que lhes falta hoje é o acesso aos cargos de liderança, sobretudo no setor privado. As mulheres já são maioritárias nas universidades, são, em média, melhores alunas e têm pleno acesso ao mercado de trabalho. No olhar para o futuro, pessoal e político dentro do seu partido, Teresa Caeiro opta pelo discurso simples: “Não sei se pretendo deixar uma marca diferente daquela que quero deixar como pessoa e como cidadã, porque eu acho que fazer política não é só através dos partidos. Gostava que se entendesse que dei o meu melhor e que não desisti perante as adversidades, mas não consigo fazer uma separação absoluta daquilo que eu sou como pessoa, daquilo que eu sou como CDS.”

Imagem1José Pedro Aguiar-Branco

CONSOLIDAR UMA NOVA VISÃO ESTRATÉGICA

Praticamente três anos e meio passados sobre o seu mandato, o ministro da Defesa fez, em entrevista à FRONTLINE, um balanço muito positivo do seu mandato: “fomos capazes de fazer alterações e reformas estruturais, para além da resposta que foi preciso dar às circunstâncias. Mesmo perante um cenário muito complicado como aquele que encontrou em 2011, o Governo foi capaz de conjugar o balanço entre a resposta à conjuntura e àquilo que era estrutural”. Neste sentido, apontou também o que esperava conseguir até ao fim do exercício de funções, nomeadamente no que respeita a consolidar uma nova visão estratégica para as indústrias de defesa, não deixando, no entanto, pistas sobre a sua disponibilidade para integrar ou não um novo Executivo. Sobre o balanço possível do seu mandato, acabou mesmo por ir mais longe, não disfarçando algum elogio nas suas palavras: “Faço um balanço muito positivo, porque fomos capazes de fazer alterações e reformas estruturais, para além da resposta que foi preciso dar às circunstâncias. Era um tempo muito difícil no que diz respeito a constrangimentos de natureza financeira e foi preciso responder aos desequilíbrios das contas públicas ao mesmo tempo que se continuava a ter uma capacidade operacional ao nível das Forças Armadas. Essa conjugação do balanço entre a resposta à conjuntura e àquilo que era estrutural permitiu-nos fazer uma reforma que foi a primeira reforma coerente na área da Defesa, em democracia, desde a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional à aprovação de estatutos dos militares e da Lei de Programação Militar. Ou seja, uma visão estratégica, a que se seguiu a estruturação da capacidade operacional para a cumprir. Por isso faço um balanço muito positivo e posso mesmo afirmar que existe uma alteração qualitativa muito grande entre aquilo que era o setor da Defesa Nacional em 2011 e o que é em 2015.” Retomando a questão da nova visão estratégica para as indústrias de defesa, para Aguiar-Branco é hoje claro que passámos a ser mais parceiros e menos concorrentes das indústrias de defesa, destacando a criação de uma plataforma para a promoção destas indústrias, quer privadas quer públicas, a idD (Plataforma das Indústrias de Defesa Nacionais), o que permitiu contribuir para uma maior capacidade exportadora, aumentar os contactos e as oportunidades das PME portuguesas que se movem nestas áreas. E relembrou o ministro: “Num setor que tem um volume de negócios de cerca de 1,7 mil milhões de euros e que movimenta cerca de 20 mil empregos, pretendemos ter, até ao final do mandato, na idD, um volume de negócios de 2 mil milhões de euros – já estarão atingidos, este ano, cerca de 100 milhões de euros de potencial novo no campo exportador. Gostaria de consolidar, até ao final do mandato, esta dimensão das indústrias de defesa, um paradigma novo, e com isso contribuir para a sustentabilidade da economia nacional.” Instado a comentar o inquérito realizado pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), que apontava que operacionalidade e condições de segurança tinham piorado nos últimos anos, o ministro da Defesa desvalorizou a questão, considerando que o inquérito carecia de representatividade, apesar de deixar claro que todas as opiniões que são proferidas em relação ao setor da Defesa Nacional e das Forças Armadas em particular são tidas em atenção. Já sobre o seu futuro político: “Quando houver eleições e os portugueses voltarem a exprimir a sua vontade, logo veremos. São fatores que dependem de tantas circunstâncias que eu não anteciparia uma resposta.” Palavra de ministro.

Imagem1João Pinho de Almeida

PRIORIDADE AO COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS

Elegeu como grande prioridade do seu mandato a eficiência do dispositivo de combate a incêndios florestais, a par de outras questões importantes, tais como a nova carta de condução por pontos e a elaboração da nova estratégia de segurança ou a efetivação do processo eleitoral das eleições legislativas. Na sua entrevista à FRONTLINE, João Pinho de Almeida, o então secretário de Estado da Administração Interna, centrou-se nas questões técnicas sobre sua responsabilidade, deixando a política à parte. Sobre a sua grande prioridade, com a própria Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) a garantir que nunca esteve tão bem preparada para o combate aos incêndios no verão, João Pinho de Almeida reforçou as medidas tomadas, sintetizando que o principal foi dotar a ANPC de um dispositivo que tivesse os meios necessários para responder às dificuldades que são previsíveis, e essas dificuldades são sempre previstas de acordo com os anos mais difíceis, mas ressalvando o que considerou um ponto muito importante: “Nós não preparámos este dispositivo com base no ano de 2014, que foi um ano com menos ocorrências e com menos área ardida – aliás, foi o ano com menos ocorrências e menos área ardida dos últimos 30 anos. Fizemo-lo em comparação com um ano difícil, como foi o de 2013, em que, aí sim, tivemos uma área ardida e um número de ocorrências muito superior e, portanto, a ideia foi a de maximizar o dispositivo e termos, dessa forma, um dispositivo que fosse, quer em quantidade, quer, principalmente, em qualidade, o mais bem preparado de sempre.” Já sobre a adoção do modelo da carta de condução por pontos, cuja previsão para entrar em vigor era apontada para junho de 2016, o secretário de Estado salientou que se trata de adotar um modelo muito semelhante ao que existe noutros países da Europa, designadamente em França e em Espanha, um modelo em que cada condutor, à partida, tem um número de pontos – o proposto são 12 – que, em função das infrações graves e muito graves que cometa, vai sendo reduzido. No entanto, João Almeida apontou também para o carácter inovador da solução portuguesa, que é o facto de o condutor poder acumular pontos positivos – até um máximo de 15 – se em determinado período de tempo não cometer nenhuma infração, tornando muito mais percetível a evolução da situação do cidadão através do número de pontos que cada um tem a cada momento: “Isto conjuga-se com uma inovação que já introduzimos, que é o Portal da Contraordenação, em que já é possível acedermos online ao nosso cadastro e aos nossos processos pendentes. Uma coisa é nós sabermos que temos uma ou duas contraordenações graves ou muito graves. Com o número de pontos, já se sabe que, chegando a zero, a carta é caçada, segundo a proposta de lei; chegando aos quatro pontos, há necessidade de frequentar uma ação de formação; e quando se atinge os dois pontos, há necessidade de fazer um exame teórico de código.” Por último e perspetivando um balanço do seu mandato, João Pinho de Almeida reforçou todo o investimento feito na eficiência do dispositivo de combate a incêndios florestais, concluindo: “Essa é uma área essencial da minha tutela, mas naturalmente que há outros aspetos importantes, tais como a nova carta por pontos e a elaboração da nova estratégia de segurança rodoviária – que é algo que trabalharemos até ao final do mandato – ou a preparação e a efetivação do processo eleitoral das eleições legislativas,  que são questões que têm a ver com esta secretaria de Estado.

JCF_1697Carlos das Neves Martins

REAJO MUITO MAL A TENTATIVAS DE CONDICIONAMENTO

Quando assumiu funções, em 2013, como presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN), Carlos das Neves Martins deparou-se com um centro hospitalar que estava em falência técnica e com uma dívida de 300 milhões de euros. No entanto, para o gestor, com uma carreira intimamente ligada à vida pública e política, a situação, alguns anos depois, é diferente e, mês após mês, o Centro Hospitalar foi capaz de aumentar a produtividade e o acesso com mais qualidade e com maior excelência, ao mesmo tempo que também conseguiu o crescimento da sustentabilidade económico-financeira. As suas palavras continuam otimistas quando revelaram que foi igualmente possível, ao longo deste tempo, “encontrar soluções para investimentos não só estruturais como estruturantes, bem como o estabelecimento de inovadoras parcerias com alcance estratégico”. E, acrescentando, os números aí estão: “De uma forma muito sucinta e a título de exemplo, registamos +1,7% de consultas totais e +8,5% em primeiras consultas (+ 50 novas consultas em média por dia), os tempos de espera são de -10% para cirurgias e as listas, hoje, são -28%. E para além do aumento da cirurgia programada, também tivemos +21% na cirurgia de ambulatório e 91,6% dos nossos doentes são tratados em tempo adequado. Em termos da sustentabilidade económico-financeira, importa sublinhar que fechámos o ano de 2014 com um resultado líquido de -2,5 milhões de euros versus -70,5 milhões de euros em 2013, isto é, passámos de um prejuízo mensal de sensivelmente 6 milhões em 2013 para aproximadamente 200 mil euros em 2014. Passámos de uma despesa anual de 419,0 milhões de euros para 399,7 milhões (-4,6%) e de 348,5 milhões de euros de receita para 397,1 milhões (+13,9%), de 2013 para 2014. Por outro lado, fechámos o ano passado com um EBITDA de +6 milhões de euros contra -62 milhões no período homólogo.” Questão incontornável foi, porém, um estudo levado a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que levantou diversas questões sobre o funcionamento, a gestão e os interesses que pautam o Centro Hospitalar Lisboa Norte, revelando que o Hospital de Santa Maria está minado por uma teia de interesses de lealdade a partidos políticos, à maçonaria e a organizações católicas. Para Carlos das Neves Martins a resposta é direta e inequívoca, começando por salientar três factos inerentes à situação, concretamente que o referido estudo diz respeito a um período que se inicia em 2000 e terminou em 2012, que a credibilidade revelada na leitura do estudo é muito baixa, e o impacto que este peculiar dito estudo teve na instituição e na sua reputação. E foi este último aspeto que mereceu mais a sua atenção: “assumo sem qualquer problema que esta foi a situação mais difícil que tive que gerir enquanto presidente do CHLN desde 21 de fevereiro de 2013! Até é fácil gerirmos uma instituição com problemas diários muitas vezes de grande complexidade técnica, com conflitos interprofissões e laborais e numa empresa com mais cerca de 6500 colaboradores e funcionários, etc., mas não é nada fácil gerir um ataque à reputação de toda uma instituição num período tão lato como cerca de 12 anos, e sem factos, mas tão só com perceções”. O que diz o estudo e com que fundamento interroga o presidente do Centro Hospitalar? Pressões por parte de partidos políticos, instituições, maçonaria? “Eu nunca senti, nem conheço nenhum facto ou situação concreta sobre qualquer dos meus colegas do Conselho de Administração, dirigentes ou chefias. E se algo for do meu conhecimento, atuarei na hora, com ponderação dos factos, com determinação e com rigor. Como sempre fiz e farei.”

JCF_2990Maria de Belém

A POLÍTICA É MAIORITARIAMENTE DOS HOMENS

Já desempenhou quase todos os cargos de relevância no Partido Socialista e nos seus órgãos, mas agora a deputada enfrentava um novo desafio na sua já vasta carreira, o de se candidatar a ser a primeira mulher Presidente da República em Portugal, candidatura que representa mais do que um “impulso” seu, porque, tal como revelou, é fruto das “muitas pressões” que lhe foram sendo feitas ao longo do tempo por parte de diversas pessoas da sociedade portuguesa. Primeiro tema incontornável residiu na velha questão de a política continuar a ser ou não uma atividade maioritariamente de homens, resposta na qual Maria de Belém foi contundente: “Sim, a política continua a ser uma atividade maioritariamente de homens e os estudos indicam isso claramente. Sabemos que, na política, as mulheres estão ainda muito longe do lugar de destaque que a sua posição no mundo real poderia fazer crer que tivessem atingido. As mulheres neste momento são as pessoas mais qualificadas do país, são o maior número de professores universitários, de investigadores, e quando se fala em competência e mérito, se essa competência e mérito são avaliados, é precisamente nesse domínio. É estranho que, por um lado, continue a haver algum preconceito e, por outro, também alguma indisponibilidade das mulheres para se candidatarem a determinado tipo de lugares.” Quanto à sua candidatura, o seu discurso também foi muito claro sobre as propostas que assumia em defesa do seu país, centradas, nas suas palavras, em duas premissas fundamentais: “que o país reganhe um estatuto de dignidade em termos externos – quer no domínio da União Europeia, quer em termos mais alargados, a nível global – e que, internamente, os portugueses aumentem a sua autoestima”. Por outro lado, Maria de Belém não fugiu ao confronto com a situação que o país viveu nos últimos anos, nomeadamente por força das políticas de austeridade, destacando que seria a altura para pôr a nu os dados trágicos destas políticas, quando o próprio FMI reconheceu os erros em relação às consequências negativas de algumas medidas a nível do desemprego ou do crescimento da pobreza, que na altura em que os programas foram impostos aos governos não eram esperadas: “Penso que o massacre que constituiu a crise económico-financeira que temos vindo a atravessar, as políticas que têm sido implementadas – sobretudo em relação aos países mais débeis –, teve um impacto terrível e conduziu ao enfraquecimento das condições sociais e económicas do país e do seu potencial de crescimento. Claro que há, neste conjunto, certas faixas da população que me preocupam em especial. Uma delas, como é evidente, é a dos mais idosos, porque a perda progressiva de capacidades e o envelhecimento muito acentuado da nossa população colocam-nos problemas específicos, já no presente e num futuro próximo. Mas aquilo que ainda me preocupa mais é a enorme percentagem de crianças pobres que temos, porque crianças pobres comprometem o seu próprio futuro e também o nosso, enquanto coletivo.” E olhando para o futuro, na altura a então candidata a Presidente da República também não deixou horizontes nebulosos na sua determinação: “Uma democracia adulta deve estar à altura de saber respeitar aquilo que o voto popular exprimiu. E o quadro constitucional define bem as funções presidenciais, designadamente nos domínios procedimentais, da transparência e da responsabilidade política das decisões a tomar. Um Presidente da República tem que saber sempre estar à altura das exigências de cada momento e o quadro que se aproxima está longe de ser fácil. Exige experiência política, ponderação, capacidade de mediação e enorme sentido de responsabilidade.”

JCF_6739José Manuel Constantino

FAZER TUDO PARA A VALORIZAÇÃO DO DESPORTO

Com um mandato que só terminará após a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016, para o atual presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), o facto de o desporto ter um papel secundário no nosso país é “um problema cultural”, que obriga a um trabalho que não tem “resultados imediatos”. Contudo, e na sua opinião, atualmente a sociedade portuguesa dá uma importância mais significativa ao desporto do que há duas décadas atrás, o que ainda assim não é suficiente para nos colocar em “igualdade de circunstâncias” com outros países. É nesta lógica que José Manuel Constantino colocou como grande desafio, quando assumiu funções, reposicionar o Comité Olímpico na sociedade portuguesa de uma forma distinta daquela como tradicionalmente tem sido percecionado e, ao mesmo tempo, fazer tudo aquilo que estiver ao alcance para uma maior valorização do desporto. Mas a tónica do problema cultural é bem vincada no seu discurso: “considero que é um problema cultural e é necessário fazer um trabalho que não tem resultados imediatos, que obriga à passagem por várias gerações, de modo a que a situação seja distinta daquela que é atualmente. Temos esse défice, que se revela em múltiplos aspetos e, sobretudo, no modo como o desporto é tratado na sociedade portuguesa”. Questão incontornável acaba por ser também o papel do apoio do Estado nesta dimensão. Para o presidente do COP, a visão é realista e não crítica ao considerar que os apoios têm feito os possíveis no quadro das possibilidades existentes: “Eu não gostaria de construir um discurso que de algum modo limite as nossas ambições por força do facto de os apoios financeiros do Estado ficarem aquém daquilo que seria desejado. O Comité Olímpico, em momentos próprios e nos locais próprios, tem chamado a atenção para aquilo que considera serem constrangimentos do nosso sistema desportivo, onde a questão do financiamento também é evocada e sublinhada. Eu não procuro justificar ou desculpar o que quer que seja, designadamente a competitividade do desporto nacional, por força dos constrangimentos de natureza financeira, que são um facto, mas que eu não apresento como um fator de natureza limitativa, porque senão não tinha aceitado as responsabilidades que aceitei. Quando aceitei este cargo eu já sabia que os recursos que iria ter disponíveis não seriam aqueles que necessitaria.” Quanto às perspetivas para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, José Manuel Constantino é também um homem otimista quando revela que até o número dos atletas que estão integrados ultrapassa já a expectativa e espera ter até ao encerramento do processo de apuramento um número de atletas superior àquele que esteve nos Jogos Olímpicos de Londres, ressalvando também a importância dos próximos jogos terem lugar num pais lusófono: “Portugal devia aproveitar para se afirmar como um país fundador da língua, como um país que pretende mostrar-se ao mundo e fazê-lo num contexto em que tem a língua como elemento de união. Portanto, seja na área política, económica, empresarial ou cultural, creio que deveria, neste momento, haver uma enorme mobilização para se aproveitar as circunstâncias da realização destes jogos num país que fala português. Estranharei se o nosso país não se mobilizar para se mostrar ao mundo. E acho que devemos ter uma presença muito para além da desportiva.”

JCF_1945António Saraiva

A INICIATIVA PRIVADA ESTÁ HOJE FRAGILIZADA

A atual conjuntura económica de Portugal foi um dos temas que dominou a entrevista a António Saraiva, atual presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal. Nas suas palavras, a iniciativa privada, entendida como motor de crescimento da nossa economia, está hoje “fragilizada”, e temos um Governo que, pela sua composição, tem uma leitura da iniciativa privada que não é “tranquilizadora”, sendo, desta forma, necessário criar condições para que esta iniciativa tão necessária deixe de estar ameaçada. E o presidente da CIP vai mais longe numa tónica contundente: “Quando se diz que os horários devem ser diminuídos, os feriados devem ser repostos, os salários devem ser unilateralmente definidos, quase como se estivéssemos a privatizar as entidades privadas, e porque sem riqueza não erradicamos a pobreza, acho que a iniciativa privada, que é geradora de riqueza, bem-estar, de criação de empregos, deve ser acarinhada. Lamentavelmente em Portugal – por tiques que ainda existem da revolução de 1974 –, a iniciativa privada ou os patrões ainda são quase sempre vistos como malfeitores ou exploradores. Esta visão que ainda se tem da iniciativa privada está errada, e sinto que, por alguns exemplos, ela está ameaçada. Infelizmente, ainda não nos apercebemos de que é através da iniciativa privada que geramos riqueza, que erradicamos a pobreza, isto porque existe a criação de empregos.” Neste quadro, uma questão central foi também a da eleição do novo Presidente da República e que expetativas eram esperadas pela Confederação Empresarial de Portugal sobre o novo Presidente da República. Para António Saraiva, é fundamental que, numa altura em que Portugal precisa de estabilidade a três níveis – legislativa, fiscal e laboral –, o Presidente da República pode ter um papel fundamental na conjugação de esforços, promovendo compromissos e gerando consensos, principalmente numa sociedade que tem vindo a ficar demasiado crispada. Mas, críticas subjacentes ficaram, por seu lado, sobre uma campanha que considerou morna, pouco esclarecedora e com demasiados candidatos, onde a instituição Presidência da República saiu prejudicada: “Gostaria, enquanto cidadão, que a abstenção não tivesse sido tão alta, porque, mais uma vez, sinto que os portugueses estão desiludidos com estes fenómenos políticos, com os partidos, com as respostas aos seus problemas, respostas que não são encontradas. Penso que os partidos devem refletir sobre estes resultados, sobre este elevado valor de abstenção e alterar os seus comportamentos e práticas.” Sobre o seu futuro enquanto presidente da CIP, António Saraiva deixou, nas suas palavras, uma porta aberta para cumprir outro mandato: “é uma questão que começo a colocar a mim próprio. Ainda há trabalho para fazer, e por isso gostaria de terminar algumas tarefas e de fazer um terceiro e último mandato. Sendo que tal depende da vontade dos meus pares, terá de existir uma conjugação para que tal aconteça. Da minha parte tenho essa disponibilidade e determinação e tenho um conjunto de iniciativas pensadas, pela experiência acumulada nestes dois mandatos, que me fazem ter uma convicção firme daquilo que quero que a CIP seja, da CIP que quero deixar aos vindouros e das iniciativas que quero gerar no movimento associativo empresarial”. Direto e sem rodeios o tema europa também não escapou ao seu raciocínio crítico, numa lógica que hoje, cada vez mais, ganha vozes concordantes: “A União Europeia está demasiadamente burocratizada, demasiado tolhida por tecnocratas. A Europa não tem um modelo de desenvolvimento, não tem uma estratégia de competitividade e caminha a passo muito lento quando o mundo corre velozmente.”

JCF_4737Ângelo Correia

PORTUGAL NÃO EXPLORA AS SUAS POTENCIALIDADES

Foram muitos os temas que Ângelo Correia abordou na sua entrevista à FRONTLINE, o que não é de estranhar num homem que é dono de uma imensa energia e paixão no falar e também no fazer, e de um vastíssimo currículo e experiência alcançada um pouco por todos os setores, do público ao privado. Questões como a segurança, passando pela ameaça do mundo islâmico, pela questão dos refugiados, pela política externa portuguesa e terminando com uma opinião, bastante positiva, sobre o novo Presidente da República, tudo coube na conversa com o ex-ministro, hoje presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa e cônsul honorário da Jordânia em Portugal. Pronunciando-se uma das questões mais atuais, para Ângelo Correia, o problema do autoproclamado Estado Islâmico resulta de uma deriva ideológica, associada a uma visão de desejabilidade do caos e da violência generalizada, que se manifesta e expressa dentro de um certo Islão. Ou seja, “não é justificável – nem moral nem politicamente – que a noção de Estado Islâmico e a sua perigosidade sejam associadas ao Islão como um todo, mas há que reconhecer que grande parte destes problemas tem a sua génese dentro do Islão”. Neste quadro que respostas são possíveis? Para Ângelo Correia não existem muitas dúvidas sobre o caminho a seguir: “acho que há alterações que podem ser feitas a nível mundial, mas que não têm substantivamente os mesmos efeitos que teriam se fossem operadas, sobretudo, internamente. O grande problema do mundo islâmico é com ele próprio, porque deriva não só de um conflito interno no seu seio, entre várias visões do Islão – a divisão do Islão é de tal forma profunda e de tal forma evidente, que nada disso atenua os problemas, antes pelo contrário, aumenta-os, empola-os e cria situações inultrapassáveis. O regresso a certas formas do Islão – o chamado salafismo jihadista – é de tal forma um problema interno, que são eles próprios que têm de resolver o problema localmente. Ou seja, têm de combater sob a forma religiosa, sob a forma doutrinária, princípios menos aceitáveis que outros, no espaço onde vivem. Enquanto não se fizer essa demarcação clara, enquanto se mantiver essa ideia do redentorismo religioso, que ultrapassa tudo para se impor como norma definitória, e às vezes com violência, eu acho que o mundo ocidental não pode fazer nada”. Olhando para o seu país e do que necessita Portugal para seguir por um bom caminho num futuro próximo, as palavras do ex-ministro da Administração Interna centraram-se em dois pilares fundamentais, ideias e organização: “Portugal tem algumas ideias, não suficientemente partilhadas pela comunidade nacional, mas, pior do que isso, não tem organização que as ponha em prática.  Portugal recusa a organização, acha que é algo que não lhe diz respeito. Algumas pessoas ficam felizes, em Portugal, quando expressam algumas ideias e pensam que resolveram os problemas, como por exemplo, passá-las à prática sob a forma de lei. O problema é que há uma distância entre a lei escrita num papel e a prática que daí decorre, isso nunca fazemos. A União Europeia não é o grande constrangimento nacional, o grande constrangimento nacional são os portugueses e a forma como se organizam e vivem.” E uma última palavra recaiu no tema do momento, a eleição do Presidente da República. Para Ângelo Correia, Rebelo de Sousa era, sem dúvida, o melhor candidato, por oposição a Cavaco Silva que sempre considerou um erro de casting. E concluiu: “mas agora que está no seu momento de saída – ele seguramente quis fazer o melhor possível –, devemos tratá-lo com a dignidade que merece”.